Já
se sabe há algum tempo que bactérias e outros microorganismos (microbioma)
podem influenciar toda a nossa dinâmica corporal, inclusive a saúde, seja
no sistema digestório, na pele e em outras partes do organismo. Porém, não se
sabe qual o impacto real desses microorganismos no desenvolvimento e evolução
de indivíduos.
Para
um processo evolutivo ocorrer e originar novas espécies, devemos ter necessariamente,
uma alteração genética ao nível do núcleo. Porém outra teoria, ainda muito
controversa, sugere que o objetivo da seleção natural de Darwin não é o
indivíduo em si, mas o organismo hospedeiro mais o seu
microbioma. A alteração tanto do genoma nuclear como do microbioma
poderia ser considerada como um evento único e necessário para a especiação,
gerando o hologenoma (genoma total de um organismo e seus microorganismos
residentes - passageiros ou permanentes). E é aí que surge a (polêmica) Teoria
Hologenômica da Evolução.
Para
testar se a Teoria Hologenômica poderia ser um fenômeno realmente
observável, Robert Brucker e Seth Bordenstein, da Universidade de
Vanderbilt (Nashville, Tennesse, EUA) mostraram evidências diretas de
que micróbios podem contribuir para a origem de novas espécies. O grupo
estudou três espécies diferentes de vespas (Nasonia giraulti, N. vitripennis e N.
longicornis). Analisando seus graus de parentesco, N. giraulti e a N. longicornis apresentaram
características genéticas muito semelhantes. E essa proximidade evolutiva
também se refletiu em seus microbiomas. Porém, N. vitripennis, que
divergiu há mais ou menos 1 milhão de anos (em comparação aos 400 mil anos
entre N. giraulti e N. longicornis),
possui fortes diferenças tanto no genoma quanto no seu microbioma em relação às
duas espécies.
O
grupo então cruzou as duas espécies evolutivamente mais próximas, gerando descendente
cuja mortalidade é muito baixa, por volta de 8%. Porém, quando houve o
cruzamento de uma dessas duas espécies com a N. vitripennis, a
mortalidade dos descendentes subiu para mais de 90%. Tal diferença na
mortalidade se deve provavelmente a incompatibilidade no DNA, gerando, através
do cruzamento, defeitos genéticos não compatíveis com a vida. Além disso,
o microbioma das proles que sobreviveram assemelhou-se ao dos pais. Porém, a
análise do microbioma das larvas que morreram mostrou que era totalmente
diferente do microbioma dos pais, gerando um padrão caótico e desproporcional.
Mas será que os microorganismos foram responsáveis diretos pela sobrevivência das larvas híbridas de N.
vitripennis (condicionamento pelo microbioma)?
Ao
se utilizar antibióticos para gerar indivíduos germ-free, larvas
híbridas de N. vitripennis, que deveriam morrer, sobreviveram.
Curiosamente, essas larvas tiveram uma taxa de sobrevida igual à das larvas germ-free sem intercruzamento
com a N. vitripennis. Mas se a ausência de
microorganismos aumentou a sobrevida, também deveria afetar a sobrevivência de
larvas não híbridas, como se fossem híbridas. Porém, a taxa de sobrevida
do grupo germ-free controle não se
alterou. Oras!! Então, se inocularmos bactérias comensais aos indivíduos germ-free,
a taxa de sobrevivência em híbridos e não híbridos não pode
cair. Em um teste posterior, o grupo deu dois tipos de bactérias
intestinais comuns de híbridos regulares (Providencia e Proteus)
as larvas germ-free. As taxas de sobrevida dos híbridos de N.
Vitripennis caíram. Eureka! Por
meio desses dados, os pesquisadores mostraram que o problema de uma prole
híbrida não está somente relacionado aos seus genes, mas como os genes
interagem com os micróbios que possuem. Um dos motivos que matavam as larvas
híbridas era o microbioma, pois larvas híbridas sobreviviam em ambiente livre
de microorganismos, mas não em ambientes com bactérias específicas dos pais.
A N. vitripennis e a N. giraulti/longicornis são
espécies distintas não somente pelos seus genes, mas também por seu microbioma.
Logo, o microbioma possui efeitos semelhantes aos das barreiras físicas, tais
como montanhas, rios, ilhas e divergências físicas (ou mesmo a pele,
imunologicamente falando), mantendo espécies distintas separadas e evitando a
hibridização entre machos de uma especie com fêmeas de outras.
O
Hologenoma agora é um fenômeno observável. Resta saber qual seu padrão na
população, pois se pensarmos que o ser humano possui por volta de 20 mil genes,
os micróbios que residem dentro dele adicionam mais uns 10 milhões.
Curiosamente um estudo que saiu na Nature de 2012 mostrou que o DNA da microbiota
intestinal possui uma característica ímpar para cada indivíduo, uma impressão
digital “secundária” tão única quanto o nosso próprio DNA celular. Mas
isso levanta questões muito maiores, muito mais filosóficas e muito mais
apreciáveis (até que surjam as respostas). Eu sou eu mesmo ou também sou
centenas de milhares (bilhões) de micróbios? Até que ponto os genes realmente
importam para a evolução de doenças?
Post de Gabriel
Shimizu Bassi (FMRP-USP)
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