CD8 é uma glicoproteína expressa em células hematopoiéticas que pode estar presente em duas diferentes configurações, CD8alfabeta e CD8alfaalfa. A primeira atua como co-receptor do TCR e é expressa de maneira constitutiva em linfócitos T restritos por moléculas do MHC de classe I. Já a outra isoforma, CD8alfaalfa, pode ser expressa de maneira transiente ou permanente em diferentes linhagens de linfócitos T independentemente da restrição pelo MHC ou da presença de co-receptores convencionais. Assim sendo, a expressão de CD8alfaalfa já foi descrita em linfócitos T com TCRgamadelta e em linfócitos T com TCRalfabeta, tanto CD4+ quanto CD8alfabeta+. Em camundongos, linfócitos T CD8 alfaalfa são encontrados em grande número no epitélio do trato gastrointestinal, entre os chamados linfócitos intraepiteliais (IEL). Dentre os IEL, especialmente no intestino delgado, a maior parte dos linfócitos T CD8 alfaalfa carregam TCRgamadelta, e uma parte menor o TCRalfabeta. A origem destas células sempre foi um tema controverso entre os imunologistas. Alguns trabalhos relataram que na ausência do timo, precursores encontrados em pequenos agrupamentos de células hematopoiéticas presentes na lâmina própria na região das criptas (um local denominado cryptopatches) poderiam dar origem aos IEL CD8alfaalfa. Essas células, portanto, teriam origem extratímica. Esse conceito foi questionado por outros achados e o modelo mais aceito dava conta de que os IEL CD8alfaalfa carregando TCRalfabeta derivam de uma pequena população de timócitos duplo positivos (CD4+ e CD8alfabeta+) que também expressam a molécula CD8alfaalfa. Essas células passariam pelo rearranjo dos genes que codificam o TCRalfabeta, seriam selecionadas positivamente no córtex do timo e, em seguida, se diferenciariam em células NK1.1- TCRalfabeta+ CD4- CD8- as quais após deixar o timo constituiriam o repertório de IEL CD8alfaalfa com TCRalfabeta. No entanto, um novo artigo publicado na revista Mucosal Immunology pelo grupo liderado por Benedita Rocha reacende o debate. O trabalho identifica uma pequena população de timócitos bastante imatura que após deixar o timo seria a responsável por dar origem aos tais IEL CD8alfaalfa com TCRalfabeta. Na verdade, os precursores imaturos que deixam o timo e colonizam o intestino também foram capazes de dar origem a IEL carregando TCRgamadelta. Importante salientar, portanto, que esses precursores deixam o timo antes mesmo de terem os genes do TCR rearranjados. Logo, os autores argumentam que o desenvolvimento dos IEL CD8alfaalfa ocorre sobretudo no próprio intestino, e isso inclui o rearranjo dos genes que codificam as cadeias do TCR e os eventos que determinam o comprometimento das linhagens TCRalfabeta e TCRgamadelta. Por fim, terminam por concluir que, em face dos achados, o intestino deve mesmo ser considerado um órgão linfóide primário. E você caro blogueiro, concorda com os autores?
Referências:
1. Cheroutre H, Lambolez F. Doubting the TCR coreceptor function of CD8alphaalpha. Immunity. 2008 Feb;28(2):149-59.
2. Peaudecerf L, Ribeiro Dos Santos P, Boudil A, Ezine S, Pardigon N, Rocha B.
The role of the gut as a primary lymphoid organ: CD8alphaalpha intraepithelial T lymphocytes in
euthymic mice derive from very immature CD44(+) thymocyte precursors. Mucosal Immunol. 2010 Aug 25.
3. Lambolez F, Arcangeli ML, Joret AM, Pasqualetto V, Cordier C, Di Santo JP, Rocha B, Ezine S.
The thymus exports long-lived fully committed T cell precursors that can colonize primary lymphoid
organs. Nat Immunol. 2006 Jan;7(1):76-82.
Comentário dirigido ao nosso amigo Daniel Mucida....se puder participar será muito bem vindo. Assunto do qual você entende bem, inclusive por ter acabado de deixar o lab da Hilde. O que acha?
ResponderExcluirSalve professor Basso!
ResponderExcluirDesculpe a demora em responder, o Gabriel me avisou do post e confesso não acompanhar com frequência (isso vai mudar ;-)
Enfim, não trabalho (e não trabalhei) diretamente com ontogenia dos IEL, mas como você mesmo disse, estava em um lab que está diretamente relacionado com a área. A Benedita Rocha sempre defendeu a origem extra-tímica dos IELs (TCRab), mas diversos grupos, usando diversas abordagens, mostraram que o desenvolvimento extra-tímico dos IELs TCRab não acontece em condições fisiológicas (como parece ocorrer no Nude).
O artigo que você menciona tantou refutar os achados do grupo da Hilde (Gangadharan D et al. Immunity 2006) em que a estudante Denise e a postdoc Florence (Lambolez, exatamente a mesma a publicar com a Benedita no Nat Immol. em 2006, depois mudando de lab, e de perspectiva, quando foi para o lab da Hilde Cheroutre) identificaram um precursor tímico "post-selected" dos IELs TCRab. O trabalho da Benedita no Muc. Immunol. argumenta que o TL-tetramer-usado para identificar o homodímero CD8aa- e o tipo de incubação- o tempo deixado com o tetramero etc- não seriam ótimos no trabalho do grupo da Hilde e por isso eles não identificaram um precursor "pre-selected". Adianto não ser tendencioso nessa discusão, mesmo vindo do lab da Hilde, pois pessoalmente eu acharia interessante o intestino gerar linfócitos T. Dito isto, minha opinão é que o grupo da Benedita ainda precisaria de dados adicionais para concluir o que concluem neste artigo. Acho que é possível que as TCRgd tenham parte do seu desenvolvimento fora do timo, mas em condições normais de temperatura e pressão, não creio existir evidências suficientes para concluir que existe desenvolvimento fora do timo de linfócitos Tab.