Em
1968, através da análise de incorporação de H3-timidina por células
da medula óssea, van Furth e Cohn (aqui) observaram que células
mononucleares da medula óssea proliferam e dão origem aos monócitos sanguíneos,
que por sua vez são encontrados na cavidade peritoneal após estímulo
inflamatório. Estes autores então cunharam o termo “sistema mononuclear
fagocítico”, estabelecendo um dogma onde células da medula dão origem aos
monócitos, que por sua vez dão origem aos macrófagos encontrados nos tecidos.
Entretanto,
com as atuais ferramentas de análise de marcadores de superfície, dependência
de fatores de crescimento específicos e transcriptoma, várias evidências tem
sugerido que macrófagos residentes constituem uma população celular distinta
dos monócitos. Em situações inflamatórias, de fato observa-se que monócitos
migram para os diversos tecidos e desempenham suas funções, mas o mesmo parece
não ocorrer em situações de homeostasia.
Um
grande passo para a compreensão deste paradigma foi dado através do trabalho de
Hashimoto e colaboradores, publicado em abril de 2013 na Immunity (aqui). Neste trabalho, os autores
lançaram mão de belos experimentos e ferramentas como fate-mapping, parabiose, quimeras, camundongos Cre-FloxP e DTR para
demonstrar que as populações de macrófagos residentes são mantidas independentemente
de monócitos circulantes e se auto-renovam homeostaticamente durante toda a
vida, de forma dependente de M- e GM-CSF.
Primeiramente,
foi realizada uma análise de genes diferencialmente expressos pelos precursores
mieloides, por monócitos e por macrófagos residentes do pulmão, polpa vermelha,
peritônio, micróglia e medula óssea. Então os autores criaram camundongos reporter para estes genes, e esta
ferramenta de fate-mapping permitiu o
“rastreamento” da expressão destes genes nas diversas populações em situação de
homeostasia. Foi observado a expressão diferencial de Mx1, S100a4 e Flt3 pelas
populações de precursores mieloides, monócitos e macrófagos residentes.
Baseando-se então nesta análise, sugere-se que as populações residentes são
independentes de monócitos circulantes.
Para
confirmar estes resultados, os autores realizaram o experimento de parabiose,
onde dois camundongos congênicos tem seus vasos sanguíneos conectados,
permitindo a troca de células e moléculas circulantes entre os indivíduos. A
porcentagem de células do doador (CD45.2) nos diversos tecidos do hospedeiro
(CD45.1) foi então analisada. Este experimento demonstrou que os monócitos
sanguíneos no hospedeiro são de ambas as origens, mas os macrófagos residentes
são de origem apenas do hospedeiro, sem apresentar quimerismo. De forma
interessante, mesmo após 1 ano de parabiose as populações se mantiveram desta
forma.
Complementando
estes achados, os autores usaram sistemas de depleção de macrófagos residentes
para analisar a contribuição de monócitos circulantes para a manutenção das
populações teciduais. Camundongos CD169DTR apresentam significativa
redução na população de macrófagos pulmonares e da medula após a administração de
toxina diftérica, sendo que estas população são reestabelecida após 16 dias. A
transferência de medulas de animais CCR2-/- não impede esse
repovoamento, mostrando a independência das células circulantes. O mesmo é
observado após depleção de macrófagos pulmonares por infecção com vírus
influeza, instilação de Poly (I:C) ou administração de lipossomas de
condronato. Novamente temos que monócitos circulantes não contribuem para o
repovoamento dos macrófagos teciduais.
Para
fechar o trabalho com chave de ouro, os autores então demonstraram que as
populações residentes de fato se proliferam nos diferentes tecidos, mostrado em
diversos sistemas de depleção e quimeras, através da incorporação de BrdU e
marcação com Ki67. Além do mais, a proliferação é dependente de Csf-1 e Csf-2
(M- e GM-CSF), mas independente de citocinas Th2 (já evidenciado previamente aqui) e Flt3L. Conclui-se então que
as populações de macrófagos residentes provavelmente se estabelecem na vida
fetal e permanecem estáveis ao longo dos anos, se auto-renovando e com mínima
contribuição de células circulantes.
Temos
em mão agora um novo estudo que pode mudar nosso conceito sobre o sistema
mononuclear fagocítico, assim como nossa interpretação de resultados e
fenotipagem de macrófagos e monócitos. Considerando a imagem do post, ficam
ainda as questões sobre a ontogenia destas células: seriam precursores mieloides
que migrariam na vida fetal para povoar os tecidos de macrófagos? Estes
precursores seriam do saco vitelino (como a micróglia), ou do fígado fetal?
Poderíamos considerar a auto-renovação desta população como um fenômeno
“stem-cell-like”?
Além
disso, considerando nossos estudos utilizando modelos de inflamação e infecção:
qual a real participação das células inflamatórias infiltrantes e das células
residentes na indução da resposta imune ou na patogênese das doenças? Como
estas células interagem no início, meio e na resolução da inflamação? E as
dendríticas, teríamos populações residentes e infiltrantes fenotipicamente
distintas? Muitas perguntas para os próximos capítulos!
Post de Gustavo
Fernando da Silva Quirino
Mestrando
IBA-FMRP
Correção:
ResponderExcluir"estas populações são reestabelecidas após 16 dias".
Parabéns pelo post, Gustavo! Realmente, o artigo traz muitas novidades que nos fazem questionar o conceito que já temos "cravado" na mente quanto a origem/migração/diferenciação dessas células nos tecidos! Esperemos as cenas dos próximos capítulos...
ResponderExcluirAssunto muito interessante! Belo post, cara!
ResponderExcluirCertamente esses "precursores residentes" são elementos-chave durante o estado de homeostasia e gênese de todas as respostas inflamatórias.
Será de muita relevância a compreensão dessa "conversa inicial" entre precursores residentes, macrófagos residentes já diferenciados e entre monócitos, que farão parte desse nicho durante a resposta inflamatória/infecciosa.