Inicio minha contribuição para o blog falando de um artigo que saiu no jornal Immunity essa semana. O trabalho veio do laboratório do Dr. Bali Pulendran da Emory University e foi conduzido pelo pós-doutor Jason Oh. Como participei deste trabalho, é uma alegria e um prazer contar como surgiram e o que foram os achados do artigo.
Em 2011, publicamos um artigo sobre como a biologia de sistema poderia ser usada para entender e prever a imunidade induzida pela vacina da gripe. Procurávamos por assinaturas gênicas capazes de prever a resposta de anticorpo induzida por esta vacina. Em uma dessas assinaturas, descobri que a expressão do gene TLR5 no dia 3 depois da vacinação estava diretamente correlacionada com o aumento de anticorpo no sangue das pessoas vacinadas. Ou seja, pessoas que possuíam a maior expressão de TLR5 durante a primeira semana após a vacinação eram as que teriam os maiores níveis de anticorpos um mês depois. E isso não fez nenhum sentido para nós! Afinal, a vacina que estávamos estudando era composta por uma proteína (HA) do vírus da gripe e o ligante natural do receptor TLR5 é um componente bacteriano (flagelina). Por que uma vacina feita contra um vírus estaria relacionada com um receptor que reconhece bactérias?
Sempre acreditamos que um dos objetivos mais importantes da "Vacinologia de Sistemas" é a geração de novas hipóteses e insights que podem ser estudados e validados na bancada. Procurando na literatura, vi artigos onde pesquisadores usavam flagelina como adjuvante para a vacina da gripe e que isso melhorava a resposta imune em camundongos e humanos. Então já havia a evidência de que TLR5 poderia ser importante para um resposta imune contra a vacina da gripe mas ninguém ainda sabia como essa "ajuda" acontecia naturalmente.
O laboratório do Dr. Pulendran possui diversas linhagens de camundongos nocautes, dentre elas, o nocaute para TLR5. O primeiro experimento que planejamos foi ver o que acontecia quando se imunizava um camundongo nocaute para TLR5 com a vacina da gripe humana. Quando fizemos isso, vimos que de fato a resposta de anticorpo nesses nocautes era menor que as de um camundongo selvagem. Então da onde estava vindo o ligante para TLR5?
A primeira suspeita foi que haviam contaminantes na vacina comercial de gripe que poderiam se ligar a TLR5. Para fazer esse teste, usamos inicialmente células HEK293T que possuíam um sistema repórter de GFP que era ativado por um TLR. Existiam no laboratório sistemas independentes para cada TLR humano. Ou seja, adicionamos a vacina em vários poços e em cada poço havia células expressando apenas um dos TLRs. Se houvesse ligação, seria detectado o gene repórter. Com esses experimentos vimos que de fato não haviam contaminantes nas vacinas de gripe comercial que poderiam se ligar a TLR5.
Então de onde estava vindo o ligante para TLR5?
Minha hipótese era de que mesmo em pessoas saudáveis, há um constante e muito pequeno vazamento de bactérias comensais do intestino para a corrente sanguínea. Porém, as células do sistema imune não "percebem" a presença desses componentes bacterianos que vieram do vazamento por justamente não possuir os receptores para isso. A vacina da gripe poderia elevar os níveis de TLR5 e aí sim as células poderiam reconhecer esse nível basal de "vazamento" e auxiliar na resposta imune. O Jason, o primeiro autor do artigo, possuía uma hipótese alternativa: a vacina da gripe faria com que as células do sistema imune no sangue expressassem TLR5 e então elas migrariam para o intestino onde seriam estimuladas pela flagelina. Qualquer uma das hipóteses envolvia as bactérias comensais.
Então como testar se elas eram importantes para melhorar a resposta de anticorpo? Tratando os camundongos com antibiótico e olhando a resposta de anticorpos após a imunização. Fazendo isso, ou seja, diminuindo a quantidade de bactérias comensais no organismo, vimos que os níveis de anticorpos também diminuíam. Neste momento, a história se mostrou tão interessante que não caberia mais como parte do nosso trabalho da gripe. E foi aí que o Jason assumiu de forma magnífica todos os experimentos que foram para o artigo. Ele não apenas repetiu nossas observações iniciais como incluiu diversas outras formas de mostrar que as bactérias comensais eram importantes para uma boa resposta imune induzida pela vacina da gripe. Jason e colegas usaram camundongos livres de germe, testaram diferentes combinações de antibióticos (para determinar as classes de bactérias mais relevantes), buscaram quais tipos celulares expressavam TLR5, analisou o papel de células dendríticas, macrófagos e células B e estudou inclusive o possível papel da microbiota para outras vacinas. No momento, o grupo da Emory University está tentando vacinar pessoas tratadas ou não com antibióticos para ver se os resultados se repetem em humanos.
Com esse trabalho foi mostrado um importante papel da microbiota na resposta imune induzida pela vacinação. Os achados podem ter diversas implicações que vão desde dieta e nutrição até o uso de antibióticos e doenças metabólicas em pessoas vacinadas. O trabalho também fornece um bom exemplo de como novas hipóteses podem ser levantadas pela vacinologia de sistemas.
Quem for ao congresso de imunologia em Búzios poderá ver em primeira mão a palestra do Dr. Pulendran que irá tratar dessa história e outras.
Em 2011, publicamos um artigo sobre como a biologia de sistema poderia ser usada para entender e prever a imunidade induzida pela vacina da gripe. Procurávamos por assinaturas gênicas capazes de prever a resposta de anticorpo induzida por esta vacina. Em uma dessas assinaturas, descobri que a expressão do gene TLR5 no dia 3 depois da vacinação estava diretamente correlacionada com o aumento de anticorpo no sangue das pessoas vacinadas. Ou seja, pessoas que possuíam a maior expressão de TLR5 durante a primeira semana após a vacinação eram as que teriam os maiores níveis de anticorpos um mês depois. E isso não fez nenhum sentido para nós! Afinal, a vacina que estávamos estudando era composta por uma proteína (HA) do vírus da gripe e o ligante natural do receptor TLR5 é um componente bacteriano (flagelina). Por que uma vacina feita contra um vírus estaria relacionada com um receptor que reconhece bactérias?
Sempre acreditamos que um dos objetivos mais importantes da "Vacinologia de Sistemas" é a geração de novas hipóteses e insights que podem ser estudados e validados na bancada. Procurando na literatura, vi artigos onde pesquisadores usavam flagelina como adjuvante para a vacina da gripe e que isso melhorava a resposta imune em camundongos e humanos. Então já havia a evidência de que TLR5 poderia ser importante para um resposta imune contra a vacina da gripe mas ninguém ainda sabia como essa "ajuda" acontecia naturalmente.
O laboratório do Dr. Pulendran possui diversas linhagens de camundongos nocautes, dentre elas, o nocaute para TLR5. O primeiro experimento que planejamos foi ver o que acontecia quando se imunizava um camundongo nocaute para TLR5 com a vacina da gripe humana. Quando fizemos isso, vimos que de fato a resposta de anticorpo nesses nocautes era menor que as de um camundongo selvagem. Então da onde estava vindo o ligante para TLR5?
A primeira suspeita foi que haviam contaminantes na vacina comercial de gripe que poderiam se ligar a TLR5. Para fazer esse teste, usamos inicialmente células HEK293T que possuíam um sistema repórter de GFP que era ativado por um TLR. Existiam no laboratório sistemas independentes para cada TLR humano. Ou seja, adicionamos a vacina em vários poços e em cada poço havia células expressando apenas um dos TLRs. Se houvesse ligação, seria detectado o gene repórter. Com esses experimentos vimos que de fato não haviam contaminantes nas vacinas de gripe comercial que poderiam se ligar a TLR5.
Então de onde estava vindo o ligante para TLR5?
Minha hipótese era de que mesmo em pessoas saudáveis, há um constante e muito pequeno vazamento de bactérias comensais do intestino para a corrente sanguínea. Porém, as células do sistema imune não "percebem" a presença desses componentes bacterianos que vieram do vazamento por justamente não possuir os receptores para isso. A vacina da gripe poderia elevar os níveis de TLR5 e aí sim as células poderiam reconhecer esse nível basal de "vazamento" e auxiliar na resposta imune. O Jason, o primeiro autor do artigo, possuía uma hipótese alternativa: a vacina da gripe faria com que as células do sistema imune no sangue expressassem TLR5 e então elas migrariam para o intestino onde seriam estimuladas pela flagelina. Qualquer uma das hipóteses envolvia as bactérias comensais.
Então como testar se elas eram importantes para melhorar a resposta de anticorpo? Tratando os camundongos com antibiótico e olhando a resposta de anticorpos após a imunização. Fazendo isso, ou seja, diminuindo a quantidade de bactérias comensais no organismo, vimos que os níveis de anticorpos também diminuíam. Neste momento, a história se mostrou tão interessante que não caberia mais como parte do nosso trabalho da gripe. E foi aí que o Jason assumiu de forma magnífica todos os experimentos que foram para o artigo. Ele não apenas repetiu nossas observações iniciais como incluiu diversas outras formas de mostrar que as bactérias comensais eram importantes para uma boa resposta imune induzida pela vacina da gripe. Jason e colegas usaram camundongos livres de germe, testaram diferentes combinações de antibióticos (para determinar as classes de bactérias mais relevantes), buscaram quais tipos celulares expressavam TLR5, analisou o papel de células dendríticas, macrófagos e células B e estudou inclusive o possível papel da microbiota para outras vacinas. No momento, o grupo da Emory University está tentando vacinar pessoas tratadas ou não com antibióticos para ver se os resultados se repetem em humanos.
Com esse trabalho foi mostrado um importante papel da microbiota na resposta imune induzida pela vacinação. Os achados podem ter diversas implicações que vão desde dieta e nutrição até o uso de antibióticos e doenças metabólicas em pessoas vacinadas. O trabalho também fornece um bom exemplo de como novas hipóteses podem ser levantadas pela vacinologia de sistemas.
Quem for ao congresso de imunologia em Búzios poderá ver em primeira mão a palestra do Dr. Pulendran que irá tratar dessa história e outras.
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