Mais uma notícia na área da alergia. Alergia é fascinante, porque afinal de contas o nosso corpo reage contra substâncias aparentemente inócuas? Enfim, o mistério persiste, mas outro ‘mistério’ da alergia é a chamada “hygiene hypothesis”. Numa versão simplificada, é a hipotése de que exposição à micróbios (patogênicos ou não) durante a infância estaria associada à proteção contra doenças alérgicas. Como se o sistema imune ficasse assim meio ‘preguiçoso’ sem ter o que fazer num ambiente muito limpo, e acabasse reagindo contra o que não deve, como substâncias como pólen. A idéia toda veio de estudos epidemiológicos, mostrando que crianças criadas em fazendas, ou de famílias grandes, ou que foram para creches muito cedo tem uma taxa mais baixa de alergia ou doencas alérgicas.
O problema da ‘hygiene hypothesis’ sempre foi a falta de mecanismos (e como já discutido neste blog, quem não gosta de um bom mecanismo?) para explicar o dito fenômeno. A epidemiologia fornecia uma história, mas daí para uma explicação mecanística… complicado. Para alguns pesquisadores esta ‘hygiene hypothesis’ é assim meio ‘suja’. Existem vários outros fatores que podem explicar esta diminuição da alergia além dos micróbios.
Em 2003 a Jennifer McIntire, na época aluna de medicina/PhD no grupo do Dale Umetsu (onde eu estava naquela época) em Stanford, descobriu em um estudo de camundongos congênicos que um gene, que eles denominaram de Tim-1, estava associado com o desenvolvimento de doença alérgica nos animais. E também que o homólogo humano do Tim-1 é o receptor do vírus da Hepatite A.
Juntando esta descoberta com um artigo publicado por um grupo italiano, estudando recrutas militares, mostrando que a presença de anticorpos contra Hepatite A (entre outros) estava associada com índices mais baixos de alergia, o grupo do Dale mostrou então que certos polimorfismos no Tim-1 estavam associados com índices mais baixos de alergia. Esta foi umas das dicas de que poderia haver um mecanismo biológico por trás da tal ‘hygiene hypothesis’, apesar de que o dito mecanismo ainda é desconhecido (talvez associado com a eficiência da ligação do vírus às diferentes versões do receptor). A associação de polimorfismos do receptor TLR4 com índices de alergia é também outra pista.
Semana passada um artigo publicado na Science Express (Olszak et al ), mostrou que o contato intestinal com microbiota ‘normal’ durante a infância em camundongos germ-free (GF) protege os animais contra o desenvolvimento de colite e asma experimentais. A exposição de animais adultos à micróbios intestinais não teve o mesmo efeito (os animais continuaram suscetíveis e adoeceram).
Os pesquisadores se concentraram nas células iNKT (invariant Natural Killer T), células importantes nos modelos estudados. Eles mostraram um aumento destas células em órgãos afetados (cólon e pulmão), e mostraram que anticorpos contra CD1d tem efeito protetor. As células iNKT também tinham um perfil inflamatório.
Eles examinaram então a expressão da quimiocina CXCL16, importante na migração de células iNKT, e encontraram, sem surpresas, que os níveis desta quimiocina estavam elevados no soro dos animais doentes. A expressão do mRNA para CXCL16 foi específica nos órgãos afetados (cólon e pulmão).
A seguir os autores mostraram que a colonização dos animas neonatos GF com uma microbiota conventional diminuiu a hipermetilação do gene que codifica CXCL16. A hipermetilação pode estar associada com ativação do gene, e eles fizeram uma série de experimentos mostrando que aumento ou diminuição da metilação do CXCL16 (apesar os agentes não serem específicos para este gene, e outros genes devem ter sido afetados) correspondeu a um aumento/diminuição da expressão do gene, respectivamente.
Como conclusão, Torsten e companhia propõem que exposição neonatal à microbiota ‘normal’ afeta a expressão de CXCL16, afetando a quantidade e a função das células iNKT por um mecanismo (tchan tchan tchan) desconhecido…
Mas enfim, não se pode ter tudo, e este é um modelo interessante para testar a famosa ‘hygiene hypothesis’. Mas nem tive tempo de por o blog no ar, e já saiu aqui no site do MSN um comentário, já fazendo a ligação com exposicão de crianças à micróbios (foto)… bem, parece que um pouco de sujeira não faz mal, como diria o Cascão, e pelo menos as mamães camundongas podem ficar tranquilas!
Referências:
Olszak et al. Microbial Exposure During Early Life Has Persistent Effects on Natural Killer T Cell Function. Science DOI: 10.1126/science.1219328
Nossa, muito bom este post. Quer dizer que é bom deixar as crianças brincar a vontade...Mas pros adultos não tem desculpa de não tomar banho, hehehe. Mas é claro, mecanismos epigenéticos estão envolvidos...Esses são para células iNKT, mas, quais outras células poderiam estar envolvidas??
ResponderExcluirOi,
ExcluirObrigada pelos comentarios. Imagino que outras celulas (celulas T e B por exemplo) tambem sao afetadas, mas neste trabalho os autores se concentraram mesmo nas iNKT. Provavelmente vai ser o tema do proximo artigo... E aparentemente, adultos nao tem desculpas, a nao ser que foram 'sujinhos' na infancia!
Abracos,
Claudia
Que mecanismos epienéticos estão envolvidos?
ExcluirO assunto e as informações do post são muito interessantes. Parabéns!
ResponderExcluirMuito interessante!
ResponderExcluirEsse artigo teve destaque na edição de ontem do Jornal Nacional.
http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2012/03/estudo-dos-eua-diz-que-limpeza-demais-pode-fazer-mal-saude.html