Modificações pós-traducionais são processos
biológicos comuns que alteram partes específicas da proteína após sua síntese.
Uma modificação que tem chamado atenção dos pesquisadores é a conversão de
arginina em citrulina, processo chamado citrulinação ou deiminação. Esse
processo é catalizado pela família de enzimas ativadas por cálcio, as
pepitilarginina deiminases (PAD). Atualmente estão descritos cinco membros
dessa família (PAD1, 2, 3, 4 e 6), que estão distribuídos em diferentes tecidos
e células. A citrulina não é um aminoácido codificado naturalmente pelo DNA, e a
introdução dela na proteína modifica sua estrutura e função, além de determinar
novos antígenos. A citrulinação está relacionada com eventos fisiológicos e
patológicos. Os eventos fisiológicos compreendem diferenciação epitelial,
regulação da expressão gênica, descondensação de cromatina para formação de
armadilhas extracelulares (NETs) por neutrófilos e apoptose. Por outro lado, a
citrulinação está envolvida em doenças inflamatórias como esclerose múltipla,
doença de Alzheimer e Artrite reumatóide (AR).
A
relação de citrulinação com AR foi bem estabelecida por Hill e
colaboradores (2008). Nesse trabalho, os autores demonstraram a indução de
artrite em camundongos C57BL/6 transgênicos para o alelo do HLA humano
DRB1*0401, imunizados com o fibrinogênio humano citrulinado (CithFib). Essa proteína é comumente encontrada no
tecido sinovial inflamado e é também um alvo frequente de anticorpos em
pacientes com AR. No estudo, animais transgênicos e selvagens foram imunizados
com o fibrinogênio humano, citrulinado ou não modificado. Os autores
demonstraram que apenas animais transgênicos imunizados com o CithFib
desenvolveram artrite. Estes animais apresentaram uma resposta mais pronunciada
de células T, caracterizada por maior proliferação celular e níveis elevados de
IFN-γ, além de maior
produção de anticorpos, que foram reativos contra diversos peptídeos implicados
na patogênese da artrite, citrulinados ou não.
Este trabalho corresponde à primeira descrição de artrite dependente de
citrulinação em camundongos, e apesar de suas imperfeições, o modelo representa
um protótipo fidedigno da AR, contrastando com os modelos prévios – como a
artrite induzida por colágeno, mais representativos de artrite inflamatória em
geral.
Por outro lado, Ireland
& Unanue (2011
e 2012)
esclareceram o mecanismo pelo qual células apresentadoras de antígeno (APCs) apresentam
peptídeos citrulinados às células T CD4. Inicialmente, eles demonstram que
macrófagos e células dendríticas, fisiologicamente, ao processar peptídeos
próprios, têm a capacidade de citruliná-los para que sejam apresentados a
células T. Em contraste, células B necessitam de um estímulo adicional para que
a citrulinação aconteça, seja ele desencadeado por stress ou pela ativação via
BCR. A descoberta chave do estudo foi demonstrar que a citrulinação de
peptídeos pelas APCs é dependente do processo de autofagia e a enzima PAD apresenta
atividade dentro de vesículas autofágicas. Além disso, a citrulinação pelas
APCs é bloqueada pelo 3MA, um inibidor de autofagia. No entanto, o processo de
citrulinação pelas células dendríticas e macrófagos difere das células B
(Figura 1). Nas primeiras, após a ligação da proteína à membrana, há a formação
de uma vesícula endossomal inicial e, a partir dela, a proteína pode seguir
dois caminhos. Ela pode ser levada a vesículas tardias e processada em
peptídeos, que são apresentados por moléculas de MHC de classe II em sua forma
não modificada. Alternativamente, a proteína pode ser levada a vesículas
autofágicas, onde é processada em peptídeos, os quais sofrem citrulinação e são
apresentados na superfície da célula como peptídeos citrulinados. De forma
diferente, nas células B, apenas após a ativação do BCR, via antígeno
específico ou via anti-imunoglobulina, há ativação da autofagia. O complexo
proteína-BCR endocitado é direcionado a vesículas autofágicas, onde a proteína
é processada e citrulinada. Caso não haja essa ativação, a proteína endocitada
é levada a vesículas endocíticas e processada para ser apresentada como
peptídeo não modificado.
Modelo de citrulinação de
pepídeos dependente de autofagia. A) Citrulinação em células dendríticas e
macrófagos; B) Linfócitos B. (HEL - hen egg-white lysozyme)
A descoberta de que a autofagia está diretamente relacionada à geração de
peptídeos citrulinados por APCs tem fundamental importância no que diz respeito
à autoimunidade. Em certas doenças como na AR, mudanças no microambiente
tecidual, podem induzir autofagia em APCs e com isso, citrulinação. Peptídeos
citrulinados, em combinação com alelos que predispõem à doença, constituem
condições propícias à auto-reatividade de células T, levando à iniciação ou
aumento do processo patológico. Além disso, a ativação da autofagia nas células
B por auto-anticorpos, como os que compõem o fator reumatóide, é outro evento
determinante na produção de peptídeos citrulinados, e dessa forma, na
exacerbação da doença.
Post de Mariana Benício, Milena Espíndola e Thaís Bertolini
muito legal e didatico o post de vcs! realmente citrulinação é um processo que ainda vai nos ensinar coisas novas quanto a interacao das celulas T com peptideos self, mas modificados.
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