BLOG DA SOCIEDADE
BRASILEIRA DE IMUNOLOGIA
Acompanhe-nos:

Translate

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Um mundo só


Uma das melhores coisas do mundo é uma conversa em torno da mesa com amigos queridos. Hoje passei a tarde preparando um jantar pros meus amigos Juan e Maria Lafaille, e Adriana, filha deles. Uma costela de porco (baby back ribs), um arroz basmati com fava e endro (dill) e um purê de batata doce. Juan certamente trará umas mil garrafas de Malbec e conversaremos até de madrugada. Isso é um ritual que temos há algum tempo e espero que continuemos o resto da vida.


Quando cheguei na California não sabia cozinhar nada. Fui criado no nordeste do Brasil, onde quando não era a empregada era minha mãe quem tomava conta da estória. Minha companheira na época também não cozinhava nada. Comíamos ravioli enlatado. Sério. Até que um dia conheci um postdoc escocês que nos convidou pra jantar em sua casa. Pra nossa surpresa fez um jantar maravilhoso. Comida indiana. Rapaz, fiquei muito intrigado. Sempre achei que o prato nacional escocês fosse o Johnnie Walker.


E como é então que de repente me vinha esse sujeito cozinhando aquele arroz do outro mundo, com uns temperos das outras esferas? Muito simples: ele tinha um livro. Então era simples assim… Comprava o livro, comprava os ingredientes na lojas indianas e seguia-se a receita... Feito no laboratório. Eu tambem nunca tinha cortado DNA antes, não sabia crescer um plasmídeo. Mas tinha o livro, o Maniatis. Comecei a me aplicar na matéria e comecei a gostar do resultado. De repente vi que além de fazer Southern blot, podia também cozinhar. Depois de uma ou outra tentativa errada o negócio engrenava, e depois de um certo tempo já podia improvisar.


Nessa época comecei a pensar sobre como são parecidos o mundo da ciência e o mundo da cozinha. Tanto um bom jantar como um bom experimento exigem planejamento, bons ingredientes. Uma boa noção de timing. No começo você segue o protocolo, e com o tempo voce optimiza. Hoje suspeito que um sujeito que é bom na cozinha é bom na bancada, e vice-versa. Pensei até em entrevistar candidato a postdoc na beira do fogão. E sempre pergunto nas entrevistas se o candidato se interessa por cozinha.


Existem, claro, muitas exceções a regra… Tem gente que é boa no lab mas não se interessa por cozinha. E vice-versa. Existe gente que se interessa pelo produto da cozinha, não pelo feitio. E existe gente como meu postdoc Gerold Bongers, que é bom no lab, é bom na cozinha, mas não dá muita bola pra comida… Mas benzodeus, não é culpa dele não. Ele é holandês. A melhor comida da Holanda vem da Indonésia. Falar em holandês, a Holanda hoje em dia é centro avançado de estudos para geração de carne em laboratório. Isso mesmo, produção de carne via células tronco. Quem sabe dentro de um futuro bem próximo estaremos comendo uma boa picanha produzida no laboratório.


A primeira vez que ouvi falar em comida no ambiente acadêmico foi na escola de medicina. Tive um professor de patologia pra lá de heterodoxo chamado Aluizio Bezerra Coutinho. Essa inesquecível figura gostava de dar aula de qualquer assunto inclusive patologia. Um dia, depois de falar dos yahoos das Aventuras de Gulliver, embrenhou por uma receita de cuscuz marroquino e falou longamente depois de um carneiro com menta. Mas parecia ser mais uma aventura intelectual, não conseguia ver Aluizio cozinhando… Médico ou cientista com interesse por cozinha tem no mundo todo. Tenho muitos amigos com esses interesses. Por exemplo, sou amigo de um bruxo mineiro chamado Mauro Teixeira, que me fez rodar por New Jersey atrás de um mercado asiático para comprar um polvilho vietnamita, essencial pra fazer um pão de queijo das arabias (digo das Valadares). E conheço imunologista que cozinha de fato dentro do laboratório. Já falei sobre o meu amigo querido, o professor Bozza, que improvisou um pasta com camarão e um ensopadinho de língua ao bico de Bunsen numa defesa de tese. Isso sim é o que eu chamo de gastronomia molecular… Mas eu não estou brincando não.


Gastronomia molecular é um termo que se pôs numa série de experimentações feitas por grandes cozinheiros modernos, entre eles Ferran Adriá, um espanhol. O termo hoje entrou em desuso, porque afinal de contas toda gastronomia envolve moléculas. Hoje esse conjunto de experimentações é conhecido como cozinha modernista. E o que diabo vem ser isso afinal? Esse pessoal descobriu que existe mais coisas entre o quiabo e sua boca do que supõe a vã filosofia. E como é que eles descobriram? Experimentando... Por exemplo, eles estão o tempo todo experimentando novas texturas, novas combinações de sabores. Fazendo experimentos, como nós fazemos. Eles tem laboratórios, usam princípios da física e da química, da bioquímica. Sacam de microbiologia. Na bíblia da cozinha modernista, que acaba de ser lancada aqui, tem um capítulo inteiro dedicado aos micróbios. Isso porque como todos já sabemos, os micróbios são o tal. Na história da comida temos uma relação muito proxima com os micróbios … Pensem em yogurt, cerveja, queijos, etc. E tem também o fato de que micróbio do mal deixar você muito enfermo. Está aí a nova E. coli que não me deixa mentir… Esses (os do mal) causam preocupação grande do pessoal modernista, uma vez que uma das grandes técnicas deles consiste em cozinhar “sous vide”, ou seja, no vácuo, por longos periodos de tempo. Mais ou menos assim: põe-se a parte predileta do bicho X em uma bolsa, extrai-se o ar e põe-se a tal num banho-maria. Numa temperatura bem baixa por várias horas. A temperatura é rigorosamente controlada. Cientificamente. Isso ajuda a produção dos manjares eternos. Aliás, isso faz muito sentido. O nosso termômetro, quando aplicado a cozinha evita o bife-sola e os unidos venceremos (nesse ponto confio mais no termômetro do que no instinto…). Tudo tem sua técnica… Por exemplo, as baby ribs lá de cima, que faço a 175ºC por 6 horas, na mão deles cozinha por três dias, é imersa em nitrogênio líquido e deep-fried. Diz que fica muito bom. Se você quiser saber mais sobre esse novo e fascinante mundo dê uma olhada aqui. As fotografias são incriveis.


Outra coisa que nos une - cozinheiros cientistas e cientistas cozinheiros - é a apresentação dos resultados. Pense nisso. O idealizado depois de refogado vai ser posto a prova da platéia e vai ter de enfrentar os diferentes pontos de vista. Vai ter o entusiasta, o desconfiado (maioria que se disfarça com um sorriso polido), e o sujeito que pode ter até uma reação anafilática.


E, pra terminar, uma observação… O mais simples dá melhor resultado. Verdade também no lab… Muita coisa boa se faz com ingredientes simples, e dá resultados memoráveis... Exemplo: o cabrito assado com feijão verde da minha mãe. Ou então uma moqueca de peixe na beira da praia em Picinguaba. Uma vez, Pepe, Regina, Glaucia e eu, estávamos voltando de um meeting de imunologia e eu tinha que pegar o avião. Bateu a fome. Resolvemos parar em Picinguaba. Pepe disse que tinha um restaurante. Tava fechado. Batemos na porta, choramos, e a dona disse que ia fazer um prato pra gente sim. Mandou a gente tomar um banho de mar, pegou o peixe mais fresco e mandou ver. Rapaz, aquilo foi um negócio memorável…. Muito chef bambamban aqui jamais vai fazer um “Nature” paper igual aquele…. O recibo tá aqui de prova.



Comente com o Facebook :

13 comentários:

  1. Sérgio, as palestras de ciência/culinária em Harvard são super populares... formam-se longas filas para assistir a famosos chefes de cozinha demonstrando inovações culinárias que desenvolveram, várias com ajuda da ciência. Aí vai o link para os vídeos: http://www.youtube.com/user/Harvard#g/c/546CD09EA2399DAB

    ResponderExcluir
  2. Tive o privilégio, na última copa do mundo, de experimentar a baby back ribs preparada pelo Sergio na casa do Juan e é sensacional. Tentei repetir a receita mas não consegui... Sergio, voce está intimado a prepará-las na minha casa em Curitiba! Um forte abraço,
    Samuel

    ResponderExcluir
  3. Ainda nao pude comprovar a existência desses baby ribs...

    ResponderExcluir
  4. Bom dia Sérgio e pessoal
    Como sou um apreciador de comida, e a minha forma não nega ("cintura de laranja"), me atrevo a sugerir um prato que acho muito saboroso e fácil de fazer, embora "engordativo".
    1 Kg de costela de vaca do tipo gaúcha;
    1 colher das de sopa de sal grosso;
    Saco de papel celofane próprio para forno.
    Preparo: espalhe o sal sobre a costela e só. Coloque-a dentro do saco de celofane, lacre. Faça alguns pequenos furos para a saída de vapores. Leve ao forno pré-aquecido (200 C), em média 1 hora e meia de forno para cada 1 Kg de costela. Abra o celofane e retire a gordura que escorreu. Deixe mais o tempo necessário para corar. Acredito que a costela de porco também fique sensacional, vou fazer e depois eu conto.
    Abs, Álvaro

    ResponderExcluir
  5. Cris, gostei muito do programa, muito obrigado pelo link!!

    Samuel, rapaz, que bom escutar...Olha, estou lhe devendo essa visita sim, e prometo que se for lhe ver a gente vai juntar forcas ai na cozinha. Sei que voce e' aficionado por cozinha e por gastronomia. Grande abraco pra voce!

    Gabriel, nice try...Talvez a gente deva pensar num churrasco antes de voce migrar pro norte. Se voce abater o urso (aquele do post), avise, a gente pode pensar numa receita...abracao!

    Alvaro,obrigado pelo protocolo... Na verdade, seu protocol nao e' muito diferente do meu...Eu salgo, pincelo com azeite, alho, alecrim fresco, enrolo bem enrolado em papel aluminio e ponho no forno por 6 horas a 175C. Depois abro os "pacotes" retiro o excesso de liquido. e pincelo cada pacote com molhos diferentes (tenho usado o barbecue sauce e outros molhos aqui). Meia hora mais e sirvo. A essa altura do campeonato estara tenro de comer de colher. Muitissimo proveito!

    ResponderExcluir
  6. Então professor, eu tambem cheguei da California sem saber cozinhar. Na verdade, cheguei de BH sem saber, de SP sem saber, de Portugal (!) sem saber. Ja tive uma chance em 2004 NY e também sai sem cozinhar, sera que é a minha chance agora (desde que não seja baby ribs)?

    ResponderExcluir
  7. Digo, de aprender a crescer um plasmideo... ;-)

    ResponderExcluir
  8. daniel, voce é craque, deixe de estória...onde é que a gente ve o jogo nesse fim de semana? abração

    ResponderExcluir
  9. Infelizmente (bem, nao tao infelizmente assim), estarei no Midnight in Paris (ou SMI). Afinal, 4 de Julho em Paris e 14 de Julho de Julho em NY é o que há!

    ResponderExcluir
  10. Caros Amigos,
    estarei pelas bandas novaiorquinas de 16 a 18 ou 19 de Julho. Voces estao convocados a um encontro com polvo, costela ou quem sabe uma perna de carneiro, vinho tinto e agua. Local a ser definido por voces. Trago comigo assuntos importantes para tratar com voces (com o Dan, Ruslan e cia) sobre a nova Pos em Imunologia e Inflamacao. Sergio essa foto em condicoes duvidosas de biosseguraca agora faz parte do passado. O lab novo tem uma cozinha.
    abraços
    Marcelo

    ResponderExcluir
  11. Faremos uma feijoada para marcar a efemeride!!!!

    ResponderExcluir
  12. Eu sou fã do Sérgio, então elogiar o post é muito obvio. Post muito gostoso de ler. Ciencia e cozinha tem tudo a ver. Comecei ha duas semanas a estagiar numa cozinha nova, quero dizer, lab novo. Experimentei do maravilhosoooo baby back ribs pelas bandas de cá. No lab novo, ainda to pegando o jeito, achando onde se guarda as panelas e como usar das novas receitas. Mas assim como na minha casa no Nordeste (PE), acho que quem tem intimidade para abrir a geladeira sozinho ja é de casa, dessa forma, já me sinto em casa no novo lab.

    ResponderExcluir
  13. Grande sergio,

    bom comeco de domingo este meu. E acho que to com fome. Vou ali fazer um pao de queijo. pena que nao tem este negocio de mar aqui perto... Peixinho grelhado, caipirinha... Acho que vou sair de ferias!!!

    Grande Abraco,

    Mauro

    ResponderExcluir

©SBI Sociedade Brasileira de Imunologia. Desenvolvido por: