Apesar
dos esforços para se erradicar a malária, doença causada por protozoários do
gênero Plasmodium e transmitida aos
seres humanos por mosquitos do gênero Anopheles,
ainda é uma das principais causas de morte por doença infecciosa no mundo,
acometendo 500 milhões de pessoas e matando entre 2 e 3 milhões por ano. A
infecção é iniciada pela picada de fêmeas infectadas do mosquito, as quais,
durante repasto sanguíneo, inoculam a forma infectante do parasita, os
esporozoítos. Estes, ao atingirem a circulação sanguínea, são rapidamente transportados
para o fígado, infectando os hepatócitos. Nestas células, os esporozoítos se
desenvolvem e se reproduzem dando origem a milhares de merozoítos, formas que,
por sua vez, infectam os eritrócitos. Enquanto a fase eritrocítica é
responsável pelos sintomas característicos da doença, a fase hepática da
infecção é clinicamente silenciosa, motivo pelo qual foi determinado que o Plasmodium
era capaz de infectar e se replicar dentro dos hepatócitos sem induzir qualquer
resposta imunológica (1 e 2). No entanto, desde 1992, trabalhos começaram a
relatar a presença de células inflamatórias no fígado de animais infectados (3,
4, 5). Então, será mesmo que o hospedeiro não detecta o parasita nessa fase do
ciclo??
Liehl
e colaboradores (6) demonstraram, em um trabalho publicado na Nature Medicine
no começo desse ano, que ao contrário do que se pensava, na fase hepática, o Plasmodium não passa “despercebido” pelo
hospedeiro. O RNA do parasita é capaz de ativar, no fígado, a via de
sinalização de IFN tipo I através do receptor citoplasmático Mda-5. Essa
resposta, que é inicialmente gerada nos hepatócitos, precisa da proteína
adaptadora Mavs e dos fatores de transcrição Irf3 e Irf7, para sintetizar IFN
tipo I. A ligação do IFN tipo I em seu receptor culmina no controle in vivo da infecção, visto que animais Ifnar1-/- possuíam maior
carga parasitária no fígado e maior parasitemia. Eis que surge mais uma questão
... Como o IFN tipo I promove a resistência contra P. berghei? De maneira interessante, os autores evidenciaram que,
mesmo após o tratamento com DMXAA (ativador de Irf3 e consequentemente indutor
de IFN tipo I), os hepatócitos não conseguiam eliminar o parasita in vitro, indicando que, embora as
células residentes do fígado fossem essenciais para a propagação da resposta de
IFN tipo I, outras células atuariam na destruição do Plasmodium. Como a resposta de IFN tipo I estava relacionada com o
estabelecimento de células inflamatórias ao redor de hepatócitos infectados, em
uma fase mais tardia da infecção, células da linhagem mielóide (como
neutrófilos e macrófagos) foram recrutadas para o local de replicação das
formas exo-eritrocíticas, onde restringiriam o crescimento do parasita. Caros
leitores, vocês não acham incrível saber que o nosso organismo não é passivo ao
estágio infeccioso que ocorre no fígado? E se pensarmos no futuro, imagina que
fantástico seria se existissem intervenções terapêuticas as quais pudessem
diminuir o número de merozoítos infectantes.
1. Prudêncio, M., Rodriguez, A. & Mota, M.M. The silent path to
thousands of merozoites: the Plasmodium liver stage. Nat. Rev. Microbiol. 4, 849–856 (2006).
2. Liehl, P. & Mota, M.M. Innate recognition
of malarial parasites by mammalian hosts. Int. J. Parasitol. 42, 557–566 (2012).
3. Khan, Z.M., Ng,
C. & Vanderberg, J.P. Early hepatic stages of Plasmodium
berghei: release of circumsporozoite protein and host cellular inflammatory
response. Infect. Immun. 60,264–270 (1992).
4. Leiriao, P., Mota, M.M. & Rodriguez,
A. Apoptotic Plasmodium-infected hepatocytes provide antigens
to liver dendritic cells. J. Infect. Dis. 191, 1576–1581 (2005).
5. van de Sand, C. et
al. The liver stage of Plasmodium berghei inhibits
host cell apoptosis. Mol. Microbiol. 58, 731–742 (2005).
6.
Liehl, P. et al. Host-cell
sensors for Plasmodium activate innate immunity against liver-stage infection. Nat. Med. 20, 47-53 (2014).
Post de Luciana Veronez e Natália Ketelut (doutorandas FMRP/USP – IBA)
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