A área de estudo do
câncer associado à inflamação tem avançado rapidamente nos últimos anos. Uma
das grandes descobertas recentes que deve impulsionar muitas pesquisas foi a de
que a inflamação pode ser não apenas um fator auxiliar do processo de tumorigênese,
mas sim ser o fator transformador em si, o que coloca o controle epigenético do
câncer em uma posição de maior importância.
Nessa linha de
pensamento, um novo artigo dá mais um passo em direção ao entendimento dos
mecanismos inflamatórios que levam à transformação celular, em especial no
câncer de mama. Pesquisadores do instituto de pesquisa The Scripps Research
ajudaram a esclarecer exatamente como a ativação de duas vias de sinalização
inflamatória leva a transformação de células epiteliais de mama em células
tumorais.
Nesse trabalho, os
pesquisadores fizeram uma co-cultura de células epiteliais normais da mama
(MCF10A) e monócitos de linhagem (U937), garantindo que não houvesse contato
entre as células, e obtiveram a transformação das células epiteliais de mama em
células tumorais. Esse evento ocorreu via a liberação de MCP-1 pelos monócitos,
e a taxa de células transformadas foi similar à induzida pelo uso do
carcinógeno DMBA. A retirada dos estímulos não alterou o estado transformado
das células, ainda que por várias gerações. Monócitos humanos de
cultura primária demonstraram um resultado similar, indicando que todos os
monócitos podem potencialmente causar transformação celular.
Os
autores foram ainda à frente e, passo a passo, descreveram uma via de
sinalização em que a via MEK/ERK e IKK/NF-kappaB era ativada nas células
MCF-10A. A ativação desta via culminou com a liberação de IL-6, uma citocinas
envolvida em um grande número de processos inflamatórios e doenças autoimunes e
câncer. A IL-6 inibe a ação do micro RNA miR-200c, o qual é um supressor
tumoral que ajuda a limitar a formação de metástases e regular negativamente a
inflamação, e desta maneira ocorre uma ativação constitutiva da via
inflamatória demonstrada no esquema abaixo.
Figura 1: Esquema demonstrando o loop inflamatório
autorregulado da IL-6.
Retirado de Rokavec et al. 2012
Esse processo pode ser
descrito como um comutador epigenético e fenotípico, em que um estímulo
inflamatório transiente induz um circuito de sinalização inflamatória
constitutiva. Dessa forma, a IL-6 age como um iniciador do tumor, disparando um loop inflamatório
auto-sustentado necessário para a iniciação e manutenção do estado transformado
da célula tumoral.
O artigo esclarece os
passos iniciais moleculares que desencadeiam a carcinogênese, mas instiga
vários questionamentos. Uma vez que existem constantemente estímulos
inflamatórios transientes no organismo sem necessariamente haver transformação
celular, o que exatamente determina se e quando o estímulo inflamatório
induzirá transformação celular? Outras citocinas pró-inflamatórias seriam
capazes de induzir a mesma via? Quais outras vias inflamatórias podem estar por
trás da carcinogênese? A descrição desses loops inflamatórios
permitiria extrapolar a situação para outras além do câncer?
Post de Nathalia
M. de Vasconcelos
Mestranda
Laboratório de Microscopia
Eletrônica
Universidade de Brasília – UnB
2. Rokavec M, Wu W, Luo JL. IL6-Mediated
Suppression of miR-200c Directs Constitutive Activation of Inflammatory
Signaling Circuit Driving Transformation and Tumorigenesis, Molecular Cell. 2012.
Muito legal, Nath!!
ResponderExcluirEsse ponto é interessante mesmo. Como o nosso organismo faz para evitar a transformação de células normais em tumorais, visto que estamos expostos a estímulos constantemente (infecções, etc).
mais uma vez vemos que para ficar doente não é tão fácil assim. Tem que muita coisa "dar errado" para que nosso organismo sucumbe. Estímulos temos o tempo todo, seja inflamatório, carcinogênico, tóxico, etc, mas para que pequenas mudanças celulares sejam antidas e se propaguem, outros mecanismos, como os regulatórios, tem que falharem naquele momento. Essa gangorra in vivo é fascinante mesmo!
ResponderExcluirParabéns pelo post Nathalia, está muito bem escrito.