Por longo tempo a
presença de colina acetiltransferase (AChT) e tirosina hidroxilase (TH) por
células do sistema imune foi praticamente ignorada até a chegada dos trabalhos
do Tracey mostrando a função imunossupressora da acetilcolina (ACh) (Tracey et al., 2002).
Trabalhos da década de 1990 já mostravam a presença de catecolaminas (CA –
adrenalina, noradrenalina e dopamina) em linfócitos, neutrófilos e macrófagos,
mas pouco se sabia de sua real função no sistema imunológico (Cosentino
et al., 1999; Bergquist
e Silberring, 1998; Bergquist
et al., 1994).
Ao longo dos anos foi
ficando mais claro os mecanismos pelos quais as CAs podem impedir a
proliferação celular, liberação de citocinas e a indução de apoptose em
linfócitos (Engler
et al., 2005; Jiang
et al., 2007; Cosentino
et al., 2007). Por exemplo, mais especificamente, durante o estresse
crônico as CAs impedem a liberação de citocinas do padrão Th1 favorecendo assim
as citocinas do padrão Th2 (Elenkov
et al., 2000; Agarwal e
Marshall, 2000;Elenkov
et al., 1995). Porém ainda não se sabe se as CAs de fato inibem a produção
de certas citocinas ou induzem a rediferenciação de linfócitos.
Huang e colaboradores
(2013) utilizaram α-MT (um inibidor da TH), pargilina (PA – inibidor do
metabolismo de CAs) e o inibidor da monoamino oxidase (MAO - enzima responsável
pela degradação de CAs) e verificaram alterações na expressão de T-bet ou GATA3
em linfócitos estimulados com concanavalina. O tratamento com α-MT aumentou as
concentrações de noradrenalina (NA), adrenalina (AD) e dopamina (DA) nos
linfócitos. E, curiosamente, o tratamento com α-MT aumentou a expressão de
T-bet e suprimiu a expressão de GATA-3, enquanto a PA teve efeito contrário. O
mesmo foi observado quanto a expressão de citocinas do padrão Th1 e Th2, no
qual a α-MT inibiu a expressão do RNAm para IL-4 e aumentou para IFN-g, enquanto a PA suprimiu a expressão dos
mesmos (Figura 1).
Figura 1. Influência do α-MT e da pargilina (PA) na
diferenciação e balanço Th1/Th2
Esse trabalho nos dá
uma ideia do que pode ocorrer com nosso organismo quando enfrentamos um
estresse crônico. Sabe-se que os hormônios do estresse, tais como os glicocorticoides,
podem levar a uma polarização Th2 (Elenkov
et al., 1995; Wright
et al., 2004). Além disso, a ativação crônica do sistema nervoso simpático
(fonte potencial de CAs) pode levar a exacerbação de quadros inflamatórios
encontrados na artrite reumatóide e miocardite autoimune (Capellino et al, 2010; Fuse et al., 2003).
O artigo é um grande
passo para entender o mecanismo pelo qual a ativação de receptores de ACh em
linfócitos produz imunossupressão. E isso inclui os efeitos (ainda incertos) da
nicotina.
Post de Gabriel Bassi (FMRP-IBA)
Post bem interessante, parabéns! Só que fiquei com uma dúvida, pois não sou da área. O gráfico que vc mostra indica que as catecolaminas induzem um perfil pró-inflamatório Th1 (uma vez que upregulando as CAs com a-MT vc aumenta o ratio T-bet/GATA-3 e qdo vc as inibe, essa ratio diminui).
ResponderExcluirNo entanto, na sua introdução e conclusão vc fala justamente o contrário. Fiquei um pouco confuso, desculpe a ignorância. Além disso, vc faz a relação estresse x perfil Th2, sendo que esse mesmo stress crônico tem sido associado ao aparecimento de doenças auto-imunes (pró-inflamatório). Você poderia me informar um pouco mais sobre essa relação stress x doenças auto-imunes? Desde já obrigado
Humm... Já esperava por esse comentário
ExcluirMas primeiramente precisamos definir o que significa a palavra "estresse". Biologicamente falando, o estresse hoje em dia é um termo muito vago e impreciso (como utilizar o termo "tempestade de citocinas" ou "sopa de citocinas" para designar determinada cadeia de eventos encontradas na sepse ou na artrite reumatóide).
O estresse pode ser dividido em dois componentes fisiologicamente semelhantes porém com resultados distintos (em termos gerais). O "euestresse", que seria o estresse bom, e o "distresse" ou estresse ruim. O eustresse é uma resposta de preparação do organismo frente a um evento futuro, tal como o aumento de CAs periféricas na presença de um predador ou quando temos uma prova, aumentado nossa vigilancia. No distresse, ainda há a liberação de CAs periféricas, ACTH, corticóides endógenos, etc. Porém essa resposta é defeituosa (seja por sua cronicidade, intermitencia ou presença de patologia), levando a um prejuízo no desempenho do indivíduo. É como ficar acordado por 3 dias estudando prá uma prova e depois ter uma imunossupressão grave e/ou prejuízo cognitivo e perda de desempenho frente a um novo estímulo. É a chamada "Curva de Hans Selye" (http://alki.vansd.org/Curriculum/Health/Stress/stress_curve.html)
Quando tratamos de estresse e resposta Th1/Th2 e CAs endógenas, os trabalhos ainda tem dificuldade em apresentar um estímulo que seja realmente um eustresse ou distresse.
No artigo apresentado acima, os experimentos foram feitos in vitro, em ambiente muito bem controlado. Se extrapolarmos para o sistema in vivo, a resposta poderá ser muito diferente, principalmente porque a resposta ao estresse (aos diversos tipos de estresse) pode ser completamente diferente dependendo do órgão, resposta, imunógeno e, principalmente, a resposta comportamental que o animal irá desenvolver.
Por exemplo, a exposição da mãe a alérgenos pode primar células T do feto para uma resposta atópica (Prescott et al., 1998; Piccinni et al., 1993). O "estresse" psicossocial pode levar a exacerbação de sinais e sintomas da asma (Li et al., 2013). Porém esse mesmo "estresse" psicossocial pode ser benéfico quando tratamos de hierarquia de dominação, denominada de "estresse de subordinação" (Blanchard et al., 1993). O grande problema é encontrar o limiar entre o eustresse e o distresse. Por isso muitos dados são contraditórios, principalmente no que se refere a neuroimunologia.
No final das contas, o que devemos observar aqui, na minha opinião, não é a resposta do linfócito em si, mas a resposta que pode ser desenvolvida pelo animal frente a esse "estresse". Se inibirmos ou estimularmos as CAs para uma determinada resposta imune, quem virá primeiro? A resposta imune ou o sistema nervoso? Ou o ambiente? Ou o comportamento? (vide Bassi et al., 2012 e Blanchard et al., 2003 sobre respostas comportamentais e seus problemas de análise).