Basicamente dois processos garantem a grande diversidade de imunoglobulinas: hipermutação somática (SHM) e mudança de classe (CSR) - veja mais detalhes no final deste post. Ambos os processos dependem de AID (activation-induced cytidine deaminase), uma enzima que realiza a edição do material genético.
Na edição de março de 2011 da Nature Immunology, Wei et al. mostraram a contribuição direta destes processos para a imunidade de mucosas (ver também comentário de Chen e Cerutti). Os autores utilizaram camundongos knock-in para uma mutação em AID (AIDG23S mice), que acarreta na produção de moléculas AID incapazes de realizar SHM, porém competentes para a geração de hipermutação somática. Animais mutantes (AIDG23S) ou deficientes de AID (Aicda-/-) mostraram que na ausência de SHM há uma ativação excessiva do sistema imune nas Placas de Peyer pela microbiota, resultando em hiperplasia folicular e grande proliferação de bactérias anaeróbicas no intestino. Além disso, a integridade da barreira mucosa foi prejudicada: o intestino AIDG23S é mais susceptível à invasão por bactérias patogênicas e toxinas microbianas. Em conjunto estes dados indicam que o processo de hipermutação somática é importante para controlar a homeostase e a imunidade de mucosa (Figura).
Adicionalmente, Wei et al mostraram que a relação entre diversidade da microbiota e diversidade VDJ não é direta (a completa gama de imunoglobulinas IgA gerada por SHM não depende de uma rica flora intestinal). As hipermutações somáticas diversificaram somente a IgA que se liga à frações aderentes da microbiota; a grande maioria de microrganismos não aderentes é ignorada pelas células B, os quais são reconhecidos por mecanismos de defesa menos específicos. Camundongos AIDG23S liberaram mais IgA que animais WT, porém apresentaram incapacidade de gerar proteção intestinal (houve maior translocação de Yersinia enterocolitica para os linfonodos mesentéricos e maior susceptibilidade ao desafio oral com toxina colérica), indicando que SHM é mais importante que o switch de classe durante a geração de imunidade antígeno-específica no ambiente intestinal. Finalmente, a informação que devemos carregar é que IgA gerada sem processo de hipermutação somática não é uma molécula eficiente nem durante a regulação/manutenção da homeostase intestinal e nem na proteção contra patógenos neste mesmo sítio.
Figure - Lack of SHM impairs mucosal homeostasis and immunity. In wild-type (WT) mice (left), AID-mediated antibody diversification via CSR and SHM generates a diversified mucosal repertoire comprising IgA (green) and, to a lesser extent, IgM (blue), which regulates the composition of the local commensal microbiota. Mice expressing the CSR-competent but SHM-defective mutant AIDG23S molecule (middle) produce normal amounts of unmutated IgA and IgM, which cannot efficiently recognize the intestinal microflora, thereby causing aberrant expansion of and more epithelial adhesion of certain bacterial species. More penetration of these bacteria across the epithelial barrier drives the hyperactivation of mucosal lymphoid follicles, including Peyer’s patches. Similar but more profound abnormalities are present in AID-deficient (Aicda–/–) mice (right), which show profound defects in both CSR and SHM and hence express only unmutated IgM.
Hipermutação somática (SHM): ocorre através da inserção de pontos de mutação em éxons VDJ que codificam a região variável das imunoglobulinas, e assim diversificam a afinidade da molécula por antígenos.
Mudança de classe (CSR): consiste na troca do éxon da cadeia-μ (Cμ) da região constante, relacionado com a geração de IgM, por éxons Cγ, Cα ou Cε, que codificam respectivamente IgG, IgA e IgE – moléculas com novas funções efetoras sem alterações na especificidade.
Post de Fabrine Sales Massafera Tristão, FMRP-USP
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