Para muitos estudiosos, o metabolismo é visto simplesmente como uma
maneira de estocar energia por meio do catabolismo ou ainda, através de vias
anabólicas, gerar macromoléculas necessárias ao crescimento e manutenção da
viabilidade celular. A elucidação de vias metabólicas permitiu uma nova
compreensão de distúrbios nos quais há óbvias disfunções no metabolismo, como aterosclerose
e diabetes. Porém, alterações na regulação metabólica são agora vistas de
grande importância também, em outras doenças como distúrbios que envolvem
condições inflamatórias. Dessa forma, o entendimento da dinâmica inter-relação
entre a maquinaria metabólica e a sinalização celular tem surgido como foco no
estudo de distúrbios metabólicos, câncer e, mais recentemente, no estudo da
resposta imune.
Em meados de 1920, o bioquímico alemão Otto Warburg propos que uma
desregulação metabólica é uma especial característica de células cancerígenas.
Em seus estudos, utilizando tecidos saudáveis e tumorais, ele percebeu que sob
baixas concentrações de oxigênio ambos os tecidos induzem a formação de altas
taxas de lactato, uma vez que a glicose, como substrato energético, não pode prosseguir
através dos demais passos de sua oxidação (ciclo de Krebs e cadeia respiratória)
na ausência de oxigênio. Em tensões normais de oxigênio, ele observou que
tecidos saudáveis apresentaram uma esperada redução na produção de lactato e,
surpreendentemente, os tecidos tumorais mantiveram um alto consumo de glicose,
com alta produção de lactato. Este efeito, no qual as células, mesmo sob
condições normais de oxigênio, produzem altas concentrações de lactato, passou
a ser denominado como “efeito Warburg” ou glicólise aeróbica.
Mas qual seria a relação entre todo este “palavriado” bioquímico e o
sistema imunológico? Recentes estudos estão demonstrando uma estreita relação
entre os processos metabólicos e a modulação da resposta imune mediada por
células do sistema imune. Desde a
descrição dos efeitos celulares demonstrados por Warburg foram escassos os
trabalhos investigaram o perfil metabólico das células do sistema imunológico.
Dentre eles, o estudo pioneiro de Oren e cols.
Recentemente, três elegantes trabalhos que abordaram o tema são dignos
de destaque. No primeiro deles, as mesmas mudanças no padrão metabólico
observadas por Warburg em células tumorais foram descritas em células T,
macrófagos e células dendríticas. Particularmente, Krawcsyk e et al., 2010, demonstraram
que a incubação de células dendríticas (diferenciadas in vitro) com LPS propicia um aumento no consumo de glicose,
aumento na formação de lactato e redução no consumo de oxigênio. Além disso,
estas alterações também refletiram no aumento da molécula co-estimulatória CD86
indicando uma modulação funcional destas células.
No segundo trabalho, Shi e colaboradores descreveram uma importante participação
do fator de transcrição induzido por hipóxia-1α (HIF-1α), o qual parece ser um
dos mediadores das mudanças no perfil metabólico das células inflamatórias e
também de células tumorais. HIF, é um complexo proteico heterodimérico que
regula a expressão de muitos genes, inclusive de enzimas que participam da via
glicolítica, em resposta à mudanças na disponibilidade de oxigênio. Os autores
demonstraram que células do padrão Th17 e Treg possuem marcada diferença em sua
atividade glicolítica e que estas diferenças estão sob o controle de HIF. A
diferenciação dessas subpopulações (Th17 ou Treg) também demonstrou ser
modulada por esse fator de transcrição. Por fim e, o grupo irlandês do
professor Luke O'Neill descreveu
que o succinato (succinato? Sim, succinato, aquele pequeno ácido dicarboxílico
com 4 átomos de carbono, intermediário metabólico no ciclo de Krebs e substrato
da cadeia respiratória) modula as funções de HIF-1α que se reflete na síntese de IL-1β por macrófagos. Trabalho recentemente
discutido no Journal Club aqui em
Ribeirão Preto.
Assim, o metabolismo tem surgido como um importante tópico nas pesquisas
biomédicas. Alterações metabólicas que ocorrem, não só em doenças metabólicas e
câncer, mas também durante a inflamação, podem permitir o maior entendimento
sobre a patogênese de tais doenças e desvendar novos alvos para terapia. Além disso,
parecem existir uma série de alterações metabólicas que são comuns tanto à
células inflamatórias, quanto à células tumorais indicando que, terapias
visandos alvos em comum poderiam ser utilizados no tratamento de ambos os
distúrbios. Outro importante aspecto que está mudando, é a visão de que os
ácidos orgânicos que fazem parte do ciclo de Krebs atuam somente como
intermediários metabólicos. A descoberta de novas funções para intermediários
metabólicos, como por exemplo, succinato, confirma ainda mais o papel do
metabolismo na modulação da resposta imune.
Post de André Luis Lopes Saraiva
Post de André Luis Lopes Saraiva
Doutorando do Laboratório de Inflamação e Dor (LID) – FMRP/USP
Referências
Krawczyk,
CM, et al. Toll-like receptor-induced
changes in glycolytic metabolism regulate dendritic cell activation. Blood, vol. 115, 4742-4749, 2010.
Oren, P. et al. Metabolic patterns in three types
of phagocytizing cells. J. Cell Biol.,
vol. 17, 487-501, 1963.
Shi, L.Z.
et al. HIF1α-dependent
glycolytic pathway orchestrates a metabolic checkpoint for the differentiation
of Th17 and Treg cells. JEM. vol. 7,
1367-1376, 2011.
Tannahill,
GM, et al. Succinate is na
inflammatory signal that induces IL-1β through HIF-1α. Nature, vol. 496, 238-242, 2013.
Muito legal o post André. Cada vez mais será preciso pensar de modo aberto e integrado.
ResponderExcluirExcelente post, André!!
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