A malária aviária
foi motivo de grande interesse no período compreendido entre 1890 e 1940, pois
os pesquisadores a viam como bom modelo de estudo para malária humana. Provavelmente esse ímpeto tenha sido em parte
alicerçado pelo próprio Laveran, que convocou médicos a avançarem na pesquisa
com parasitos hemosporídeos de aves, terreno normalmente ocupado na época por
naturalistas. De fato, muitas descobertas foram aplicadas, como a observação in vitro da fusão entre macro e
microgametócito, formando o oocineto. Na época, se supôs que o mesmo poderia
ocorrer com os agentes etiológicos da malária humana. Em 1898, o médico britânico Ronald Ross
descreveu a fase sexuada do ciclo do Plasmodium
relictum no sistema digestivo do vetor
Culex e consequente infecção da ave após sua picada. No ano seguinte, foi
demonstrada a fase sexuada do ciclo em vetores também da malária humana. Curiosamente, Aedes aegypti é um excelente vetor para um Plasmodium aviário altamente patogênico para galinhas e aves
selvagens, Plasmodium gallinaceum,
endêmico no Sudeste Asiático.
As malárias
aviárias possuem patogênese multifatorial, estando relacionada com anemia,
inflamação, coagulopatia e alterações neurológicas. Como resultado da infecção
experimental, podemos observar 70% ou mais de parasitemia em aves infectadas
por Plasmodium gallinaceum ou baixas
parasitemias em infecção por P.
juxtanucleare, ambos em galinhas. A
hemólise durante a fase eritrocítica não é somente intravascular, mas também
extravascular, uma vez que a inibição de i-NOS resulta em menor perda de
hemácias.
Mas se há
similaridades em sua patogênese, há profundas diferenças em seus ciclos de vida
quando comparadas com as malárias dos primatas. Existe um ciclo
exoeritrocítico, embora este não ocorra nos
hepatócitos, mas nos macrófagos. Após a inoculação dos esporozoitos pela
picada do vetor, estes podem infectar macrófagos dermais e converterem-se em
criptozoitos e posteriormente em metacriptozoitos em outros tecidos, inclusive macrófagos
alveolares. Pode haver conversão em fanerozoitos e continuar o ciclo
exoeritrocítico ou em merozoitos e finalmente começar o ciclo eritrocítico.
Entretanto, merozoitos podem novamente converterem-se em fanerozoitos e haver
continuação do ciclo exoeritrocítico, inclusive em endotélios cerebrais.
Atualmente, há
preocupação de introdução de patógenos em áreas não endêmicas. Verdadeiros
catástrofes ambientais foram seguidos pela introdução de Plasmodium relictum e seu vetor Culex
quinquefasciatus no Havaí, com a extinção de várias espécies de pássaros. Recentemente, em estudos em área de mata seca
no estado de Minas Gerais pelo grupo da professora Érika Braga, foram
identificadas 89 linhagens de Plasmodium
em aves, sendo a grande maioria completamente desconhecida da ciência no que
diz respeito aos aspectos imunobiológicos. Vale ressaltar que a maioria dos animais
capturados em redes em estudos de campo, normalmente não apresentam alteração
clínica, estando provavelmente na fase crônica da doença. Essas análises não levam em conta,
obviamente, a fase aguda da doença, quando a morbidade prejudica o vôo e
consequentemente a captura. Desta forma, estudos experimentais são extremamente
importantes ao conhecimento das relações parasito-hospedeiro destes parasitos,
principalmente na fase aguda da doença. Portanto,
parece ainda haver um amplo campo de estudo a ser explorado no que diz respeito
a malária aviária, especialmente no Brasil.
Post de Farlen Jose Bebber Miranda
Pós-doutorando do Laboratório de Imunopatologia
CPqRR/ Fiocruz
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