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quinta-feira, 16 de maio de 2013

O que acontecerá com a Imunologia quando o último Imunologista morrer?


Este post é do meu querido amigo João Daher, que testemunhou este pedacinho de história.

Há três semanas, a direção científica do NIAID (National Institute of Allergy and Infectious Diseases), parte dos National Institutes of Health, fechou o laboratório de Polly Matzinger. Mesmo quem não sabe muita imunologia já ouviu falar do famoso Danger model. Então, sim, estou falando dessa Polly Matzinger. Muitos outros laboratórios considerados improdutivos estão sendo fechados, num momento em que a demanda é grande, o dinheiro é pouco (mesmo nos USA) e a pressão é muita. Impressiona a falta de mobilização da comunidade científica para proteger seus integrantes. Talvez, em tempos de grande concorrência, nos falte um senso de comunidade.
 
Com a aposentadoria “forçada” da Polly, a sensação é que um pouco da Imunologia morre. Parece paradoxal dizer isso num momento em que há tanta gente fazendo Imunologia, tanto artigo sendo publicado. Eu me pergunto o que fazer com tanta informação. A Imunologia, que se beneficiou tanto da discussão conceitual, de gente brilhante com visões opostas, propondo diferentes modelos para explicar as mesmas observações, parece ter se esquecido da própria história. Agora, é o volume de informação o que importa. Quanto mais melhor. Uma coisa bem americana... Quem vai fazer sentido disso tudo?

Morre também o modelo do imunologista que sabe Imunologia. Que consegue pensar nos diversos aspectos do sistema imunológico de forma crítica – não somente daquela específica molécula no qual se está interessado (aka pseudo-imunologista).  Uma amiga que fez doutorado em Yale, uma vez me contou que lá, no início do curso, os alunos são introduzidos ao corpo docente e que cada um dos professores tem alguns minutos para falar livremente sobre os seus interesses em pesquisa. Quando chegou a vez do Janeway, ele levantou e disse:
“oi, meu nome é Charlie Janeway, e eu estou interessado em entender como o sistema imunológico funciona”. Polly Matzinger certamente é alguém interessada em entender como o sistema imunológico funciona. Não tem muitos como ela por aí. Polly e Janeway são também um grande exemplo de como visões opostas sobre um mesmo tema, discussão, enriquecem a Imunologia.

O fechamento do laboratório da Polly não teve a repercussão que achei que fosse ter, mesmo dentro do NIH.  É temerário que tenhamos chegado a um modelo de produtividade baseado exclusivamente no número de artigos que fulano publicou no último ano. Que não se dê o valor para aqueles poucos que são capazes de balançar as bases de uma ciência propondo algo realmente novo. O problema é que isso – genialidade – não é algo que se possa medir pelo número de artigos que o fulano publica. É também temerário que tenhamos chegado a um modelo em que discutir, contestar e  especialmente publicar dados que contradizem a literatura tenha se tornado impraticável (vide recente editorial no grupo Nature sobre o assunto). Para onde vamos, não sei.

Arturo Casadevall, outro grande, sempre diz que nós cientistas devemos cuidar muito bem dos nossos concorrentes, porque no fundo eles são os únicos que se importam com o que a gente faz. Não vou mentir, dá um certo alívio saber que a próxima vez que eu der um seminário no NIH, Polly não estará lá para me torturar. Mas dá também uma certa tristeza porque é gente como ela que mantém a chama da Imunologia viva.

Joao Monteiro
Postdoctoral fellow
Laboratory of Systems Biology
NIAID/NIH


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13 comentários:

  1. Eu tive o prazer e a honra de chaperonear a Polly por 3 dias quando ela visitou o National Jewish. Minha impressão de estudante: brilahnte, furacão humano, fearless. Not necessarily right, mas apaixonada pela imunologia. Testemunhei ela batendo boca com o janeway e depois trocarem beijos e abraços. Bons tempos.

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  2. Muitos estudantes iniciam a carreira acadêmica acreditando que vão encontrar esse tipo de ciência: a busca pelo conhecimento, entender como algo funciona e no final se deparam com um sistema burocrático, industrial e bairrista...No final, esses estudates são vendidos e passam a fazer parte do mesmo sistema e acreditar que isso é o certo (será a teoria da adaptação já comentada aqui?). Muito triste mesmo o que aconteceu com a Polly, e o mesmo já aconteceu no Brasil. Mais triste é pensar: onde isso vai parar?

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  3. É realmente preocupante! Polly como bem descreveu a Cristina é brilhante, apaixonada pela imunologia e apaixonante! A necessidade de produzir em detrimento do conhecimento mais genuíno nos deixa refem desse tipo de situação. Lá como aqui!

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. é uma imensa decepção, mas não podemos nos desanimar ou desacreditar! polly, mais que brilhante, tem brilho! apaixonada! dedicada! intensa! e genial. genial pq é ousada, não se liga na moda, mas no que considera conceitualmente importante. como ela mesmo diz "you get to stick your neck out" ou "change the course of mighty rivers", otherwise...parece que a ciencia tá virando o otherwise...costumo chamar de capitalização da ciencia a utilização dos critérios atuais! que esvaziam e não formam os novos de maneira sólida.
    e o que espanta, como o João Paulo citou, é a desunião da comunidade que na competitividade perdeu a memória das grandes contribuições de grandes cientistas para a imunologia!

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  6. Tive o imenso prazer de vivenciar uma discussão Janeway/Matzinger... se não me engano, ela usava um cabelo azul na época e o Janeway já não andava bem.

    No final das contas, olhando para mais de uma década de história da imunologia sendo escrita com o advento dos PRRs, acho que os dois estavam certos. Hoje, o 'Danger Model' da Polly converge cada vez mais para os receptores inatos inicialmente descritos pelo Janeway. Basta ver o paper do Ruslan Medzhitov sobre o 'Danger' tecidual na Science e os DAMPs detectados pelo hoje famoso Inflamossoma...

    Quanto ao comentário do anônimo (Põe o nome aí rapaz/rapariga!!!), é só não se deixar contaminar pela onda majoritária.

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  7. Por que motivo o governo através do CsF não busca trazer a Polly para o Brasil?

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  8. Raphael, ótima sugestão. Mas o governo é um sujeito muito abstrato.
    Ainda assim, talvez pessoas como Polly já não caibam no gerencialismo de repartição que está tomando conta de tudo. Estamos diante de uma fase de transição? Aqueles que estão dispostos precisarão entrar para o jogo, sobreviver ao sistema e então mudá-lo para melhor. Não se trata de revolução, de ruptura, mas de adequação, de ajustes, de re-estruturação com reflexão crítica. Já que nos sentimos desconfortáveis, precisamos agir e não apenas reclamar. Falta ação, falta identidade, o que culmina na (quase) indiferença à desativação do laboratório de Polly Matzinger por seus pares. Talvez isto tudo seja 'apenas' reflexo de tempos em que vivemos de modo acelerado, competindo globalmente mas vivendo em condições locais muito distintas, transformando tudo em produto capitalizável e centrados desde muito cedo no cultivo do 'eu', como se fôssemos unidades desconectadas. Tudo bem, isso é também um instinto animal, mas esperava-se que o nível de conhecimento que possuímos pudesse suplantá-lo por outro tipo de comportamento.
    Enfim, quanto a pergunta do post, creio que quando o último imunologista morrer, a imunologia será, de uma vez por todas, uma subdivisão da biologia molecular. Mas o exemplo de Polly, e de tantos outros, serve para animar a todos para que esse dia não chegue.

    João Monteiro, ótimo o seu post. Parabéns. Mas creio que o Danger Model não é tão difundido assim, principalmente entre alunos de graduação que, muitas vezes, aprendem que 'o sistema imunológico serve para combater agentes patogênicos'. Uma visão um tanto quanto bélica, conduzida pela ilusão de que nada é mais importante que 'eu'. Portanto seu post tem essa importância também. Creio inclusive que o tema 'Danger model' merece um post só para ele.

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  9. Que bela discussão rendeu o post do João. Para estes apaixonados que escreveram aqui, e para os que pensaram mas não escrevera, fica a missão de não deixar com que essa realidade se torne a unica - vamos valorizar nossos colegas brilhantes, nossa competição, porque eles nos fazem melhores. O que diferencia a Imunologia das demais ciencias sempre foi a capacidade de abstração dessas grandes mentes, nossos mestres, de imaginar o inimaginável, e de criar sistemas experimentais para estudar tas problemas. Minha previsão é a de que daqui a alguns anos, muita gente se arrependa de ter ficado iniferente a esse momento. Vamos falar sobre isso, e falar muito, pis o sistema imune nos ensina que é na diversidade que a vida floresce. Missão igrata, tarefa impossivel? Talhada para os apaixonados.

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  10. Olá João, belo post, parabéns por levantar essa questão. A Polly é excepcional, mas o que aconteceu com ela foi mais um jogo político do que outra coisa. Política existe em qualquer lugar, e aqui no NIH não é diferente. A Polly teve alguns desentendimentos e além disso recebeu uma avaliação baixa no BSC dela. E não foi (somente) por causa do número de artigos que o laboratório dela foi fechado, mas é isso que está sendo difundido. A Polly é respeitada sim aqui, como você sabe muito bem. O BSC, que é um processo de avaliação dos de PI's no NIH, julga um número de fatores, além do volume e qualidade de publicações, através de vário comitês. O lab da Polly recebeu uma nota surpreendentemente baixa para o nível esperado ao laboratório dela. A interpretação geral do comitê foi de que, apesar das importantes contribuições da Polly para a imunologia no passado, o laboratório dela há alguns anos não tem gerado conhecimento compatível com o dinheiro que recebia. Então o comitê que a avaliou recomendou uma série mudanças para ela se adequar ou ela receberia um corte de budget. Sempre esquentada, ela simplesmente não aceitou. Então, foi cortada. Então, na verdade, os motivos da aposentadoria da Polly como PI (ela se transferiu para o lab da Sue Pierce no Twinbrook II e está ativa lá, mas sem budget, sob o umbrella da Sue), envolveu vários determinantes não imunológicos. Então, a história é menos romântica do que parece.

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  11. O que aconteceu com o laboratório da Dra. Polly Matzinger pode ser relacionado com um fenômeno mais amplo que é a falta de respeito dos próprios pesquisadores para com a ciência e por consequência uns para com os outros. O laboratório da Polly foi fechado por um painel de cientistas, não de generais ignorantes.
    Na ânsia de confirmar suas hipóteses (e claro progredirem na carreira acadêmica) os pesquisadores inventam dados, ajustam resultados, ajustam condições experimentais, e o pior de tudo, usam a estatística para justificar o que parecia improvável. Em uma recente pesquisa, 1 em cada 3 cientistas revelaram anonimamente que usam práticas questionáveis (http://www.the-scientist.com/?articles.view/articleNo/35543/title/Opinion--Ethics-Training-in-Science/). Estas práticas questionáveis (deploráveis) e disseminadas hoje em dia, obviamente fizeram explodir o número de publicações, revistas on line, etc.
    A maioria das pessoas confunde este aumento no número de trabalhos publicados com aumento na produção científica, prática muitíssimo comum no Brasil. Há somente um detalhe, nem todo trabalho publicado (provavelmente a maioria) está correto devido ao que mencionei acima. Assim, os trabalhos são poucos citados e não podem ser continuados. Isto não pode ser considerado produção científica já que não adiciona nada a ciência. Para arredondar, enquanto os próprios pesquisadores não voltarem a tratar a ciência com o mínimo de respeito, continuará havendo centenas de Polly Matzingers atropeladas todos os dias. A ciência não vai morrer, por que no fim, como disse Dr. A. Casadevall “It can be argued that the scientific revolution has been the single greatest transformative event for humanity since the harnessing of fire ”. A ciência já sobreviveu a coisa pior: inquisição, nazismo, etc.

    Ass. Todo mundo me conhece e sabe o que eu penso (I´m back).

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  12. E quando baixaram o nível do Prof Nelson Vaz no CNPq de Pesquisador 1 para 2 porque ele estava presumivelmente rendendo menos? Seria isso uma boa razão para diminuir o nível de pesquisador de um cientista tão importante para a imunologia brasileira quanto o prof Nelson Vaz? Essas coisas acontecem por aqui também...

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  13. Tive o privilégio de fazer um curso no NIH em que uma das aulas, Innate Immunity and the Danger Model, era da Polly. Essa foi a maior proximidade que tive com ela, além dos seminários do departamento, talvez por isso admirasse tanto a genialidade dessa cientista "maluca", em todas as acepções possíveis do termo (risos). Sem usar um slide de power point (e talvez isto realmente assuste os moderninhos ipadizados e iphonizados de hoje), ela nos deu uma aula brilhante sobre como pensava antes da descoberta dos TLRs, como perguntava e questionava o modelo clássico de imunologia baseada na função "para nos defender de patógenos", como foi mencionado aqui. Muito antes das grandes questões imunológicas atuais virem à tona, como o "Microbioma" e por isso ela escreveu sobre o Modelo do Perigo, ela se perguntava por exemplo, "se é verdade que o sistema imune combate patógenos invasores, então porque a nossa microbiota não é totalmente destruída? Por que, em vez disso, a nossa microbiota vive em quase perfeita simbiose com o resto do organismo?..." Entre outros questionamentos fantásticos, tive a que foi a melhor aula de Imunologia da minha vida, sem sombra de dúvidas. Mas isso não é suficiente para a avaliação e este critério não fez parte, assim como os cientistas tecnoburocratas do orçamento não estavam lá presentes (porque provavelmente pensam que já sabem de tudo que uma cientista brilhante como esta seria capaz de pensar). Acho que assim será cada vez mais difícil surgir cientistas como o prêmio Nobel de 1960, MacFarlane Burnet, que apenas com suas observações propôs a Teoria da Seleção Clonal, que é uma das bases da Imunologia até hoje, e que apesar de não ter demonstrado a presença de linfócitos B, T e seus respectivos receptores (BCR e TCR), a teoria continua correta.

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