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sexta-feira, 29 de abril de 2011

Mais uma razão para não eliminar o sistema imune dos pacientes de câncer



Raramente, durante a correria diária de revisar a literatura, a gente topa com um paper daqueles que tem um jeitão de iniciador de campo novo. Eu li muito rapidamente este paper (Cancer Cell 18, 485–498, November 16, 2010) quando saiu, bem na época do Imunotche, e depois felizmente dei sorte em assistir ao Dean Felsher falando sobre isso em Santa Fe em fevereiro, naquela conferencia de Cancer Control que relatei aqui. Então faz um tempo que estou pensando nisso.


Olha, vale a pena ler, ao menos partes (o paper tem 14 paginas), pois é a inauguração de uma nova linha de pensamento. Que eu acho que já existia, mas agora está invadindo a Cell.


O que a gente estuda e leciona, tradicionalmente, está lá no livro- a presença de células T CD4+ é importante para organizar a resposta anti-tumoral, para ajudar a resposta CD8+, sem célula T CD4+ tem mais tumor, etc. É a história dos 3 Es (equilíbrio, edição, escape).


Contudo, neste artigo – que Felsher diz que levou 10 anos pra escrever (!), pois achava que ninguém da área de câncer ia acreditar– aparece uma função nova para as células T CD4+ no controle do tumor. Elas seriam controladoras da angiogênese tumoral. Veja só, células T helper não precisam ser apenas coordenadoras de resposta imune. Podem desempenhar outros papéis ao mesmo tempo – or help in other ways.


Ele começa falando do conceito de oncogene addiction – algo como o tumor ser viciado num oncogene – são oncogenes que, quando a gente interrompe, o tumor morre – base da terapia com Gleevec pra leucemia, por exemplo. Algo considerado como o calcanhar de Aquiles dos tumores. Até hoje se achava que a morte tumoral associada com oncogene addiction era intrínseca da célula tumoral, não importava onde ela estivesse.


Por outro lado, sabemos que o sistema imune tem função importante na eliminação de tumores, mas será que ele teria algo a ver com oncogene addcition? Normalmente, os estudos de terapias anti-tumorais são feitos em modelos in vitro ou animais imunodeficientes como SCID ou nude.Não se leva em conta a resposta imune, vejam só.


Os resultados de Felsher mostraram que se inativamos MYC num modelo de linfoma T, ou BCR-ABL num modelo de leucemia B, as células tumorais entram em apoptose independentemente do sistema imune. Mas a recorrência do tumor, ou o tempo que leva para o tumor voltar, depende de um sistema imune intacto, particularmente da existência de células T CD4+.

Isso se deve ao fato de as células T CD4+ garantirem a senescência (observada através de marcadores como p16INK4a e p21) e a indução de TSP1 (trombospondina 1), um potente fator anti-angiogênico. As células T CD4+ infiltram o tumor quando há a oncogene inactivation, e modulam o ambiente de citocinas e quimiocinas local, favorecendo a eliminação do tumor.

Na verdade, ele não sabe exatamente como essas células fazem isso, nem se essas células são tumor-específicas. Se são T reg ou que tipo de TH. Se são as células T que fazem TSP. Provavelmente o infiltrado do tumor com e sem inativação de MYC vai ser diferente, mas ele ainda não olhou isso. Ficou pro próximo paper.

Ele conclui frisando algo que vários de nós já intuíam e advogam – que para se avaliar a eficácia de qualquer agente anti-tumoral, não se pode trabalhar só in vitro, ou em SCID mice. Tem que trabalhar com um sistema imune intacto, pois são várias as sutilezas que ainda não conhecemos.
Interessante que Felsher não é imunologista, vc lê o artigo e ele parece simples, testando o crescimento tumoral em nocautes de RAG, de CD4, etc, até tem experimentos que a gente como imunologista nem faria, mas isso apenas mostra o quanto as duas áreas, câncer biology e immunology, não tem crosstalk.


Esse achado devia servir pra lembrar a gente de algo que sabemos, mas não pensamos diariamente – células e moléculas têm múltiplas funções, simultâneas, aparentemente não relacionadas. Mais importante, reforça a necessidade de encontrar terapias anti-cancer que não tenham como efeito colateral a eliminação do sistema imune do paciente.


It is a whole new ball game.


Leiam o paper na integra em Cancer Cell 18, 485–498, November 16, 2010

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