A situação acima pode parecer surreal. Mas a
terapia conhecida como Transplante da Microbiota Fecal (TMF) ou infusão fecal,
tem ganhado espaço, e não é para menos. Em um estudo publicado em 2013 na prestigiosa
revista New England Journal of Medicine, o
grupo holandês liderado pelo Dr. Els van Nood relatou que a infusão de fezes de
doadores saudáveis em pacientes com infecções recorrente por Clostridium difficile foi
significativamente mais eficiente no tratamento da infecção do que o uso do antibiótico
Vancomicina. Dos 16 pacientes que receberam a infusão, 13 (81%), já após a
primeira aplicação apresentaram resolução das diarréias associadas à infecção. Enquanto
que no grupo tratado com a terapia padrão - antibióticos - apenas 4 (31%)
pacientes, de um total de 13, tiveram sucesso. A resolução de infecções por C. difficile é um desafio constante na
clínica. O tratamento com antibióticos é eficaz em apenas 60% dos casos novos; e
ainda menos eficaz nos casos recorrentes (1). Nos EUA esta é a principal causa
das diarréias nosocomiais e vem apresentando índices crescentes de mortalidade (2).
Neste contexto, o sucesso, rapidez no tratamento, custos e benefícios dos TMF
no combate a este tipo de infecção impressionam.
Microscopia eletrônica de varredura mostrando o C. difficile, bacilos anaeróbios
gram-positivos, responsáveis por doenças gastrointestinais associadas a
antibióticos. Imagem retirada da web.
Curiosamente, o uso terapêutico de fezes não é uma
idéia nova. O famoso Taoísta e alquimista Chinês Ge Hong já advogava seus
benefícios a mais de 1500 anos. Também há relatos de que fezes de camelos eram
consumidas por povos beduínos e por soldados alemães na segunda guerra mundial
para o alivio de Disenterias. Nos dias atuais, a infusão fecal ganhou atenção
da medicina em 1958 quando um cirurgião do Colorado- EUA, Dr. Eiseman, tratou
com sucesso quatro pacientes com Colite pseudomembranosa usando enemas fecais
oriundos de doadores saudáveis (3).
Ge Hong, viveu durante a dinastia Jin (263 – 420),
na china. Estudioso da alquimia e com profundo interesse nas técnicas de
longevidade, Hong prescrevia
suspensões fecais para tratamento de Diarréias e envenenamento alimentar.
Imagem retirada da web.
Apesar de ser uma terapia comprovadamente eficaz e
com amplo potencial, o TMF precisa ser mais bem estudado e divulgado. E como
“medicina” precisa conquistar adeptos no seguimento da clínica mais avesso à prática.
Claro, a desconfiança e os questionamentos a infusão fecal têm os seus porquês.
Primeiro, para muitos, a idéia de se tratar usando os excrementos de outra pessoa
pode soar um tanto nauseante. Outras questões são de ordem mais prática. Em
larga escala, Como se daria a coleta e o processamento de todo esse produto
fecal? Quais seriam os critérios de inclusão e exclusão dos doadores? Para
quais pacientes esse tipo de terapia não seria recomendado? Quais as melhores
vias de administração? Seria viável o encapsulamento desses produtos e sua
venda nas farmácias? Quais outras doenças poderiam ser combatidas pelo uso do
TMF?
Por outro lado, em uma perspectiva mais ampla, o
papel da microbiota na saúde e na doença é importante demais para ser ignorado.
As nossas bactérias ultrapassam em 10 vezes o número de células circulantes no
corpo. Juntas, essas bactérias correspondem de 1-2% da massa corporal (4).
É como se a nossa microbiota pudesse ser considerada um novo órgão - tardiamente
descoberto – com características peculiares, porém com funções biológicas cada
vez melhor compreendidas. Uma quantidade crescente de estudos vem mostrando que
esse “órgão bactéria” estabelece uma complexa relação com diversos aspectos da nossa
fisiologia e saúde, interagindo com a nossa dieta e sistema imunológico, e
influenciando direta e indiretamente na etiologia de doenças como Diabetes, IBD,
Obesidade, Autismo, Alergia, Asma e Doenças do coração (5,6).
Com base nisso, é razoável supor que métodos pouco
ortodoxos como o TMF são mais promissores do que se possa imaginar. Por fim, não
sei o quão popular se tornarão os TMF, como terapia ou potencial probiótico,
mas é possível que chegue o dia em que será difícil recusar a prescrição de um
bom drink suplementado com a microbiota alheia.
Post de: Rodrigo Pereira de Almeida Rodrigues
(Mestrando do IBA/FMRP)
Referências
1 - van nood et al. Duodenal Infusion of Donor
Feces for Recurrent Clostridium difficile. N Engl J Med
2013;368:407-15. DOI 10.1056/NEJMoa1205037
2- Redelings et al. Increase in Clostridium diffi
cile–related Mortality Rates,United States. Emerging Infectious Diseases • www.cdc.gov/eid • Vol. 13, No. 9, 2007 September.
3 - Cammarota
et al. Gut microbiota modulation: probiotics, antibiotics or fecal microbiota
transplantation. Intern
Emerg Med DOI 10.1007/s11739-014-1069-4
5 – Sekirov
et al. Gut Microbiota in Health and Disease. Physiol Rev 90: 859–904, 2010;
DOI:10.1152/physrev.00045.2009
6- Goldsmith
and Sartor. The role of diet on intestinal microbiota metabolism. J Gastroenterol DOI 10.1007/s00535-014-0953-z
Nenhum comentário:
Postar um comentário