Como biólogo, já parei para pensar
várias vezes em como as moléculas do sistema imunológico, a relação com os
parasitos ou colonizadores do organismo, teriam evoluído. A grosso modo, sob a óptica da teoria
evolutiva, praticamente tudo pode ser explicado pela pressão seletiva do meio (agentes
bióticos, abióticos) sobre caracteres (e aqui, entenda-se moléculas,
receptores, citocinas, etc) que, ao conferir maior valor adaptativo, torna maior
a possibilidade de sucesso reprodutivo, de forma que os genes relacionados a
determinado caractere se distribuam na população ao longo de muitas gerações e
a nova característica se estabeleça. Nesse contexto diferentes abordagens de
estudo se encaixam bem, como a Ecoimunologia, sendo tal área bem pouco
explorada no Brasil. Em suma, ela se preocupa em descrever e explicar o efeito
das variações naturais nas funções imunes, mais especificamente, a relação
entre fatores bióticos e abióticos na
modulação da imunidade em organismos de vida livre.
Recentemente, assisti a uma palestra
cuja abordagem tinha um viés eco/evolutivo/imunológico bastante interessante.
Em suma, o estudo apresentado discorria sobre a relação entre o sistema
endócrino, imunossupressão e reprodução em populações naturais. Partia da ideia
de que nos vertebrados, durante o
processo de reprodução os machos apresentam displays sexuais (coloração de plumagem, pelos, vocalizações) relacionados
à atração da parceira reprodutiva. Assim, aqueles indivíduos cujo display
sexual fosse mais desenvolvido, teriam maiores chances de se reproduzir e
assim, transmitir seus genes para novas gerações. No entanto, se apenas poucos
indivíduos que apresentarem os displays mais avantajados fossem capazes de
gerar descendência, com o tempo e após gerações, a população tenderia a ter uma
homogeneidade genética, o que como é sabido, não é vantajoso na manutenção das
espécies. Nesse sentido é que entra a beleza da ideia exposta a seguir. Nos
machos o desenvolvimento do display sexual está relacionado ao aumento de
níveis hormonais, o que leva a uma supressão do sistema imunológico. Essa imunossupressão
é acompanhada por aumentos nas taxas de parasitos, o que acarreta no
comprometimento de funções fisiológicas. Assim, essa interação entre o sistema
imune e a variação hormonal estaria regulando, de certa forma, a variabilidade
genética dentro das populações. Portanto, o macho deve apresentar associado ao
display sexual uma imuno competência que estaria então relacionada ao sucesso
reprodutivo. Não entrarei em detalhes a respeito dos dados apresentados, uma
vez que são resultados ainda não publicados. É importante ressaltar que não
apenas o período de reprodução altera as taxas hormonais, mas também as
condições ambientais a que os organismos estão expostos.
Nesse sentido, acredito que a
imunologia teria muito a contribuir com questões básicas relacionadas à
evolução, ambiente e reprodução, bem como com questões relacionadas a própria
conservação de espécies. Projetos já estão sendo feitos associando variações
ambientais (como mudanças climáticas) à modulação do sistema imunológico em
populações naturais.
Post de Murilo Solano (mestrado - FMRP-USP/IBA)
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