Quando a gente chega logo no estrangeiro, a gente cria duas listas. Uma lista do que a gente não gosta, tipo: aqui falta jabuticaba, amigo, cuscuz, pai, mãe, queijo de coalho, praia, cachaça, conversa mole, e sobra distancia no trato, comida pasteurizada, gente fresca, e um frio de cortar osso, etc. A outra lista é a do que a gente gosta, tipo: aqui é seguro, as ruas são limpas, o lab é bom, estou aprendendo muito. A primeira, a do que não se gosta, é enorme no começo. Com o tempo as listas mudam de tamanho. Isso é verdade em São Paulo, Berlim, Paris ou Nova Iorque.
Pra comecar, a não ser que voce trabalhe pra uma instituicao muito rica, o academico voce depende - e muito - do Instituto Nacional de Saude (NIH). O NIH é uma especie de Cnpquezão, mas com um orcamento de 30 bilhões de dolares. A grant mais popular do NIH se chama R01. Ela basicamente é um projeto de pesquisa de 13 paginas. Uma vez pronto voce o envia para o NIH, onde a grant acaba sendo revisada mais em detalhe por 3 pessoas. Se eles te derem um bom score, voce passa para proxima fase, onde ela vai ser discutida por um grupo de 20-30 pessoas, as famosas Study Sections. Geralmente os cientistas levam em consideração a analise dos primeiros revisores, mas aqui e ali acontecem disputas, brigas, etc.
O seu salário como professor vem em parte de grants que voce tem. No meu caso a escola espera que eu traga 90% do meu salário das minhas grants. E o salário das pessoas no meu lab tambem vem dai. O salário e o seguro de saude, seguro dental, etc. Fora isso minhas grants tem que cobrir todos os gastos do meu lab, reagentes, camundongos, hotel de camundongo (sim, cada gaiola com 5 camundongos me custa 75 centavos de dolar por dia, uma pechincha comparado a outros lugares), pagar contrato de manutenção de equipamento, pagar pelo trabalho das unidades de histologia, citometria de fluxo, etc. Ou seja: pra viver como cientista voce tem que convencer as pessoas de que o que voce faz e’ importante. Voce é um empresario que vende ideias, projetos. Para a grande maioria das pessoas na área academica o emprego depende das ideias e da produtividade cientifica. Sem grant voce não tem emprego. Voce dança.
Hoje em dia estamos vivendo cortes em cima de cortes. Apenas uma pequena parcela consegue funding (na maioria dos casos menos de 15% das aplicações submetidas são aprovadas…pensem nisso…85% vai pro lixo). E quando se consegue funding ele vem mutilado, não é incomum ver R01 grants na faixa de $175k por 4 anos. O valor de $250k por ano não tem sido reajustado há decadas, apesar de uma inflacao enorme no custo operacional dos laboratorios.
Existe uma percepção por parte das pessoas no Brasil de que quem está fora tem vida melhor. Não necessariamente. Vejam: os cientistas brasileiros (na sua grande maioria professores universitarios) recebem um salário fixo, que não depende inteiramente de sua produtividade. Não pagam estudantes ou postdocs, não são responsaveis diretos pela situação trabalhista deles. Aqui tem em vantagens? Claro que tem, mas antigamente as vantagens eram maiores. Por exemplo, antigamente demorava 3 meses pruma revista chegar ai, quem morava aqui recebia na mesma semana. Hoje voces sabem do que esta acontecendo na mesma hora que um sujeito aqui. Ter dinheiro pra viajar era outra vantagem daqui. Ainda se viaja muito por aqui , mas hoje a situacao mudou...Antigamente não existia dinheiro pra viagens no Brasil. Hoje é bastante comum encontrar cientistas brasileiros fora, inclusive muitos estudantes. Tenho inveja, não tenho dinheiro pra mandar meus estudantes pra meetings internacionais. Outro engano é pensar que os salários aqui são muito melhores que os salários aí. Salário de cientista, com raras exceções, é pequeno. Aqui e em outros lugares. Na Europa então, dá pena. Se voce quiser ganhar dinheiro desista de ser cientista academico (não sou o primeiro a dizer isso…).
Sinto que algumas vezes existe um sentimento negativo em relação as pessoas que ficaram fora. Acho injusto. Afinal, muitos de nós que ficamos fora não deixamos de ser brasileiros, de amar o Brasil. Treinamos estudantes brasileiros, damos cursos, participamos dos congressos brasileiros, servimos como consultores do governo brasileiro, e ajudamos, muitas vezes pagando com nossas proprias grants, reagentes para nossos colegas. Outros de nós, como Miguel Nicolelis, põem bastante esforco em criar centros aí, o que é uma iniciativa realmente admirável, independente do seu ponto de vista político.
Talvez antes de tudo a gente devesse perguntar se existiria uma forma de treinar as pessoas no que existe de mais avançado e de lhes dar condições ideais de trabalho ao voltar. Somos campeões universais em identificar problemas ou explicar porque as coisas não funcionam direito. Talvez fosse hora de procurarmos soluções. Não nos orgulhamos de ser um povo criativo? Porque não podemos usar essa criatividade para encontrar soluções nessa area? Pra comecar, porque não nos organizamos melhor? As pessoas que eram líderes universitários na minha época, e que interrompiam nossas aulas com palavras de ordem, exigindo melhores condições de ensino, de educação, estão no poder. Essas pessoas devem ser pressionadas pelos estudantes, pelos professores. Precisamos de mais debates, mais cobrança.
Precisamos de investimento maciço em educação, ciencia e tecnologia. Estamos no clube dos chineses no papel, mas ainda não estamos na prática… Consideremos o gasto parametro de publicações na revista Nature. Quando cheguei aqui tinha muito chines de primeiro autor nos papers dos americanos que publicavam ali. Na decada de 90 eles ja pintavam de último autor nos papers, mas estavam em instituições americanas. Hoje a gente já começa a ver chines de primeiro e ultimo autor em universidades ou centros de pesquisa chineses. O proximo passo vai ser ter ocidental de primeiro autor... Não vai demorar muito... Foi igualzinho com o Japão...
Então, vamos aprender com os chineses. Vamos nos concentrar em aumentar a percentagem do PIB em ciencia. Vamos seguir o exemplo de Israel que põe mais de 4% do PIB em ciencia. Vamos melhorar o que já existe, e vamos criar outros institutos de ponta, sem grades nas janelas, sem bode de importação, sem dona Lurdinha.
Grande Sergio. Grandes verdades.
ResponderExcluirAi todo mundo volta mesmo porque os Brasileiros saem do Brasil mas o Brasil nunca sai dos Brasileiros. Ate la, vamos colaborando, trocando, ajudando e tentando...
ResponderExcluirPERFEITO !!!
ResponderExcluirTudo tem sua vantagens e desvantagens, a idéia do grant continua a ser boa e acho que poderia ser aplicada de alguma forma no Brasil
Precisamos diminuir a burocracia e aumentar a organização
Melhor post da história do Blog. Parabéns
ResponderExcluirhttp://delas.ig.com.br/comportamento/ajuda+para+quem+retorna+ao+brasil+depois+de+anos+morando+fora/n1596846174056.html
ResponderExcluirMaravilhoso post, Profº. Muito boa essa noção da realidade científica dos pesquisadores nacionais ou "importados" que nos é passada. Assim ainda quando estudantes, podemos ter a certeza do território de desejamos pisar e caminho que queremos continuar a prosseguir.
ResponderExcluirEi Sergio,
ResponderExcluirmuito bacana o poster. Cheguei no NIH a pouco tempo (1 ano) e estou naquela época de questionar o que devo fazer nos próximos anos que virão. Porque o tempo passa. Rápido.
Abraço
Cris, Camila, Monique e anonimos, muito obrigado pelos comentarios. Bruno, apareça por aqui quando puder pra gente bater um papo.
ResponderExcluirAbraços
Ótima postagem! Não tenho nada a adicionar, apenas que a minha experiência é parecida, mas no presente voltar ao Brasil é suicído de carreira. Voltei em 2010 ao Brasil após 20 anos na Europa e acabei excluído do projeto que escrevi de colaboração entre uma Universidade da Itália e uma Federal no Brasil. A mentalidade atual do aluno de pós-graduação no Brasil é a de nem sair por temor de não conseguir voltar, uma pobreza intelectual a toda prova e muito triste. Parabêns pela lucidez das idéias expostas aqui.
ResponderExcluirhttp://hadriano66.blogspot.com/