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segunda-feira, 4 de abril de 2011

PGE2 e a migração celular para o intestino


A produção de ácido retinóico (RA) pelas células dendríticas (DCs) é de fundamental importância para a indução de respostas imunes no intestino. O RA produzido pelas DCs induz a produção e exposição de receptores, tais como o a4b7 e CCR9, em células T e B. Tais linfócitos apresentam assim migração preferencial para a mucosa intestinal. Até aí tudo certo. O que não se sabia antes era o tal do mecanismo que poderia explicar como a produção de RA é regulada durante o desenvolvimento das DCs. Um paper recente publicado no Journal of Experimental Medicine pelo grupo do Vicenzo Cerundolo tenta explorar esta área realizando experimentos elegantes em ambos camundongos e células humanas. Os autores começam o paper mostrando que DCs murinas (definidas nesse contexto como células CD11c+) isoladas de linfonodos mesentáricos apresentam maior expressão da enzima RALDH, que converte retinol em RA, do que as isoladas do baço. Depois eles vão adiante e realizam um sorting de DCs positivas ou negativas para a RALDH. Usando um sistema de co-cultura com células T, os autores mostram que somente as DCs positivas para RALDH conseguem induzir a expressão de CCR9 nas células T. Ainda, eles sugerem que o fator de crescimento GM-CSF é um bom indutor de RALDH nas DCs (fizeram isso para talvez justificar a metodologia da diferenciação in vitro dessas células e manter a coerência com as análises ex-vivo). Durante os experimentos, os autores notaram que na pele, ao contrário do linfonodo mesentérico, há uma expressão muito reduzida de RALDH pelas DCs.

Os caras então ficaram intrigados. O que será que tem na pele que está inibindo relativamente a expressão de RALDH pelas DCs? Bem, a resposta para isso poderia explicar a migração diferencial de linfócitos para estes dois locais. Como abordar isso? Foi aí que eles decidiram cultivar DCs murinas diferenciadas com GM-CSF na presença de sobrenadantes de diferentes linhagens de células estromais (primary mouse skin line, fibroblastos 3T3 e células EL-4). Eles então viram que os sobrenadantes das células da pele e dos fibroblastos foram capazes de inibir a expressão de RALDH pelas DCs. Daí em diante o paper tenta explicar que fator estomal é esse da pele que reduz a capacidade das DCs de produzir RA. E eles tentaram várias coisas. Aqueceram os sobrenadantes até 80oC e nada. Usaram tripsina e nada. Ora pois então não seria algo protéico. Seria lipídico? Não é que era algo inibido pela Indometacina?

A indometacina é um inibidor da cicloxigenase (COX). Ela inibe mais a COX-2, que é a versão induzível, mais freqüentemente em processos inflamatórios (daí o uso de inibidores da COX-2 amplamente realizado na prática medica. Não sabe o que fazer, prescreve aí um anti-inflamatório). A COX-1 é produzida constitutivamente e também é afetada pela Indometacina. O produto mais famoso das COXs é certamente a prostaglandina E2 (PGE2). A PGE2 é um mediador lipídico bem esquizofrênico (o que na verdade parece ser uma regra na família dos eicosanóides...). A coitada já foi apontada como maléfica em diversas doenças inflamatórias, e também a solução para diversas outras patologias também bem inflamatórias. De maneira resumida, a PGE2 causa uma vasodilatação capilar e aumenta assim o fluxo sanguíneo, favorecendo também a migração de células inflamatórias. Em outro contexto, a PGE2 induz uma série de modificações em diversas células do sistema imune. No macrófago, por exemplo, a PGE2 pode reduzir a produção de alguns outros tantos mediadores inflamatórios e induzir apoptose. Neste paper aqui comentado, a PGE2 foi a bola da vez e mostrou-se como o principal fator do estroma de células cutâneas responsável pela inibição de RALDH pelas DCs.

Só que esta história não é tão simples assim (!?). A causa provável da esquizofrenia da PGE2 é que este mediador lipídico tem ao menos 4 receptores descritos (EP1, EP2, EP3, EP4), cada um desempenhando papéis muitas vezes opostos. O próximo passo seria portanto definir se o efeito da PGE2 sobre as DCs envolveria algum receptor e qual. Chegou a hora dos super camundongos KO. E teve um KO pra cada receptor. Assim, ficou bem claro mostrar que, em camundongos, o receptor EP4 seria o dito cujo. Para ser mais “translational”, os autores então foram checar se algo parecido acontecia com DCs humanas. E acharam resultados bem semelhantes. A diferença ficou no receptor de PGE2 envolvido. Em humanos foi o EP2, não perguntem o por que. Agora o paper já tinha uma proposta de mecanismo, não parece? Foi então que um revisor perguntou: “qual o mecanismo do mecanismo?”.

Bem, aí eles foram a diante e mostraram que tanto em camundongos quanto em células humanas, a PGE2 induz a expressão de uma molécula intracelular chamada ICER (Indubible Cyclic AMP Early Repressor). A história de como os autores chegaram na idéia de testar a ICER está no paper para os interessados. Legal foi que eles acharam que a ICER está associada à supressão de RALDH pela PGE2. Essa última parte dos resultados me pareceu um pouco forçosa e a relação causal direta entra PGE2, ICER e RALDH não está totalmente comprovada em razão do tipo de análise realizada pelos autores (no caso, transversal, onde o melhor seria ver os efeitos de maneira temporal – ver figura 7F).

Esses resultados podem direcionar várias possibilidades de idéias a serem testadas:

1. Seria legal testar de a inibição da PGE2 ou do seu receptor EP2 teria algum efeito no contexto da utilização de vacinas cuja via de administração seja oral. Será que haveria maior migração de células T para as mucosas? Será que seria benéfica essa possível maior migração de linfócitos para a mucosa intestinal?

2. Será que a PGE2 poderia ter algum papel nas DCs que resultaria em migração diferenciada de células T para outras mucosas, como a mucosa respiratória?

3. Será que é válido tentar a oferta de PGE2 sintética ou mesmo de agonistas de EP2 para tratar doenças inflamatórias intestinais, ao reduzir a migração de linfócitos T para a mucosa? Será que esses resultados explicam o porque que o tratamento com inibidores de COX-2 serve como adjuvante para alguns tipos de tumores intestinais?

Essas são só algumas questões que surgiram rapidamente depois de eu dar uma leitura dinâmica do artigo. Tenho certeza que vocês teram outras até mais interessantes após uma detalhada análise.

Indicação certa para leitura.

Fonte: Stock A, Booth S, Cerundolo V, 2011. Prostaglandin E2 suppresses the differentiation of retinoic acid-producing dendritic cells in mice and humans. J Exp Med DOI: 10.1084/jem.20101967

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3 comentários:

  1. "A PGE2 é um mediador lipídico bem esquizofrênico (o que na verdade parece ser uma regra na família dos eicosanóides...)"

    Não é bem assim.... elas não são tão vilãs ....

    Adorei o post!!!

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  2. Oi Priscila
    Não quis dizer que elas são vilãs!
    Você assistiu o filme "Uma mente brilhante"? A PGE2 eh como o Nash, um esquizo, mas do bem, como a maioria dos esquizos (me incluo nessa!).

    Um abraço

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  3. Bruno, o mecanismo do mecanismo e' o maximo!
    Vamos ver quanto tempo esse ai fica em pe'....
    Abracos

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