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terça-feira, 6 de março de 2012

A PORTA DO INFERNO DE DARVAZ


A chamada Porta do Inferno é uma cratera situada próxima de Darvaz, uma vila do Turcomenistão localizada no deserto de Kara-Kum. A imensa cratera recebeu este nome em virtude das labaredas constantes que nela flamejam, propiciando um cenário que faz lembrar a descrição popular do acesso principal ao mitológico Reino de Hades.

Recentemente, o Walter Turato me mostrou um dos artigos mais criativos que eu já li (Arima Y., 2012). Não pela clara demonstração de uma interação neuroimune em um modelo de esclerose múltipla (EM), mas por demonstrar que o ato de suspender a cauda de um camundongo pode alterar o desenvolvimento da encefalomielite autoimune experimental (EAE).

Apesar dos autores enfatizarem como tema central do trabalho a interação neuroimune, o trabalho traz uma resposta para uma das questões mais intrigantes e menos investigada nas doenças autoimunes, o paradigma do ovo-ou-galinha. A maior parte dos trabalhos se concentra na mesmice do “Very important role already described of XXX cell, that is not new but now I am describing in my disease animal model”; ou na tentativa de descobrir um novo subtipo celular, que dessa vez é considerado o verdadeiro “mastermind of disease”, sempre superimportante, único, essencial, com quantidades fisiológicas irrelevantes mascaradas por demonstrações gráficas de frequências relativas.

Desculpa, voltando. O ponto critico é: você tem uma célula autoreativa como a Th17, a qual é essencial para a geração do processo inflamatório. Só que para migrar ao seu ponto de ataque ela precisa ser atraída para lá, geralmente por quimiocinas, que são geradas quando há um processo inflamatório. Mas se ela não chegou lá ainda e não induziu a inflamação, quem e como são produzidos esses quimioatraentes? Ainda, considerando que o sistema nervoso central é imunoprivilegiado, por onde essas células reativas entram?

Os autores identificaram em um modelo de EAE induzida pela transferência adotiva de células CD4+ autoreativas, que as células Th17 se acumulam inicialmente na região da quinta lombar (L5) da medula espinal. Ainda, eles demonstraram que essas células possuem um portão de entrada no sistema nervoso central, especificamente, os vasos sanguíneos dorsais (VSDs) da medula espinal correspondentes à L5. Esta entrada e acúmulo estão relacionados com a produção local do ligante de CCR6, a CCL20, a qual é induzida e amplificada pela produção de IL-6 em células endoteliais dos VSDs. Ainda, a produção local de CCL20 é independente e anterior à transferência das células CD4+ autoreativas. Ou seja, o estímulo inflamatório de recrutamento já parece estar lá antes mesmo do desenvolvimento das células autoreativas.

Eles ainda demonstram que neurônios aferentes do gânglio da raiz dorsal localizado perto da L5 poderiam estar relacionados com a produção de IL-6–CCL20. A ativação desses neurônios estaria ocorrendo pela frequente estimulação gravitacional das patas posteriores, por exemplo, pelo músculo soleus. A parte legal é que, quando eles utilizam um modelo de eliminação de estímulo muscular das patas posteriores por uma suspensão da cauda do camundongo, observa-se um menor desenvolvimento dos sinais clínicos da EAE, bem como diminuição do infiltrado de células Th17 na região da L5.

Experimentos com estímulos musculares diretos são também realizados. Porém, o que fica claro é que a ativação do loop inflamatório quimioatraente é dependente da ativação de uma via neural, que em parte parece ser simpática, e é independente da presença de células autoreativas. A questão que fica agora é a translocação dos achados para pacientes com EM, ou seja, a localização em humanos do ponto de transformação da atividade neural em resposta inflamatória, já que é meio complicado pensar como uma técnica de suspensão de cauda seria aplicada em humanos.

Refs.

Arima, Y., et al. Regional Neural Activation Defines a Gateway for Autoreactive T Cells to Cross the Blood-Brain Barrier. Cell. 148, 447-457. (2012)

Kawano, F., et al. Afferent input-associated reduction of muscle activity in microgravity environment. Neuroscience. 114, 1133–1138. (2002)

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Um comentário:

  1. mto legal zeca. concordo que é super estranho esses papers que mostram que tudo depende dessa nova celula ou novo papel... fica estranho. bj

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