A propósito do post de ontem do João Carmo... E pensando em transmitir para o pessoal leigo este que foi o maior avanço dos últimos anos
Quem nunca
teve a impressão de estar fazendo um caminho muito mais longo e difícil do que
poderia ter feito, se tivesse divisado a rota antes de iniciar a jornada?
Desde que
me conheço por gente, um diagnóstico de câncer era uma das piores coisas que
poderiamos imaginar acontecer. Não apenas porque não havia grandes chances de
cura, mas porque o tratamento em si era debilitante e os efeitos colaterais,
assustadores.
Tumores
surgem porque às vezes os mesmos mecanismos biológicos que nos permitiram
evoluir a partir de uma única célula falham momentaneamente. Uma única falha
não gera um tumor; é preciso que se acumulem várias falhas em algumas células.
Por isso, na maioria das vezes, o câncer ocorre na idade adulta ou velhice, mas
nem sempre, há cânceres infantis. Células tumorais são rebeldes que não se
conformam mais com as regras definidas geneticamente para habitar um mesmo
corpo. Os cientistas que estudam o
câncer, na sua maioria, focaram em entender os mecanismos dessa rebeldia, e as
drogas anti-câncer sempre visavam impedir a divisão desenfreada dos tumores.
Essas drogas salvaram e prolongaram muitas vidas, mas sempre debilitaram muito
a pessoa que as recebe.
No nosso
corpo, as células que se dividem mais rápido, depois de um tumor, são as
células do sistema imune. Nossas defesas funcionam como um mercado econômico
regulado por oferta e demanda. As células imunes se dividem quando temos uma
infecção, e voltam ao numero normal quando não são mais necessárias. Ao impedir
a expansão do câncer, algumas drogas impediam também as nossas defesas.
Nos últimos
dez anos, depois de mais de um século de debate, surgiu o mais revolucionário
tratamento anti-tumoral: a ativação da resposta imune. Resulta que os tumores,
ao crescer, são vistos e inicialmente contidos pelas nossas defesas, mas acham
maneiras de bloquear as mesmas, e voltam a se expandir. Os novos medicamentos
anti-câncer desfazem esse bloqueio, deixando que o próprio corpo controle o
tumor. O medicamento não age no tumor, age na resposta. Tudo ainda inicial,
tudo ainda com efeitos colaterais, muito ainda a ser melhorado. Mas, que volta
comprida tivemos de fazer, ao ignorar o potencial que a evolução nos deu.
Nossas defesas agem para conter o desequilíbrio, venha ele de fora ou de dentro
do corpo.
Por séculos,
muitos estudiosos de tumores e especialistas em infecções não acreditaram que
existisse uma conexão tão profunda entre seus respectivos campos de trabalho.
Como em uma
fábula zen, a cura estava dentro de nós, ao invés de na sabedoria de outro ou
em alguma poção mágica. Estava amortecida e precisava de uma cutucadinha, mas
sempre esteve lá. Esperemos
que esse seja o caminho mais curto.
Coluna publicada no Jornal Zero Hora, 30 de novembro de 2014
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