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domingo, 22 de fevereiro de 2015

Nosso sistema imune atira pra todos os lados no intestino, porém apenas as bactérias patogênicas morrem. Por quê?


Figura 1: Um único grupo fosfato carregado negativamente (roxo) torna as bactérias sensíveis a peptídeos antimicrobianos

Nosso sistema imune deve estar sempre preparado para combater infecções intestinais (bad bacteria) utilizando das mais avançadas “armas” microbicidas. Dentre elas temos os chamados peptídeos antimicrobianos (do inglês, antimicrobial peptides, AMPs), que por sua vez são responsáveis pela destruição da membrana bacteriana. No entanto, como as bactérias comensais (good bacteria) sobrevivem à liberação desses peptídeos durante uma infecção, mantendo sua população estável no intestino permanece desconhecido. Até o momento, acreditava-se que as bactérias comensais não estavam em contato com as células secretoras de AMPs e portanto não eram afetadas. No entanto, novos achados já demonstraram que as bactérias comensais estão sim em contato com a camada de muco intestinal (aqui), ficando, portanto, na mira desses peptídeos antimicrobianos. Portanto, por que apenas as bad bacteria sucumbem aos AMPs, mas não as good bacteria? Como o sistema imune faz o crivo? Ou qual mecanismo evolutivo as bactérias comensais desenvolveram a fim de sobreviverem a esses peptídeos?
Para responder essas perguntas, Cullen e colaboradores (aqui) vieram demonstrar de maneira bastante elegante na edição de janeiro da Science que apesar de cada espécie de bactéria comensal possuir sua própria assinatura gênica de resistência frente a uma resposta a peptídeos antimicrobianos, existe um único gene que é compartilhado por todas as bactérias comensais analisadas. Esse gene recebeu o nome de lpxF e possui como função dar origem a uma fostatidil-glicerol fosfatase, que por sua vez é responsável por catalizar a remoção de um grupo fosfato carregado negativamente do lipídeo A do LPS (Figura 1). De forma interessante, foi demonstrado que a bactéria comensal Bacteroides thetaiotaomicron possui entre 680-2400 vezes mais resistência a AMPs quando comparado a uma bactéria patogênica. Entretanto, quando as bactérias comensais possuíam mutações no gene lpxF, tornando-se incapazes de remover esse grupo fosfato do LPS, elas se tornavam completamente suscetíveis à ação dos AMPs. Um dos experimentos mais bonitos do trabalho foi colonizar camundongos germ-free com 14 espécies de bactérias que representassem os três maiores filos encontrados em humanos (contendo mutações ou não no gene lpxF) e infectar esses animais com uma bactéria patogênica (C. rodentium) 7 dias depois (Figura 2, barras vermelhas). Foi observado que bactérias mutantes para lpxF simplesmente sumiam após a infecção com C. rodentium, devido ao aumento da secreção dos AMPs (Figura 2B, barras pretas). No entanto, as bactérias wild-type permaneciam estáveis durante a "perturbação" causada pela infecção (Figura 2A, barras pretas). Em suma, o trabalho demonstra um dos mecanismos pelos quais nosso organismo é capaz de viver em completa harmonia com nossas trilhões de bactérias comensais. Nas palavras do próprio autor: “A delicate balance between microbial resilience and host tolerance thus allows for commensal persistence throughout a diverse range of perturbations while preventing commensal overgrowth or depletion, either of which could have deleterious effects on the host”


Figura 2: Camundongos germ-free foram colonizados com 14 bactérias encontradas na microbiota intestinal humana e foram infectados com C.rodentium (barras vermelhas) 7 dias depois. Barras pretas representam uma bactéria comensal sem (A) ou com (B) mutações em lpxF.

Post de Frederico Ribeiro (Doutorando IBA/FMRP-USP)


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