Vira e mexe voce abre um jornal no Brasil e alguém pergunta: Quando é que vamos ganhar um prêmio Nobel?
Acabamos de ganhar um (ou quase, mas tão importante quanto).
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Vi no canto da página do Estadão que Artur Ávila tinha ganho a medalha Fields. Isso, alem de me agradar e me fazer feliz por ele, me transportou pra Califórnia no princípio dos anos 80, onde conheci vários estudantes de matemática. Sujeitos pra lá de brilhantes, o avesso de matemático doido. Um deles era Alexandre Freire, um carioca que tinha trabalhado com um chinês chamado Yau, em Princeton, e tinha se deslocado com o dito cujo para San Diego. Alexandre tinha vários amigos, o mais chegado era Chepe, um colombiano que como Alexandre, e Artur, era cria do IMPA. Chepe fez uma carreira brilhante, ganhou um prêmio das mãos de Bill Clinton, e morreu muito jovem. Alex continua por aqui, hoje é professor no Tennessee. Eram conversas ótimas, conversávamos sobre tudo, literatura, política, mundo, e sobre as meninas bonitas do campus. E tome estória de matemática, com as geometrias, os espaços, os sistemas dinâmicos. Os problemas, as provas, os mitos. Eu ficava de boca aberta com as conversas. Ali, o Fields Medal era quase uma coisa sacrossanta. Eles falavam com reverência sobre o assunto e falavam muito do IMPA, do grande instituto de matemática no Rio. Uma referência no mundo.
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Mas vamos voltar pro prêmio Nobel... Esse negocio de prêmio Nobel deu muito auê por causa do Nicolelis. Muita propaganda, muita falação, um certo sentimento de inferioridade com os hermanos, que já abocanharam 3 em ciência, e a síndrome do vira-lata. Muita coisa misturada. Eu acho que essa discussão na verdade, não é muito importante. O Nobel não é atestado de capacidade. Se fosse assim ingleses e americanos seriam os seres mais capazes do planeta. O Nobel, antes de mais nada, atesta qualidade (e invenção). Um país não se faz com Oscars, prêmios nobeis, etc. Um país se faz com mentes, com educação, com ciência, com descoberta. Ganhar prêmio Nobel, portanto, não deve ser a meta da ciência brasileira. A meta da ciência brasileira deve ser gerar cientistas brasileiros. O Nobel virá depois disso. E ajudará a convencer e seduzir mais gente, etc.
Então escrevam, o Nobel virá.
Um dia, alguém ganhará. Talvez um brasileiro que saiu. Isso aconteceu com Milstein, e com muitos cientistas que foram morar fora de casa. Taí uma geração nova. Boto fé neles. Não somos menos inteligentes que ninguém.
Ou sairá de dentro do Brasil. Mas acho que pra isso acontecer vamos ter que seguir um modelo diferente do que temos. Vamos ter que seguir o modelo IMPA (como provado por Artur).
Artur Avila, sobre o qual a Piauí e Joao Moreira Sales fizeram artigos e um documentário, é um gênio brasileiro mais novo que minhas filhas. Estudou no IMPA, e hoje, alem de ensinar no IMPA, trabalha num CNRS em Jussieu em Paris. A primeira constatação é que o sujeito teve bons professores. O IMPA deu isso pra ele. A segunda é que ele tem um emprego no Brasil, outro fora. O Hollande disse que era orgulho pra França, palmas pra ela também.
Jacob Palis, presidente da Academia Brasileira de Ciências, foi diretor do IMPA. Alguma coisa ele e a geração dele fizeram certo. Aprenda-se com isso. Replique-se. Biologia, química, física, requerem mais que quadro negro e computadores. Mas o IMPA parece ser aquilo que estava falando outro dia aqui. Um centro de pesquisa sem muita burocracia. Um centro onde as melhores mentes trabalham. Duvi-de-o-dó que tenha eleição pra reitor por lá. Duvido que tenha carga letiva que não acabe mais. Imagino que tenha seus defeitos, suas mazelas. Mas tá aí. Foi o lugar de onde saiu Artur. Uma geração de matemáticos brilhantes gera mais matemáticos brilhantes. O saber do país cresce.
E ganha o reconhecimento devido.
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PS. Mandei o texto pra Alex e ele me respondeu. Alguns trechos…
Minha opinião: essa medalha Fields para o Artur Avila, no fundo, é um reconhecimento da comunidade matemática internacional ao valor e importância do IMPA. E essa projeção foi construída metodica e deliberadamente ao longo dos anos, por matemáticos brasileiros que além de nível internacional como cientistas sempre foram muito abertos a formar “conexões".
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Como instituição científica, o IMPA tem aspectos únicos para atração de talentos: não tem burocracia nenhuma--ninguém pede diploma ou exame, qualquer um pode entrar e assistir aula ou palestra, e tendo talento começa imediatamente a interagir com matemáticos que são líderes internacionais em suas áreas--não só do quadro do IMPA, mas através do programa intenso de visitantes estrangeiros. Eles têm autonomia administrativa, e usam pra criar condições para fazer pesquisa (prioridade número um, sem pedir desculpas) e desenvolver conexões de pesquisa com o exterior, baseadas unicamente em excelência (o país de origem é irrelevante). E, por outro lado, nos cursos não fazem concessões: apresentam a matemática como ela é, em que grande parte do fascínio vem da dificuldade intrínseca, até para quem pensa nesses problemas o tempo todo.
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O interessante da medalha do Artur Avila (para mim) é que não é um fato isolado, mas reflete o desenvolvimento do IMPA como instituição. Ou seja, um matemático jovem brasileiro fica sabendo que pode estudar no IMPA e eventualmente ganhar uma. E o IMPA é talvez sui generis no Brasil: é o que acontece quando pessoas idealistas e de alto nivel científico tem independência para gerir um instituto de pesquisa sem influência politica, sem nacionalismo estúpido, e unapologetically "elitista" (como a pesquisa matemática em geral.)
A melhor consequência possivel da medalha Fields seria que cientistas no Brasil em outras áreas olhassem com cuidado o IMPA (que historicamente desperta inveja, por exemplo nos físicos) e copiassem/adaptassem o modelo a suas áreas.
Abração,
Alexandre
Importante post Sergio, não conhecia o IMPA, apenas pelo lado de fora por ser em um local muito especial e agradável. Mas alguns anos atrás houve um meeting em inflamação organizado por alguns amigos cariocas e o IMPA emprestou o auditório onde ocorreu. Estive lá participando do meeting e imediatamente me entusiasmei com o lugar, com o ambiente acadêmico, com a atmosfera ”estudantil” contagiante, etc. Durante o meeting falei com alguns amigos que as Ciências Biomédicas precisava imediatamente de algo parecido no Brasil, era urgente. Infelizmente a resposta de alguns: “isso foi construído em outra época, agora não temos mais espaço para este tipo de instituição, necessitamos de instituições aplicadas a nossa realidade de saúde”. Bem, está demonstrada, realmente precisamos de outros IMPAs no Brasil para todos as ciências que ainda privilegiam o mérito acadêmico e a independência criativa.
ResponderExcluirJoao querido, muito obrigado pelo comentário. Beijos pra família!
ResponderExcluirhttp://www.nytimes.com/2014/08/28/world/americas/from-a-compound-in-the-brazilian-hills-excellence-in-math-emerges.html?module=Search&mabReward=relbias%3Ar%2C%7B%221%22%3A%22RI%3A8%22%7D&_r=0
ResponderExcluirMuito bons os comentários para além das merecidas homenagens ao Artur Avila e ao IMPA.
ResponderExcluirQuanto ao modelo de financiamento brasileiro, também penso que deva ser reformulado e vejo pouca pressão da comunidade cientifica para isto. As nossas academias, sociedades etc, quando falam, pedem apenas mais verba. Claro que necessitamos mais verba, mas somente isto não resolverá o problema.
Se continuarmos esperando que os políticos e administradores resolvam algo que nós mesmos não esclarecemos o que seja e nem pressionamos para obter, o avanço da ciência no Brasil ficará para as calendas gregas.
Barral, voce ta muito certo! Um abraco
ExcluirO artigo completo de Piaui esta aqui (não consegui o artigo em português
ResponderExcluirhttp://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-95/so-no-site/artur-has-a-problem
e pra provar mais uma vez que o lugar e' realmente excepcional aqui vai outro comentário de Alexandre:
ResponderExcluirEsse ano Princeton "roubou" do IMPA um pesquisador chamado Fernado Coda' Marques (que estudou com o Chepe!)
Pelo trabalho que tem feito (em geometria) e' um forte candidato a medalha Fields em 2018, quando o congresso sera' no Rio.