Como
estudar imunologia humana ? Para isso, marcadores de doença são fundamentais. Há
20 anos atrás, no Comitê de Doença de Chagas da OMS, nós procurávamos o
marcador molecular ideal para a Doença de Chagas, e acreditávamos que este
marcador seria melhor evidenciado por um anticorpo do paciente. Além de
diagnóstico, o biomarcador ideal deveria também prever o aparecimento da doença
num doador ainda sem sintomas.
A
idéia estava correta, mas uma molécula apenas não foi capaz de preencher os requisitos.
Vinte anos depois, os estudos de genômica mostram que biomarcadores eficientes
são conjuntos (ou módulos) de dezenas de proteínas, que são reguladas em bloco durante
o processo patológico. Ao invés de anticorpos, estes módulos moleculares agora
são identificados pela análise genômica do RNA que é expresso nas células dos
pacientes. Além disso, a análise funcional destas moléculas lança uma luz na
patogênese da doença, e pode sugerir novas terapias.
A
tuberculose (TB) é um exemplo de sucesso recente nesta área. A TB permanece
como uma doença emblemática, apresentando morbidade e mortalidade altas. As
respostas imunes responsáveis pela proteção ou suscetibilidade ao Mycobacterium tuberculosis permanecem
desconhecidas. Recentemente, um estudo de genômica coordenado por Anne O’Garra,
e realizado em dois centros independentes, na Inglaterra e África do Sul,
identificou uma assinatura molecular de 393 genes, em pacientes portadores de
TB ativa (Berry MPR et al., An interferon-inducible neutrophil-driven blood
transcriptional signature in human tuberculosis. Nature 466; 973-979, 2010).
Análises em chips de microarranjos de
DNA foram realizadas com o RNA extraído do sangue total ou de subpopulações de
leucócitos dos pacientes. Dentro deste conjunto, foi isolada uma assinatura específica
de 86 genes, capaz de discriminar a TB de outras doenças inflamatórias e
infecciosas. A assinatura contém uma série de genes hiperexpressos e uma série
de genes inibidos. Importante, a mesma assinatura foi também encontrada em
10-25% dos doadores assintomáticos, sugerindo que possa ser o marcador
prognóstico ideal para identificar aqueles pacientes que irão progredir para a
doença manifesta. Além disso, a expressão quantitativa da assinatura gênica foi
diretamente proporcional à extensão do comprometimento pulmonar, e retornou
progressivamente à normalidade com o tratamento (Figura). O exame dos genes
envolvidos na assinatura molecular mostrou que estes são proteínas envolvidas
na sinalização intracelular mediada principalmente, por interferon alfa/beta, e
expressas principalmente em neutrófilos, e em menor grau, também em monócitos. Este estudo surpreendeu ao mostrar pela primeira
vez a grande importância deletéria dos neutrófilos e dos interferons tipo I na
tuberculose humana. No entanto, estudos prévios já haviam relatado a reativação
de TB latente após a injeção de interferons do tipo I para tratamento de
hepatite. Além disso, o estudo em pauta representa mais uma evidência da íntima
interrelação funcional que existe entre macrófagos e neutrófilos nas infecções,
seja para a imunoproteção ou para a suscetibilidade, fenômeno que vem sendo
cada vez mais reconhecido na imunologia (Silva MT, J. Leukoc. Biol. 87;
93-106, 2010; Soehnlein O and Lindbom L, Nat. Rev. Immunol. 10; 427-439, 2010).
Numa publicação mais recente, estes e outros
especialistas em imunologia da TB se reuniram para discutir o papel dos
neutrófilos na TB experimental e humana (Lowe DM et al, Neutrophils in
tuberculosis: friends or foes ? Trends Immunol. 2012, epub ahead of print). No
trabalho, os autores discutem a complexidade da resposta imune na TB, mas
enfatizam o papel central dos neutrófilos na doença. As evidências em modelos
experimentais sugerem que os neutrófilos têm um papel protetor nos estágios
iniciais da infecção, mas com a evolução do processo infeccioso, os neutrófilos
passam a desempenhar um papel claramente deletério, associado diretamente com
as manifestações clínicas.
O
fórum de especialistas conclui que, em indivíduos suscetíveis, a falência da
imunidade Th1 ou a perda da resposta ao IFN-gama provocam um influxo de
neutrófilos para os sítios de infecção. Este influxo poderia ser uma
compensação para a função comprometida dos macrófagos. No entanto, os neutrófilos
infiltrantes também estão disfuncionais, sendo facilmente infectados pelo M. tuberculosis, porém incapazes de
matar o patógeno. Tais neutrófilos “frustrados” geram uma inflamação inespecífica,
com produção de radicais tóxicos, secreção de enzimas proteolíticas, produção
aberrante de citocinas, e necrose secundária, por falta de uma remoção
fagocítica eficiente. A necrose irá perpetuar o processo inflamatório. Além
disso, há evidências de que neutrófilos induzam supressão em linfócitos T
efetores através da expressão de PD-1 ligante. A ingestão de neutrófilos mortos
pode carrear bactérias para o interior de macrófagos, ou modular a função de
macrófagos previamente infectados. Este processo de remoção pode ser pró- ou
anti-inflamatório, dependendo de outros estímulos concomitantes. Este é um tema
em aberto no cenário da infecção, e que vem sendo estudado, por exemplo, pelo
grupo da Dra. Patricia Bozza, na Fiocruz do Rio de Janeiro. Outra questão
fundamental, que já foi mencionada neste blog pelo Dr. Edgar Carvalho, são os
fatores genéticos ou ambientais que determinam se os neutrófilos irão ou não
invadir o tecido infectado, e como estes fatores correlacionam com resistência
e suscetibilidade à infecção. O importante é salientar o salto da importância agora
atribuída aos neutrófilos na TB. Um conceito que a imunologia não poderia
prever há pouco tempo atrás. E que abre uma grande variedade de importantes
linhas de pesquisa.
Grande estréia do Prof. 2Reis no SBlogI. Muito bom!
ResponderExcluirÓtimo post George! realmente o papel dos neutrófilos, apoptóticos ou não, na TB é intrigante e um grande campo de investigação.
ResponderExcluirCaro Professor, ótimo post. Bem-vindo.
ResponderExcluirGeorge, sempre um prazer de ler... welcome!
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