Na busca por bases etiopatogênicas
de imunodeficência primária, um longo caminho pode ser percorrido, partindo do
diagnóstico clinico até sua associação com alterações moleculares e suas
consequências.
Em 1989 um caso desafiou a
comunidade médico-científica. Tratou-se de uma adolescente que desenvolvia
infecções repetidas por citomegalovírus (CMV) e herpes vírus e esse quadro estava
relacionado à perda de células NK periféricas, bem como de sua atividade
citotóxica. Mais de duas décadas depois (2010), o grupo liderado pelo pesquisador
Steven Holland caracterizou uma nova imunodeficiência primária herdada de
maneira autossômica dominante ou esporádica, chamada MonoMAC, cujas principais
características envolvem a monocitopenia, infecções recorrentes pelo Complexo do
Mycobacterium avium, leucemias,
infecções fúngicas, virais e outras citopenias, como redução no número de células
B e NK. No ano seguinte (2011), esse mesmo grupo associou a síndrome MonoMAC a
mutações no gene do GATA2, um fator
de transcrição importante durante a hematopoiese. Essa família de fatores transcricionais compartilha em sua estrutura proteica duas regiões
que apresentam inserção do íon Zn2+, denominadas zinc fingers, que são responsáveis pela
estabilidade da proteína e por suas interações com o DNA. O fator GATA-2, assim
como a maioria dos fatores de transcrição envolvidos com a hematopoiese, é
extremamente suscetível a mutações. No caso das mutações observadas no gene do GATA2 em pacientes com MonoMAC, essas
alterações se desenvolvem exatamente na região gênica responsável pela
transcrição da estrutura de zinc finger
da proteína, o que altera sua produção ou função.
Na tentativa de entender a redução
de células NK encontrada na adolescente descrita no trabalho de 1989, e sabendo
que ela era portadora da síndrome MonoMAC, associada a mutações no gene do GATA2, um trabalho publicado na Blood em 2013, também pelo grupo de
Steven Holand, levanta a seguinte questão: estariam as mutações no gene do GATA2 diretamente relacionadas com a
redução de células NK em pacientes com MonoMAC?
O trabalho intitulado “Mutations
in GATA2 cause human NK cell deficiency with specif loss of the CD56bright subset” avaliou 8
pacientes diagnosticados com MonoMAC. Inicialmente foi observado que esses
pacientes apresentavam uma população reduzida de células NK, constituída apenas
pelo subtipo CD56dim, com ausência do subtipo CD56bright.
As células NK maduras podem ser divididas em duas populações quanto à expressão
da molécula CD56: aquelas que apresentam alta expressão, denominadas CD56bright,
que exibem intensa atividade imunoreguladora com alta produção de citocinas, e
aquelas com baixa expressão, denominadas CD56dim, caracterizadas
pelo predomínio da atividade citototóxica em relação a produção de citocinas. O
desenvolvimento desses dois subtipos celulares ainda é controverso, uma vez que
o subtipo CD56dim pode ser derivado do CD56bright, ou
ainda pode apresentar desenvolvimento independente. O trabalho demonstrou
também que as mutações no gene do GATA2
foram capazes de alterar além do número das células NK, a sua função, já que as
células obtidas de pacientes com MonoMAC apresentaram redução da atividade
citotóxica e de ADCC quando em contato com seus alvos. No entanto, os pacientes
com mutações em GATA2 não
apresentaram alteração na expressão de marcadores de maturação ou ativação da
célula NK. Com os dados obtidos até o momento concluiu-se que a mutação no gene
do GATA2 foi capaz de alterar o
numero e a função das células NK. Sendo assim, a próxima questão do trabalho
foi identificar se essas células apresentam a proteína GATA-2, já que sua
expressão mais clássica ocorre em células precursoras e não em células maduras.
Observou-se que as células NK maduras são capazes de expressar esse fator de
transcrição, sendo que a subpopulação CD56bright apresentou níveis
proteicos 15 vezes maiores do que a subpopulação CD56dim.
Também foi observado que o GATA-2 é um fator intrínseco requerido para maturação, geração ou sobrevida das células NK, sobretudo do subtipo CD56bright, já que quando as células precursoras obtidas dos pacientes foram submetidas a estímulos in vtiro para diferenciação em células NK, demonstraram-se incapazes de desenvolver a população CD56bright , apresentando também redução no número total de células diferenciadas na cultura. Por fim, o autor também explora a adiministração de IFN-α como uma possibilidade de tratamento para os pacientes com MonoMAC, visto que dois pacientes tratados cronicamente com esta citocina apresentaram aumento do número e/ou da função citotóxica das células NK.
Referências:
Mace et al. Mutations in GATA2 cause human NK cell deficiency with specific loss of the CD56bright subset. BLOOD. v.121, n.14, p.2669-77, 2013.
Biron et al. Severe Herpesvirus Infections in an Adolescent without
Natural Killer Cells. N. Engl J Med. v.320, p.1731- 35, 1989.
Vinh et al. Autosomal dominant and sporadic monocytopenia with
susceptibility to mycobacteria, fungi, papillomaviruses, and
myelodysplasia. Blood. v.115, p.1519-29, 2010.
Hsu et al. Mutations in GATA2 are associated with
the autosomal dominant and sporadic monocytopenia and mycobacterial
infection (MonoMAC) syndrome. Blood. v.118, p.2653-55, 2011
Post
de:
Gisele Aparecida Locachevic e Paulo Henrique Melo
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