Retomo o tema da qualidade na produção científica brasileira (recentemente tratada no SBlogI aqui e aqui) mas pretendo não focar a dicotomia qualidade vs quantidade. Até porque esta abordagem não me parece central. O fenômeno não é novo e se nutre de outros erros. O que hoje se chama “salami science” já foi mais elegantemente denominado de técnica de publicações de LPU (least publishable units) ou de publon, o menor quantum mensurável de publicação. O fato de publicar artigos curtos (e numerosos) não significa falta de qualidade. O problema é fazer este tipo de publicação comprometendo a qualidade apenas para ter um desempenho superior em avaliações também sem qualidade, por enfatizar excessivamente (para não dizer exclusivamente) a quantidade.
O post de Dario (aqui) bastante oportuno, chamou a atenção para a necessária mudança nos nossos processos de avaliação de pesquisadores, tanto para financiamento quanto para concursos e também para as nossas deficiências de infra-estrutura. O que mais necessitamos para fazer ciência de alta qualidade?
Para além dos tópicos já citados, inequivocamente importantes, devemos lembrar dos grandes entraves burocráticos que temos:
O regime de compras para pesquisa, e o de importações especialmente, obedece uma legislação inapropriada para as peculiaridades da prática científica. Vejam um texto do The Challenge of Establishing World Class Universities, (2009) de Jamil Salmi, do Banco Mundial: “University of São Paulo is the most selective institution in Brazil and it has “the highest number of top-rated graduate programmes, and every year it produces more PhD graduates than any US university”.; But he laments: “At the same time, its ability to manage its resources is constrained by rigid civil service regulations, even though it is the richest university in the country;
O regime de contratação de pessoal é também muito rígido o que dificulta formar equipes para projetos.
A quase ausência de institucionalização das atividades de pesquisa também adiciona uma parcela importante de dificuldade. Um exemplo recente foi a falta de apoio institucional aos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs). A aprova dos INCTs aportarem um importante volume de recursos, muito poucas instituições ofereceram condições adequadas de operação aos Institutos nela sediados. O padrão majoritário foi um olímpico desconhecimento dos INCTs (acho que o COI ainda não bloqueou o uso do termo olímpico só o de Olim*íadas, mesmo que científicas)
Mas precisamos também olhar as nossas mazelas internas:
Porque não temos disciplinas oferecidas em língua inglesa para estimular o intercâmbio de estudantes? O domínio apropriado do inglês não é importante para os nossos estudantes, mesmo que não haja alunos estrangeiros na sala? Vejam o que Salmi fala a respeito das nossas Universidades: “It has very few linkages with the international research community, and only 3 per cent of its graduate students are from outside Brazil. The university is very inward-looking.” O mais grave é que ele se referia à USP, imaginem que esta percentagem é ainda mais baixa na demais universidades brasileiras. A ciência de ponta hoje exige a colaboração de muitos grupos, distribuídos em muito países, e baixo domínio do idioma inglês, lingua franca científica, não ajuda o nosso desenvolvimento;
Voltando ao ponto inicial, o da avaliação da produtividade individual, o que você acha da autoria graciosa? A inclusão de co-autores que não participaram efetivamente do trabalho não ajuda muito em identificar os verdadeiros autores, aqueles que contribuíram de forma genuína com o avanço do conhecimento científico e isto não depende de dinheiro, depende de leis …. internas e não escritas da comunidade científica. Voce já foi a uma das festas abaixo?
Créditos das ilustrações:
Salame (http://www.salami.li)
Festa de co-autores (http://thedailyomnivore.net/2012/03/01/least-publishable-unit/)
Mto bom o post!
ResponderExcluirEu particularmente adoro esse tipo de assunto, acho mais produtivo do que simplesmente relatar o que um artigo saído do forno hj de manha trouxe de conhecimento científico (não que não seja agradável receber gratuitamente uma versão resumida dos fatos....)
Na minha pouca experiência científica, tenho observado que a questão problemática de co-autoria é puramente uma questão de ética dos pesquisadores líderes (ou melhor, falta de ética). Co-autoria virou moeda de troca no meio ciêntifico: eu te dou o anticorpo e vou no artigo, eu te dou o camundongo geneticamente modificado e vou no artigo, vc vem aprender a técnica/fazer o experimento com meu aluno de pós-graduação e EU vou no teu artigo, vc usa um aparelho que só tem no meu lab e eu vou no seu artigo, etc.... Além disso, tem a questão do trenzinho-da-alegria: somos pesquisadores amigos, precisamos de publicação, entao eu vou nos seus artigos e vc vai nos meus, ok? Ah! tem tbm a promoção de determinados pós-graduandos: a proxima vaga aberta em nosso departamento será pro fulano e/ou beltrano então vamos rechear o currículo deles.... e assim por diante.
Já fui em algumas discussões de ética na pesquisa e a co-autoria tbm foi abordada. Questões como cargos na instituição (ex. chefe do laboratorio, departamento etc) não são sinonimos de co-autoria (aqui vale ressaltar a ética e interesse do aluno que muitas vezes quer o nome específico do pesquisador X ou Y só para ter "peso" no seu trabalho); dar palpites, idéias sem ajudar na execução e/ou análise dos resultados tbm não é coautoria, afinal se eu te dar uma idéia por dia, atirando pra todos os lados, é claro que uma hora algo será acertado e servirá pro trabalho rs.
Há pouco tempo fui indagada: Quem são seus colaboradores? Então listei os nomes das pessoas que me ajudavam na bancada durante o experimento. Em seguida houve a seguinte afirmação: Trabalho braçal qualquer um faz, chama a menina que limpa o chão que ela te ajuda... quero saber quem que te ajuda a pensar... Bem não posso escrever o que me passou pela cabeça naquele momento, mas, não entrando no mérito da questão técnica (afinal foi banalizado nosso serviço de bancada, como se não precisasse de qualificação alguma para fazer qualquer experimento), naquele momento repensei o que seria um colaborador. Apesar daquela afirmação nao vir de uma pessoa qualquer, continuei com o pensamento que tinha até então: meus verdadeiros colaboradores são aqueles que me AJUDAM na bancada, sem eles eu nao poderia fazer experimentos gigantescos sozinha, são aqueles que trocam idéias comigo durante o experimento, que ao ver meus resultados discutem o pq que pode ter dado aquele resultado contrário do esperado, e nao simplesmente dizem: vc fez errado, refaça! E a co-autoria deles eu, pelo menos, não abrirei mão. Claro que não posso esperar o mesmo daqueles que ajudo, mas cada um com sua consciência.
Acho que estes tipos de assuntos no blog, apesar de não virem junto com respostas e receitas pra solucioná-los fazem cada um de nós pensar sobre nossa posição sobre estas questão que lidaremos diariamente nesta carreira que escolhemos. Se a mudança partir de cada indivíduo aí sim o todo pode mudar, pq mesmo com leis e regras a serem seguidas, quem vai fiscalizar? como vai ser garantida a ética de cada um? isso tem que partir da posição profissional que cada um assume, infelizmente....
Sairia mto caro pro governo colocar agentes disfarçados de estudantes pra fazer esta fiscalização? rs acho que estou assistindo mtos seriados rs