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sexta-feira, 6 de junho de 2014

Desafios sim, mas ainda nada de soluções


No final de abril ocorreu o meeting Challenges and Solutions for Cancer Research and Treatment, no Club Med Rio das Pedras, em Mangaratiba, RJ.  Este congresso reuniu, pela primeira vez, representantes dos principais grupos que realizam pesquisas sobre o câncer no Brasil, tanto básica como clínica. INCA, ICESP, Einstein, Sírio-Libanes, USP, UFRGS, UFRJ e PUCRS. O número final de participantes foi superior a 150 - na sua maioria investigadores principais, líderes de grupos de pesquisa - e 77 posters foram apresentados - era um grupo pequeno, porém altamente focado.

À medida que os brasileiros interagiam e se atualizavam com o que estava acontecendo em cada uma das instituições, convidados estrangeiros trouxeram algumas pesquisas de ponta para o fórum. Jerome Galon veio da França para mostrar a nova cara da patologia do câncer, apresentando as provas e justificativa para o escore imunológico como uma nova ferramenta para prever a evolução do paciente. Um destaque foi o painel com os dois pesquisadores que desenvolveram o conceito e a prática clínica dos receptores quiméricos, os CARs para tratamento de câncer, considerado pela revista Science a descoberta científica do ano de 2013. Scott Lowe veio direto da organização do AACR e teve casa cheia ouvindo suas recentes descobertas sobre genes promotores e genes supressores de tumor. Estas e outras apresentações serão objeto de um Meeting Report a ser publicado pela Cancer Immunology e Imunotherapy, no próximo mês, a convite do seu Editor, Graham Pawelec, também presente na reunião.

Mas o diferente deste congresso é que ele centrou-se na identificação dos principais desafios na implementação de pesquisa competitiva sobre o câncer no Brasil, bem como traduzi-la com sucesso para a clínica. Bench to bedside research, or bedside to bench, são hoje uma tendências mundiais, porque, se bem sucedidas, podem eficientemente reduzir o tempo que leva para que os pacientes se beneficiem dos mais recentes tratamentos desenvolvidos para os seus tumores. E o tempo, como todos sabemos, é um luxo que pacientes com câncer não têm.

Uma sessão da reunião foi especialmente concebida para isso. Os palestrantes eram o Presidente da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Dirceu Barbano; o chefe do DECIT, Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Antonio Campos de Carvalho; o coordenador da CONEP, Comissão Nacional de Ética, Jorge Venâncio; e  Carlos Gil como representante de REDEFAC (Rede Nacional de Desenvolvimento e Inovação em Fármacos Anti-cancer). Estas agências foram convidadas para o debate com a comunidade científica de câncer, porque sabemos que os principais obstáculos que enfrentamos são regulatórios e orçamentais. Nos últimos anos, um número expressivo de cientistas que trabalharam  no estrangeiro em importantes centros voltou para o Brasil; eles estão prontos para não apenas implementar o que aprenderam, mas também trazendo seu toque pessoal para encontrar soluções para o tratamento do câncer no país. Estes são profissionais que se destacaram no exterior, custaram milhões para o governo, e ainda enfrentam problemas diários que são inimagináveis para os nossos colegas em os EUA e na Europa.

O Presidente da ANVISA mandou e-mail, um dia antes, anunciando não viria nem enviaria substituto, apesar de ter confirmado meses antes que iria. Parece que a ANVISA não reconhece a pesquisa do câncer no Brasil como uma prioridade. Todo mundo sabe que um dos principais problemas enfrentados pela comunidade científica básica no Brasil é a dificuldade de importação de reagentes e medicamentos. É impossível ser competitivo ao ter que esperar meses para a liberação de mercadorias de importação, bem como ter que pagar três vezes o preço ao adquirir os produtos através de representantes de vendas. Mesmo que sejam tecnicamente capazes de reproduzir aqui  tratamentos de ponta que são desenvolvidas no exterior, estes já são obsoletos no momento em que obtemos os reagentes e estabelecemos os procedimentos.  

Uma alternativa ideal para a importação de reagentes, seria produzirmos os nossos próprios. Isso não só faria a nossa ciência competitiva, mas também implementaria mudanças importantes na nossa economia. E é aí que os problemas orçamentais nos atingem. Antonio Campos de Carvalho, chefe do DECIT, conversou por skype devido a um conflito de agendas. O DECIT é um departamento dentro do Ministério da Saúde (MS), que coordena a pesquisa aplicada. O MS tem aumentado seus investimentos em pesquisa clínica, incluindo o câncer. Hoje em dia, temos um grande déficit de balança comercial nos mercados de tecnologia e medicina. Apenas em 2013, o Brasil teve um déficit de 9,6 bilhões nessa área. O MCT tem como objetivo reduzir esse déficit com investimentos nessa área. No entanto, o financiamento ainda é limitado, no valor de 121 milhões de reais (cerca de 60 milhões de dólares americanos) em 2013.

Especificamente na pesquisa do câncer, o financiamento foi de 44 milhões de reais (cerca de 20 milhões de dólares), para 190 projetos, nenhum dos quais resultou em estratégias de inovação. Segundo Campos, o financiamento total teria de ser 10 vezes maior do que o total para começar a fazer a diferença no status da pesquisa do câncer no Brasil. Os EUA investem 8 bilhões  de dólares  e a Europa 3 bilhões de dólares por ano em pesquisa oncológica. O custo médio para o desenvolvimento de medicamentos é de 100 milhões de dólares em 10 anos, enquanto para diagnóstico é de aproximadamente 50 milhões de dólares em 5 anos. REDEFAC, uma nova iniciativa para promover pesquisa em drogas anti-cancer para o SUS, foi recém implementada, mas poucos projetos aprovados focam no desenvolvimento de farmacos.

Para completar temos o problema do tempo no CONEP. Calos Barrios, da PUCRS, mostrou que o Brasil leva em media, para aprovar um estudo clinico, de 12 a 14 meses, o triplo de outros países na America Latina. Nos Estados Unidos, a media é de 3 meses. Isso significa que o Brasil perde a chance de interagir com a industria internacional, e não cria pratica de ensaios clínicos - menos de uma dezena de centros no Brasil podem realizar um teste clinico fase I. 

Enquanto o Brasil não entender que a pesquisa em câncer avança alem da academia, sendo um motor que gera empregos, tem alto impacto econômico e gera divisas tecnológicas, porque é inovadora em essencia, todo mundo perde. 

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Um comentário:

  1. Parabéns, Cris! Uma das maiores críticas construtivas que surgiram aqui no Blog. Tomara que repassem para as autoridades. Bj

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