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quarta-feira, 29 de junho de 2011

Golgi: Um gigante da Medicina do século XIX



A biografia de um acadêmico de medicina é uma obra que parece florescer apenas esporadicamente. Houve um período em que essas biografias estavam fora de moda, mas recentemente parece ter havido um renascimento com o sucesso da revista Journal of Medical Biography, que demonstra um particular interesse neste campo.

As edições do JMB são trimestrais e focalizam a vida de pessoas relacionadas à medicina, aquelas consideradas lendárias, bem como de outras menos conhecidas. A revista inclui pesquisas originais sobre figuras da história e suas aflições, proporcionando assim, uma perspectiva interessante, o que pode levar a uma maior compreensão sobre cada indivíduo. Foi nesse cenário inspirante que Ruth Richardson publicou um comentário na LANCET sobre a biografia de Golgi, escrita pelo italiano Paulo Mazzarello.

Camillo Golgi (1843-1926) foi um dos gigantes da medicina do século XIX e é curioso que tenha levado tanto tempo para uma biografia autorizada ser escrita. No livro Golgi: A Biography of the Founder of Modern Neuroscience, Paulo Mazzarello revela o caráter do homem desde seus primeiros dias como um estudante de medicina, o inebriante dia da descoberta, a fama crescente, até o apogeu da sua carreira profissional, o qual foi celebrado como uma figura internacional científica e o Prêmio Nobel.

Embora exista um grande interesse em investigar a vida extraodinária de Golgi, sua fama reside nas explorações em neuroanatomia, como Mazzarello descreve: “Ele desenvolveu a mancha de Golgi (a reação negra que permitiu aos cientistas visualizarem os neurônios individualmente), caracterizou vários tipos de neurônios, analisou em detalhe diversas regiões do sistema nervoso e destes fez belas ilustrações. O laboratório de Golgi tornou-se um centro de referência em pesquisa, era um local onde cientistas estrangeiros estagiavam e onde alguns de seus alunos passaram a fazer importantes descobertas. Suas investigações alavancaram nosso conhecimento sobre a organização estrutural do sistema nervoso e desempenhou um papel essencial na fundação da neurociência moderna. Para nós, imunologistas, ficaram outras grandes contribuições, como a descoberta e o funcionamento do aparelho (complexo) de Golgi, as primeiras transfusões de sangue e a relação do parasita da malária com a febre.

Golgi seguiu seu pai em medicina e logo foi cativado pela tradição da escola médica que, historicamente, era focada em anatomia de observação detalhada. Posteriormente, os dias de Golgi como aluno foram divididos entre seu descontentamento com as aulas práticas e teóricas em anatomia e com o campo da microbiologia. Seu descontentamento estava intimimamente ligado a uma curiosidade muito grande em ver uma estrutura do que simplesmente acreditar na sua existência. Foi isso, mais do que qualquer outra característica, que lhe causou sofrimento mais tarde, quando o mais insistente dos cientistas, o espanhol Ramon Cajal postulou que nada podia ser visto com a reação negra de Golgi, muito menos distinguir células nervosas. Mas esta visão certamente foi um equívoco. Houve uma grande quantidade de experimentação na segunda metade do século XIX para visualizar tecidos e microorganismos não descobertos através de misturas meticulosas entre produtos químicos e corantes.

Em seu livro, Mazzarello reproduz uma fotografia de Golgi olhando seu trabalho no final da vida. Ele está em seu habitat natural: sentado em sua mesa de trabalho, mão no microscópio, cercado por uma floresta de garrafas com rolhas. Golgi estava bem ciente do significado da sua descoberta: a mancha revelou a complexa morfologia das estruturas nervosas pela primeira vez.
Mesmo com uma vida bem sucedida, na medida em que começa o otimismo inebriante da juventude, o pico da realização e a consolidação de um projeto de vida, geralmente aparecem as tristezas e, enfim, vem o declínio e a morte. Mas em sua morte, Golgi sabia que havia se realizado na vida por ter feito algo de que se orgulhar!

Richardson, R. Lancet, Vol 377 February 12, 2011

Post de Vanessa Carregaro (Pós-doutoranda FMRP-USP)

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