E é sempre aquela mesma história
controversa: a estimulação do nervo vago leva à imunossupressão por meio da
liberação de noradrenalina (NA) no baço, o qual se liga em receptores adrenérgicos
β2 em linfócitos T CD44lowCD66High e então liberam acetilcolina
(ACh) que se acopla a receptores nicotínicos α7 de macrófagos esplênicos, cuja
ativação impede aprodução de TNF, resultando em imunossupressão generalizada (Tracey, 2009; mas ver Bratton et al., 2012).
Apesar de ser um mecanismo
plausível (porém sem termos os mecanismos neuroanatômicos da resposta imune
certos), o aspecto farmacocinético não se encaixava nessa teoria. O grupo do
Kevin Tracey postulava que a liberação de ACh por linfócitos localizados no
baço seria suficiente para causar os efeitos imunossupressores sistêmicos. No
entanto, a meia-vida da ACh é de somente 2 minutos na corrente sanguínea, o que
contrastacom o período de duração dos efeitos antiinflamatórios de mais de 3
horas (dezenas de meias-vidas) após uma única estimulação do sistema
colinérgico (via nervo vago).Então, se não é tarefa única e exclusiva da NA
neuronial permitir a liberação de ACh por células T esplênicas, quem estaria
mantendo essa resposta?
Uma das hipóteses é que a ACh poderia ser produzida a partir de
células imunes não esplênicas. Muito do que se estudava
anteriormenteerasobre a estimulação do nervo vago, focando o problema exclusivamente
nas células do baço (e que seriam as únicas responsáveis pelos efeitos
imunossupressores generalizados). Mas sabe-se que outros órgãos têm inervação
simpática (vou deixar de lado o controverso problema parassimpático/simpático
do nervo vago, mas, nesse contexto, vamos admitir que uma das vias finais do
nervo vago libera, indiretamente, NA) (Nance
e Sanders, 2007).
Reardon e colaboradores
(2013) inicialmente mostraram a presença de colina acetiltransferase
(ChAT), enzima que sintetiza a acetilcolina, em células B, macrófagos e células
dendríticas. Até aí nada novo, pois vários artigos já tinham relatado a presença
de ChAT em várias células do sistema imune (Fujii
et al., 1998; Rinner
et al., 1998; Kawashita
e Fujii, 2000; Kazuo
et al., 1999; Kawashima
et al., 1998). A novidade é que essa expressão de ChAT nas células B
depende da ativação de MyD88 (via TLR) e CD40 e que a expressão da ChAT nas
células é temporária, podendo ser reinduzida se houver estímulo apropriado. Esses
sinais são providos pela microbiota intestinal, pois encontraram células ChAT
positivas originando-se no tecido linfóide associado a mucosas (MALT). Logo, precisamos
de um estímulo sustentado para manter o efeito: acabou o estímulo, acabou a
liberação de ACh. E talvez seja por isso que até o momento a ACh (neural ou não) tem efeito somente no
sistema imune inato, apesar de estudos mostrarem que a ativação dos TLRs pode ter
lá seus efeitos diretos na imunidade adaptativa (Akira et al., 2001;
Richardt-Pargmann
et al., 2011).
Mas, mesmo sabendo de onde vem a
ACh nesse modelo, qual seu mecanismo de immunorregulação? É a cereja do bolo do
artigo. Os autores mostraram que a produção de ACh pelas células B inibe a expressão de moléculas de adesão
nas células endoteliais por meio da ativação de receptores muscarínicos, sem
que haja redução dos níveis de citocinas pró-inflamatórias locais. Simples
assim? Simples assim…
E com essa mesma simplicidade (nem
tão simples assim) que encontramos o mesmo resultado em experimentos
semelhantes aqui no nosso laboratório. Porém foi tão controverso que nos rendeu
(e ainda rende) boas discussões e brainstorms
dignos das melhores agências de publicidade. Mas no final estávamos todos
certos: o baço não é rei, nem a citocina é rainha.
Post de Gabriel Bassi
Reardon, C. et al. 2013. Lymphocyte-derived ACh regulates local innate but not adaptive
immunity. Proc. Natl Acad. Sci. 110(4): 1410-1415.
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