Eu ia escrever um post completamente diferente, mas li esse artigo
recentemente e pensei q essa é uma discussão que tem q ser enfocada.
Principalmente porque me causa inquietação fazer parte desse sistema. E eu nem
tentei re-escrever ou escrevê-lo de outra forma, pois não poderia fazer melhor
que o autor, o Richard Monvoisin.
Recomendo.
Pesquisa pública, publicação privada
por Richard Monvoisin
Às pesadas prateleiras das bibliotecas universitárias se somam cada vez
mais uma enxurrada de publicações especializadas on-line, que oferecem, sem
atraso e normalmente de graça, os últimos resultados dos laboratórios de
pesquisa
"Publicar ou apodrecer”: a sentença do zoologista Harold J.
Coolidge1 resume a vida
de um pesquisador. Pouco importa, para seu prestígio acadêmico, que seu modo de
ensinar seja brilhante, seus estudos sejam bem fundamentados ou que ele seja
gentil com os colegas: a avaliação do trabalho de pesquisa repousa de forma
definitiva apenas na soma e na qualidade dos artigos publicados nas revistas
científicas. A exposição ordenada dos resultados, passando pela humilhação da
releitura por especialistas no assunto – o que chamamos normalmente de
releitura dos pares, ou peer-review–, é a chave para isso.
As publicações são especializadas de acordo com a área de pesquisa.
Assim, um especialista em história moderna da França tem à escolha uma dezena
de revistas nacionais, e cerca de uma centena de periódicos acolhem os
trabalhos de pesquisa feitos em física. Para escolher em que porta bater é preciso
adaptar as pretensões, levando em conta o fator do impacto da revista, quer
dizer, seu valor no mercado do saber. Esse valor é fundado não na audiência,
mas no número médio de citações dos artigos da dita revista em outros artigos
científicos.2 É conveniente
acertar o alvo: muito baixo (uma revista pouco conhecida), e o artigo não será
apreciado de acordo com seu valor, independentemente de sua qualidade; muito
alto (as melhores publicações), e ele pode ser bloqueado durante meses pelos
avaliadores, para no final ser recusado. Por ser feroz a concorrência entre as
equipes de pesquisa, corre-se, então, o risco de ser ultrapassado na linha de
chegada.
Além de o autor do artigo não ser pago, seu laboratório deve,
frequentemente, participar nos gastos de secretaria ou impressão. Em troca, ele
recebe capital simbólico (reconhecimento, prestígio): o direito de indicar o
título do artigo – envolto na aura de seu fator de impacto – em seu curriculum
vitae. Os leitores-avaliadores do artigo, por sua vez, são cientistas anônimos
solicitados pela revista; eles também são remunerados apenas em capital
simbólico. Quando um pesquisador submete um texto numa área muito específica,
seus juízes às vezes participam da mesma corrida. Claro, a honestidade e a
boa-fé predominam e, em caso de conflito de interesses patente, é possível
recusar antecipadamente um avaliador concorrente. Mas as disputas por
influência e os conluios são inevitáveis. A pesquisa moderna se transforma,
então, em uma arena percorrida por centenas de hamsters na qual, como nos
clássicos videogames, se multiplicam poças de óleo, cascas de banana e
rasteiras.
Essa mecânica não cooperativa parece hoje “sem fôlego”3 e pesa na qualidade de
produção do conhecimento. As grandes revistas estão congestionadas; resultados
não acabados, de interesse medíocre, são por vezes publicados de maneira
precipitada; os resultados negativos – quer dizer, sem conclusão –, que no
entanto são muito úteis, nunca são publicados.4
E o sistema de releitura pelos pares está longe de garantir a
honestidade de todas as publicações. Resultados fraudulentos, maquiados para
melhor seduzir, às vezes até completamente forjados, superam regularmente esse
filtro. Podemos citar os casos de Jan Hendrik Schön, físico alemão dos
laboratórios Bell desmascarado em 2001; de Hwang Woo-suk, biólogo sul-coreano
descoberto em 2005; ou do psicólogo Diederik Stapel, que se demitiu em 2011.
Depois de ter estudado os 17 milhões de publicações científicas, de 1950 a
2007, referenciadas pela base de dados Medline, os pesquisadores Murat Çokol,
Fatih Ozbay e Raul Rodriguez-Esteban observaram que a porcentagem de
retratações de artigos pelas revistas “tem aumentado” significativamente desde
os primeiros escândalos científicos, nos anos 1970. Esses casos tinham conduzido
à instalação do Office of Research Integrity (ORI), escritório norte-americano
pela integridade na pesquisa.5
A avaliação dos pesquisadores é comprometida: a busca por citações
engendra uma forma de tráfico de influências, levando, por exemplo, à citação
de amigos. Encontram-se igualmente artigos assinados por dezenas de nomes: os
dos jovens pesquisadores que realizaram o essencial do trabalho e os dos
diretores de laboratório, claramente menos implicados – revelando um
procedimento que pode ser legítimo no caso de trabalhos fundadores que tenham
efetivamente contado com um grande número de participantes. Impõe-se, assim, o
que o sociólogo Robert K. Merton chamava de “efeito Mateus” (São Mateus:
“Porque, àquele que tem, se dará e terá em abundância; mas, àquele que não tem,
até aquilo que tem lhe será tirado”), um encadeamento de mecanismos pelos quais
os mais favorecidos, no caso os mais citados, tendem a ganhar vantagem sobre os
outros, que irão encher as colunas das revistas medíocres e pouco lidas.
Esse sistema se revela, além do mais, muito dispendioso para a
comunidade científica. O contribuinte financia uma pesquisa que o cientista
publicará – muitas vezes à sua custa – em uma revista endossada por uma empresa
privada, que outros pesquisadores deverão avaliar gratuitamente e que as
universidades deverão, em seguida, comprar a preço de ouro. É possível dizer,
com efeito, que a literatura científica custa caro. A metade do orçamento de
funcionamento das bibliotecas universitárias vai embora nas assinaturas, o que
prejudica imediatamente os estabelecimentos menos ricos e tem repercussões
sobre astaxas de matrícula dos estudantes.6
Ascensão da Elsevier
Uma editora, a Elsevier, cresce em poder e chama a atenção. Sua história
começa nos anos 1580, em Louvain, na Bélgica. Um certo Lodewiejk Elzevir
(1542-1617), tipógrafo, fundou uma empresa de publicação e difusão de livros,
em particular de clássicos latinos. A empresa familiar subsistiu com
dificuldade por algumas décadas, depois desapareceu com o último de seus
representantes, em 1712. Em 1880, em Amsterdã, nasceu a Elsevier, em homenagem
a essa antiga editora. Em pouco mais de um século, ela tomou conta de uma
grande parte da publicação científica no mundo. Em 1993, a fusão das empresas
Reed International e Elsevier PLC criou a Reed-Elsevier, segundo maior
conglomerado de edição mundial, atrás da Pearson.7 Agora proprietária da revista Cell, do Lancete de
coleções de livros como Gray’s anatomy, a Elsevier publica 240 mil artigos por
ano em cerca de 1.250 revistas. Seus lucros se aproximaram de 1 bilhão de euros
em 2011.8 Para algumas
bibliotecas, a assinatura anual dos jornais da editora representa cerca de US$
40 mil. Para os 127 estabelecimentos franceses onde as compras de assinaturas
eletrônicas são gerenciadas pela Agência Bibliográfica do Ensino Superior, as
publicações Elsevier custaram 13,6 milhões de euros em 2010.
Até agora, nos Estados Unidos, os Institutos Nacionais de Saúde tinham o
costume de exigir dos pesquisadores que colocassem em acesso livre o resultado
dos trabalhos financiados pelo contribuinte. Quando, em dezembro de 2011, foi
apresentado ao Congresso um projeto de lei proibindo esse procedimento, muitos
cientistas se revoltaram. Em 21 de janeiro de 2012, o matemático Timothy Gowers,
ganhador da medalha Fields em 1998, anunciou que boicotaria a partir de então a
Elsevier. Depois de um artigo no Guardian, em Londres, e depois no New York
Times,9 ele foi
acompanhado por outros 34 matemáticos. Logo foi lançada uma petição intitulada
“The cost of knowledge” (“O custo do conhecimento”), assinada por mais de 10
mil pesquisadores acadêmicos. A Universidade Paris 6, que gasta mais de 1
milhão de euros por ano com essas assinaturas, entrou no boicote.
As bibliotecas, de mãos atadas, podem apenas apoiar o boicote; por
exemplo, o conselho de administração da Universidade Harvard, que conta todo
ano com US$ 3,75 milhões para comprar revistas, encorajou seus 2,1 mil
professores e pesquisadores a colocar suas pesquisas à disposição on-line.10 “Espero que outras
universidades façam a mesma coisa”, declarou Robert Darnton, diretor da
biblioteca.11 “Estamos
todos confrontados com o mesmo paradoxo. Fazemos as pesquisas, escrevemos os
artigos, trabalhamos no referenciamento dos artigos de outros pesquisadores,
tudo de graça... Em seguida, compramos o resultado do nosso trabalho por um
preço escandaloso.”
Já existem algumas soluções, em particular na área da publicação livre e
aberta (com os sites PLoS, HAL, arXiv...). A longo prazo, a comunidade dos
pesquisadores não terá outra escolha a não ser desenvolver melhor essas
soluções a fim de burlar o sistema.
Richard Monvoisin
É pesquisador e membro do Coletivo de Pesquisa Transdiciplinar Espiríto
Crítico e Ciências (Cortecs), em Grenoble
Ilustração: Orlando
1 Harold Jefferson Coolidge, Archibald Cary Coolidge: life and letters,
1932.
2 Deve-se o fator de impacto a Eugène Garfield, fundador do Institute
for Scientific Information, cujo primeiro Science Index data de 1963.
3 Laurent Ségalat, La science à bout de souffle? [A ciência sem
fôlego?], Seuil, Paris, 2009.
4 Brian Martinson, Melissa Anderson e Raymond de Vries, “Scientists
behaving badly” [Cientistas se comportando mal], Nature, Londres, n.435, 9 jun.
2005.
5 Murat Çokol, Fatih Ozbay e Raul Rodriguez-Esteban, “Retraction rates
are on the rise” [Taxas de retração estão em ascensão], EMBO Reports, 2008.
6 Ler Isabelle Bruno, “Pourquoi les droits d’inscription universitaires
s’envolent partout” [Por que as taxas de matrícula universitárias aumentam em
todos os lugares], Le Monde Diplomatique, set. 2012.
7 Livres Hebdo, Paris, 22 jun. 2012.
8 Reed-Elsevier, Annual reports and financial statements 2011.
Disponível em: <www.elsevier.com/about/annual-reports>.
9 “Scientists sign petition to boycott academic publisher Elsevier”
[Cientistas assinam petição para boicotar a editora acadêmica Elsevier], The
Guardian, Londres, 2 fev. 2012; “Mathematicians organize boycott of a
publisher” [Matemáticos organizam boicote a editora], The New York Times, 13
fev. 2012.
10 Faculty Advisory Council Memorandum on Journal Pricing, “Major
periodical subscriptions cannot be sustained” [Principais assinaturas não podem
ser sustentadas], 16 abr. 2012. Disponível em: <http://www.harvard.edu/>.
11 Ler Robert Darnton, “La bibliothèque universelle, de Voltaire à
Google” [A biblioteca universal, de Voltaire ao Google], Le Monde Diplomatique,
mar. 2009.
Acho essa discussão super pertinente. A realidade de que 'O contribuinte financia uma pesquisa que o cientista publicará – muitas vezes à sua custa – em uma revista endossada por uma empresa privada, que outros pesquisadores deverão avaliar gratuitamente e que as universidades deverão, em seguida, comprar a preço de ouro' realmente precisa ser substituída.
ResponderExcluirÓtimo post.
Muito bom o post e pertinente ao que vivenciamos no nosso dia a dia. Paga-se muito para acesso livre aos artigos. Temos que pensar em soluções a médio e longo prazo, sem dúvida.
ResponderExcluirExcelente post!!!
ResponderExcluirMto obrigado Gabits, Cláudia e Manuela. Realmente essa é uma discussão muito importante e que incomoda a todos nós, pelo fato de estarmos presos nesse processo.
ResponderExcluirAbraços
Eu sempre pensei nesta questão...O que ganhamos quando suamos sangue e conseguimos publicar na Nature, Science ou Cell (pra ficar nas maiores)? Pagamos para publicar, não recebemos direitos autorais, não recebemos participação nos lucros por atrairmos leitores para os anúncios dentro das revistas? Aliás, alguém aqui já ganhou algum dinheiro escrevendo capítulo de livro? Eu estou esperando a merreca de 200 dólares que a Elsevier prometeu por um capítulo de um livro (faço questão de não dizer o título). Peça para um advogado escrever um livro e me diga se ele vai fazer isso de graça...Peça para o mesmo advogado perder 2 dias revisando um projeto que não é dele...Nós nos contentamos com muito pouco! Nos contentamos com o prestígio dentro do nosso nicho...
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