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sábado, 19 de outubro de 2013

Microbioma pode influenciar evolução do hospedeiro ao nível gênico



Já se sabe há algum tempo que bactérias e outros microorganismos (microbioma)  podem influenciar toda a nossa dinâmica corporal, inclusive a saúde, seja no sistema digestório, na pele e em outras partes do organismo. Porém, não se sabe qual o impacto real desses microorganismos no desenvolvimento e evolução de indivíduos.

Para um processo evolutivo ocorrer e originar novas espécies, devemos ter necessariamente, uma alteração genética ao nível do núcleo. Porém outra teoria, ainda muito controversa, sugere que o objetivo da seleção natural de Darwin não é o indivíduo em si, mas o organismo hospedeiro mais o seu microbioma. A alteração tanto do genoma nuclear como do microbioma poderia ser considerada como um evento único e necessário para a especiação, gerando o hologenoma (genoma total de um organismo e seus microorganismos residentes - passageiros ou permanentes). E é aí que surge a (polêmica)  Teoria Hologenômica da Evolução.

Para testar se a Teoria Hologenômica poderia ser um fenômeno realmente observável, Robert Brucker e Seth Bordenstein, da Universidade de Vanderbilt (Nashville, Tennesse, EUA) mostraram evidências diretas de que micróbios podem contribuir para a origem de novas espécies. O grupo estudou três espécies diferentes de vespas (Nasonia giraulti, N. vitripennis e N. longicornis). Analisando seus graus de parentesco, Ngiraulti e a N. longicornis apresentaram características genéticas muito semelhantes. E essa proximidade evolutiva também se refletiu em seus microbiomas. Porém, N. vitripennis, que divergiu há mais ou menos 1 milhão de anos (em comparação aos 400 mil anos entre Ngiraulti e N. longicornis), possui fortes diferenças tanto no genoma quanto no seu microbioma em relação às duas espécies. 

O grupo então cruzou as duas espécies evolutivamente mais próximas, gerando descendente cuja mortalidade é muito baixa, por volta de 8%. Porém, quando houve o cruzamento de uma dessas duas espécies com a N. vitripennis, a mortalidade dos descendentes subiu para mais de 90%. Tal diferença na mortalidade se deve provavelmente a incompatibilidade no DNA, gerando, através do cruzamento, defeitos genéticos não compatíveis com a vida. Além disso, o microbioma das proles que sobreviveram assemelhou-se ao dos pais. Porém, a análise do microbioma das larvas que morreram mostrou que  era totalmente diferente do microbioma dos pais, gerando um padrão caótico e desproporcional. Mas será que os microorganismos foram responsáveis diretos pela sobrevivência das larvas híbridas de N. vitripennis (condicionamento pelo microbioma)?

Ao se utilizar antibióticos para gerar indivíduos germ-free, larvas híbridas de N. vitripennis, que deveriam morrer, sobreviveram. Curiosamente, essas larvas tiveram uma taxa de sobrevida igual à das larvas germ-free sem intercruzamento com a N. vitripennis. Mas se a ausência de microorganismos aumentou a sobrevida, também deveria afetar a sobrevivência de larvas não híbridas, como se fossem híbridas. Porém, a taxa de sobrevida do grupo germ-free controle não se alterou. Oras!! Então, se inocularmos bactérias comensais aos indivíduos germ-free, a taxa de sobrevivência em híbridos e não híbridos não pode cair. Em um teste posterior, o grupo deu dois tipos de bactérias intestinais comuns de híbridos regulares (Providencia e Proteus) as larvas germ-free. As taxas de sobrevida dos híbridos de N. Vitripennis caíram. Eureka! Por meio desses dados, os pesquisadores mostraram que o problema de uma prole híbrida não está somente relacionado aos seus genes, mas como os genes interagem com os micróbios que possuem. Um dos motivos que matavam as larvas híbridas era o microbioma, pois larvas híbridas sobreviviam em ambiente livre de microorganismos, mas não em ambientes com bactérias específicas dos pais. A N. vitripennis e a N. giraulti/longicornis são espécies distintas não somente pelos seus genes, mas também por seu microbioma. Logo, o microbioma possui efeitos semelhantes aos das barreiras físicas, tais como montanhas, rios, ilhas e divergências físicas (ou mesmo a pele, imunologicamente falando), mantendo espécies distintas separadas e evitando a hibridização entre machos de uma especie com fêmeas de outras.
O Hologenoma agora é um fenômeno observável. Resta saber qual seu padrão na população, pois se pensarmos que o ser humano possui por volta de 20 mil genes, os micróbios que residem dentro dele adicionam mais uns 10 milhões. Curiosamente um estudo que saiu na Nature de 2012 mostrou que o DNA da microbiota intestinal possui uma característica ímpar para cada indivíduo, uma impressão digital “secundária” tão única quanto o nosso próprio DNA celular. Mas isso levanta questões muito maiores, muito mais filosóficas e muito mais apreciáveis (até que surjam as respostas). Eu sou eu mesmo ou também sou centenas de milhares (bilhões) de micróbios? Até que ponto os genes realmente importam para a evolução de doenças?



Post de Gabriel Shimizu Bassi (FMRP-USP)

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