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domingo, 12 de dezembro de 2010

Os imunologistas pensam como em 1968?

Post de Nelson Vaz


“Mostre-me uma área da ciência onde alguém que escreveu algo
 em 1968 acredita exatamente na mesma coisa 40 anos depois, 
e eu lhe mostrarei uma área da ciência que está morta.” 
Paul Ehrlich, The Scientist 24(12)26, 2010.
Eu não diria que há imunologistas que pensam o mesmo que pensavam em 1968. A maioria dos imunologistas, principalmente os brasileiros, não era sequer nascida em 1968. Mas creio que há velhos imunologistas que, exceto por uma riqueza maior de detalhes (genéticos/moleculares/celulares)  ainda pensam a mesma coisa que pensavam 40-50 anos antes. Afinal, a teoria de Seleção Clonal é de 1957, expandida em 1959 (Burnet, 1957; 1959) e ainda recebe aplausos efusivos (Hodgkin, Heath and Baxter, 2007; Hodgkins, 2008), não apenas australianos. A Imunologia está longe de ser uma área morta da ciência, mas me parece evidente que ela está se transformando em outras coisas. Exatamente há um ano, comentei com Cristina Caldas que o progresso atual sobre a “imunidade inata” está novamente transformando a imunologia em imunoquímica, como na primeira metade do século XX - exatamente a tendência que foi rompida pelos experimentos de Medawar e colaboradores sobre linfócitos e alotransplantes, e pela emergência das teorias ditas “seletivas” (Jerne, 1955; Burnet, 1957; Talmage, 1957). Continua difícil inserir a imunologia no organismo e mostrar sua relevância no crescimento, na morfogênese, na alimentação, no envelhecimento, enfim, a imunologia continua sem fisiologia, sem descrever estabilidades dinâmicas; sobrevive como um ramo da patologia. Vou fazer um comentário e uma pergunta.
Um comentário: O que a atividade imunológica (a ativação/diferenciação linfocitárias) faz no organismo deve ser algo delicado e sutil, caso contrário notaríamos irregularidaes graves na vida e  na reprodução de camudongos Rag-/-, que nunca chegam a formar linfócitos. Pensava que estes animais precisariam ser mantidos em ambientes estéreis, como os germfree; mas não, eles crescem e se reproduzem em ambientes SPF, que estão repletos de microorganismos - aqueles  que apelidamos de “comensais”, isto é, que não nos agridem. Pode-se pensar que, sem linfócitos, qualquer infecção se tornaria patogênica: ledo engano. Isto cria perguntas interessantes sobre a natureza das doenças infecciosas. Alguém já pensou que a chamada imunidade anti-infecciosa, não é realmente anti-infecciosa (não evita infeccões), mas sim protege contra doenças infecciosas?
Uma pergunta: Por que a teoria de Seleção Clonal, que omitiu tantos desenvolvimentos importantes na imunologia, e pode ser refutada de muitas maneiras, permanece como eixo central do pensamento imunológico? Em outras palavras: por que o pensamento em imunolgia ainda é clonal,  em vez de sistêmico; episódico, em vez de processual? Por que há tanta dificuldade em definir uma organização para o sistema imune? Sugiro que  Thomas Kuhn estava certo ao dizer que teorias não são destruídas por experimentos que ela é incapaz de explicar: eles são tratados como exceções a serem reslvidas depois. As teorias científicas são deslocadas por uma teoria rival já articulada, com suas novas perguntas e seus novos paradoxos. E a teoria que substituirá a simplicidade da Seleção Clonal é muito mais complicada: não poderá deixar de fora temas da teoria evolutiva, da biologia do desenvolvimento e seu entrelaço com a ecologia. E, acima de tudo, deixará de tratar a atividade imunologica como “cognitiva” (como um reconhecimento, que implica uma memória). Quando vemos a imunidade como “cognitiva”, fazemos perguntas derivadas daquilo que entendemos como “cognição” e isto complica, em vez de simplificar o problema. Assim sendo, a tarefa de sugerir uma nova teoria imunológica é amedrontadora. E no entanto ela se move...
Burnet, F.M. (1957) A modification of Jerne's theory of antibody production using the concept of clonal selection. Austr.J.Sci. 20, 67-69.   
Burnet, F.M. (1959) The Clonal selection theory of acquired immunity. 
University Press, Cambridge.
Hodgkin, P. (2008) The golden anniversary of Burnet's clonal selection theory. 
Immunol Cell Biol 86, 15.   
Hodgkin, P.D., Heath, W.R. and Baxter, I.G. (2007) The clonal selection theory: 50 years since the revolution. Nature Immunology 8, 1019-1027. 
Jerne, N.K. (1955) The natural selection theory of antibody formation. 
Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 41, 849-857.  
Talmage, D.W. (1957) Allergy and immunology. 
An.Rev.Med. 8, 239-256.   

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3 comentários:

  1. www.zwierzak-to-przyjaciel.blog.onet.pl

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  2. nelson, voce e' tao provocador que acho que foi voce mesmo que mandou esse comentario ai de cima ...mas falando serio, bom ver vc aqui...levamos 60 anos desde o velho barbado (metchnikoff) pra chegar no jerne e no burnet....de la pra ca tivemos os tolls os T e DC cell subsets, e agora estamos entrando na compreensao das interacoes microbioma sistema imune. acho que seu desejo de uma nova imunologia e' legitimo. e e'compartilhado por muita gente... o fato e' que estamos mesmo (embora nao pareca) caminhando para a imunofisiologia, prum universo conceitual onde o tempo e o todo serao mais apreciados...
    abracos
    ps. gostei do galileu no final do artigo

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  3. Nelson,
    Seja bem vindo ao SBlogI. Aproveito a oportunidade para comentar alguns aspectos do seu texto. Certamente há um viés estrutural com a descrição de ligantes e receptores da imunidade inata que pode lembrar de alguma forma a imunoquímica. Por outro lado, está cada vez mais evidente que a imunidade inata participa ativamente de processos fisiológicos como a retirada de células senecentes/mortas, o remodelamento tecidual (no desenvolvimento e em organismos adultos), o metabolismo energético, a reprodução, a relação com a microbiota, para citar alguns. Deve-se notar ainda que diversos aspectos celulares, moleculares e funcionais do sistema imune inato estão presentes em seres muito distantes filogeneticamente. Nestes seres a imunidade inata desempenha papéis fisiológicos variados incluindo também a proteção contra infecções. Neste sentido, a idéia de defesa contra infecções e a idéia de que o processo inflamatório sejam inerentes ao conceito de patologia talvez dificultem o entendimento do sistema imune. Em seres multicelulares a relação entre as próprias células constituintes e destas com outros seres (microorganismos e vírus) ocorreu desde o início do processo evolutivo destes seres.
    Em relação as revoluções científicas e mudanças de paradigmas sugiro um texto bem legal. Aqui vai o abstract. “An anomaly in science is an observed fact that is difficult to explain in terms of the existing conceptual framework. Anomalies often point to the inadequacy of the current theory and herald a new one. It is argued here that certain scientific anomalies are recognized as anomalies only after they are given compelling explanations within a new conceptual framework. Before this recognition, the peculiar facts are taken as givens or are ignored in the old framework. Such a "retrorecognition" phenomenon reveals not only a significant feature of the process of scientific discovery but also an important aspect of human psychology.” (LIGHTMAN and GINGERICH, Science 7 February 1992: Vol. 255 no. 5045 pp. 690-695).

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