BLOG DA SOCIEDADE
BRASILEIRA DE IMUNOLOGIA
Acompanhe-nos:

Translate

domingo, 23 de junho de 2013

Reconsiderações sobre o Sistema Mononuclear Fagocítico



Em 1968, através da análise de incorporação de H3-timidina por células da medula óssea, van Furth e Cohn (aqui) observaram que células mononucleares da medula óssea proliferam e dão origem aos monócitos sanguíneos, que por sua vez são encontrados na cavidade peritoneal após estímulo inflamatório. Estes autores então cunharam o termo “sistema mononuclear fagocítico”, estabelecendo um dogma onde células da medula dão origem aos monócitos, que por sua vez dão origem aos macrófagos encontrados nos tecidos.
Entretanto, com as atuais ferramentas de análise de marcadores de superfície, dependência de fatores de crescimento específicos e transcriptoma, várias evidências tem sugerido que macrófagos residentes constituem uma população celular distinta dos monócitos. Em situações inflamatórias, de fato observa-se que monócitos migram para os diversos tecidos e desempenham suas funções, mas o mesmo parece não ocorrer em situações de homeostasia.
Um grande passo para a compreensão deste paradigma foi dado através do trabalho de Hashimoto e colaboradores, publicado em abril de 2013 na Immunity (aqui). Neste trabalho, os autores lançaram mão de belos experimentos e ferramentas como fate-mapping, parabiose, quimeras, camundongos Cre-FloxP e DTR para demonstrar que as populações de macrófagos residentes são mantidas independentemente de monócitos circulantes e se auto-renovam homeostaticamente durante toda a vida, de forma dependente de M- e GM-CSF.
Primeiramente, foi realizada uma análise de genes diferencialmente expressos pelos precursores mieloides, por monócitos e por macrófagos residentes do pulmão, polpa vermelha, peritônio, micróglia e medula óssea. Então os autores criaram camundongos reporter para estes genes, e esta ferramenta de fate-mapping permitiu o “rastreamento” da expressão destes genes nas diversas populações em situação de homeostasia. Foi observado a expressão diferencial de Mx1, S100a4 e Flt3 pelas populações de precursores mieloides, monócitos e macrófagos residentes. Baseando-se então nesta análise, sugere-se que as populações residentes são independentes de monócitos circulantes.
Para confirmar estes resultados, os autores realizaram o experimento de parabiose, onde dois camundongos congênicos tem seus vasos sanguíneos conectados, permitindo a troca de células e moléculas circulantes entre os indivíduos. A porcentagem de células do doador (CD45.2) nos diversos tecidos do hospedeiro (CD45.1) foi então analisada. Este experimento demonstrou que os monócitos sanguíneos no hospedeiro são de ambas as origens, mas os macrófagos residentes são de origem apenas do hospedeiro, sem apresentar quimerismo. De forma interessante, mesmo após 1 ano de parabiose as populações se mantiveram desta forma.
Complementando estes achados, os autores usaram sistemas de depleção de macrófagos residentes para analisar a contribuição de monócitos circulantes para a manutenção das populações teciduais. Camundongos CD169DTR apresentam significativa redução na população de macrófagos pulmonares e da medula após a administração de toxina diftérica, sendo que estas população são reestabelecida após 16 dias. A transferência de medulas de animais CCR2-/- não impede esse repovoamento, mostrando a independência das células circulantes. O mesmo é observado após depleção de macrófagos pulmonares por infecção com vírus influeza, instilação de Poly (I:C) ou administração de lipossomas de condronato. Novamente temos que monócitos circulantes não contribuem para o repovoamento dos macrófagos teciduais.
Para fechar o trabalho com chave de ouro, os autores então demonstraram que as populações residentes de fato se proliferam nos diferentes tecidos, mostrado em diversos sistemas de depleção e quimeras, através da incorporação de BrdU e marcação com Ki67. Além do mais, a proliferação é dependente de Csf-1 e Csf-2 (M- e GM-CSF), mas independente de citocinas Th2 (já evidenciado previamente aqui) e Flt3L. Conclui-se então que as populações de macrófagos residentes provavelmente se estabelecem na vida fetal e permanecem estáveis ao longo dos anos, se auto-renovando e com mínima contribuição de células circulantes.
Temos em mão agora um novo estudo que pode mudar nosso conceito sobre o sistema mononuclear fagocítico, assim como nossa interpretação de resultados e fenotipagem de macrófagos e monócitos. Considerando a imagem do post, ficam ainda as questões sobre a ontogenia destas células: seriam precursores mieloides que migrariam na vida fetal para povoar os tecidos de macrófagos? Estes precursores seriam do saco vitelino (como a micróglia), ou do fígado fetal? Poderíamos considerar a auto-renovação desta população como um fenômeno “stem-cell-like”? 
Além disso, considerando nossos estudos utilizando modelos de inflamação e infecção: qual a real participação das células inflamatórias infiltrantes e das células residentes na indução da resposta imune ou na patogênese das doenças? Como estas células interagem no início, meio e na resolução da inflamação? E as dendríticas, teríamos populações residentes e infiltrantes fenotipicamente distintas? Muitas perguntas para os próximos capítulos!


Post de Gustavo Fernando da Silva Quirino
Mestrando IBA-FMRP
 

Comente com o Facebook :

3 comentários:

  1. Correção:
    "estas populações são reestabelecidas após 16 dias".

    ResponderExcluir
  2. Parabéns pelo post, Gustavo! Realmente, o artigo traz muitas novidades que nos fazem questionar o conceito que já temos "cravado" na mente quanto a origem/migração/diferenciação dessas células nos tecidos! Esperemos as cenas dos próximos capítulos...

    ResponderExcluir
  3. Assunto muito interessante! Belo post, cara!

    Certamente esses "precursores residentes" são elementos-chave durante o estado de homeostasia e gênese de todas as respostas inflamatórias.

    Será de muita relevância a compreensão dessa "conversa inicial" entre precursores residentes, macrófagos residentes já diferenciados e entre monócitos, que farão parte desse nicho durante a resposta inflamatória/infecciosa.

    ResponderExcluir

©SBI Sociedade Brasileira de Imunologia. Desenvolvido por: