Os BCRs (receptores
de célula B) são quase idênticos entre pacientes portadores de leucemia
linfocítica crônica (LLC), o que levou à suposição de que um antígeno exógeno
desconhecido fosse a causa da doença.
Um trabalho recente publicado
pelo grupo do Dr. Hassan Jumaa da Universidade de Freiburg, Alemanha,
investigou este problema. O grupo do Dr. Hassan Jumaa vem fazendo importantes
contribuições na biologia molecular da ontogenia de células B e na patogênese
de leucemias. No presente trabalho, os resultados surpreendentes mostraram que
os BCRs encontrados na LLC são na realidade, intrarreativos, isto é, o antígeno reconhecido pelo BCR é um epítopo da
região invariante (“framework”) deste mesmo BCR.
(Dühren-von Minden M, Übelhart R, Schneider D, Wossning
T, Bach MP, Buchner M, Hofmann D, Surova E, Follo M, Köhler F, Wardemann H,
Zirlik K, Veelken H, Jumaa H. Chronic lymphocytic leukaemia is driven by
antigen-independent cell-autonomous signalling. Nature. 2012; 489: 309-312).
Dr. Hassan Jumaa,
Universidade de Freiburg
Jumaa e cols.
mostraram que os BCRs de portadores de LLC apresentavam comportamento de
sinalização autônoma, induzindo mobilização de Cálcio contínua, e na ausência
de “crosslinking” externo. BCRs normais ou derivados de outras doenças, como
linfomas e mieloma múltiplo, não apresentaram este comportamento. Em seguida,
os pesquisadores transplantaram o segmento “H” de CDR3 (HCDR3) dos BCRs de LLC
para BCRs normais, e estes passaram a induzir sinalização autônoma de Cálcio.
Como a sinalização podia ser medida em células isoladas, os pesquisadores
desconfiaram que o antígeno-alvo não era um autoantígeno exógeno de superfície
celular, e que talvez estivesse expresso no próprio BCR.
Um estudo recente
havia mostrado que um peptídeo isolado de uma biblioteca de fagos era capaz de
se ligar às células de pacientes de LLC de uma forma dependente de HCDR3 (Binder
M et al. B-cell receptor epitope recognition correlates with the
clinical course of chronic lymphocytic leukemia. Cancer. 2011; 117:1891-1900). Jumaa e cols então
encontraram nas sequências de BCRs de LLC um segmento de aminoácido que tinha homologia
com o peptídeo do fago. Este segmento era altamente conservado e localizado na
região “framework” 2 (FR2) da cadeia H.
Os autores
confirmaram que este segmento peptídico FR2 era o alvo da região CDR3 da
própria molécula. Mutações neste segmento FR2 aboliram, tanto a ligação do BCR
secretado nas próprias células, como a capacidade de mobilizar Cálcio
espontâneamente. Como controle, estes mutantes continuaram a mobilizar Cálcio
normalmente, quando reagiam com um segundo anticorpo. Os pesquisadores ainda
mostraram que a mobilização de Cálcio era dependente da tirosina quinase SYK, e
que a ativação de SYK também levava à indução de MYC e XIAP, que são produtos
proteicos críticos para a sobrevivência das células leucêmicas.
Figura 1. Mobilização
de Cálcio em células recipientes TKO transfectadas (contendo SLP65 recombinante
responsiva ao Tamoxifeno). Esquerda, transfectada com BCR de LLC (M-CLL1), ou
ainda transfectadas com BCR de Mieloma Múltiplo (MM1), ou com BCR de Linfoma de
Zona do Manto (MZL1). Somente os BCRs de LLC induziram mobilização espontânea
de Cálcio. Direita, célula TKO transfectada com um BCR qualquer, de um
indivíduo saudável (BCR53), mas que foi “transplantado” com a região HCDR3 de
leucemia linfocítica. Observar que este BCR passou a mobilizar Cálcio
espontaneamente. As setas apenas indicam a adição de Tamoxifeno para induzir a
inserção de SLP65 na membrana.
Os resultados apontam
para o provável mecanismo patogênico da leucemia linfocítica. Um BCR
intrarreativo contra um epítopo da região conservada FR2 faz com que moléculas de Ig interajam lateralmente umas
com as outras na membrana, na ausência de antígenos convencionais, criando um
“crosslinking” espontâneo (Como se os BCRs fossem as mãos da Figura 2, mas
lembrando que cada BCR, na forma inserida na membrana, tem duas “mãos”), e levando à sinalização celular. A
sinalização dos BCRs leva à ativação crônica de SYK e à expressão de proteínas
anti-apoptóticas dependentes de NF-kB, como MYC e XIAP, que estão na origem da proliferação
celular exacerbada. Estes resultados sugerem que a utilização de peptídeos
homólogos à região FR2 poderia inibir esta sinalização e se constituir numa
nova terapia contra a leucemia linfocítica.
Figura 2. “Hands inking hands”, desenho de Larry Russwurm
(larryrusswurm.com) sobre o famoso desenho “Drawing hands” de Escher.
Post de George A. DosReis
Parabéns pelo post!
ResponderExcluirQuando li, logo me veio em mente autoimunidade. Apesar de já conhecermos os autoantígenos de muitas doenças autoimune, será que, para algumas delas (de autoantígenos desconhecidos), pode ocorrer a expansão de clones intrarreativos?? Será que algumas infecções virais poderiam causar mutações em CDRs de TCR/BCR e levarem ao desenvolvimento desses clones?
Muito interessante!!
Kalil, estes clones devem ser extremamente raros no repertório, mas eles tem uma vantagem seletiva seletiva intrinseca, que deveria torná-los dominantes no sistema imune, o que normalmente não acontece. Certamente, uma outra alteração permite que eles sejam mantidos em condições patológicas. Será interessante investigar as suas perguntas.
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