Autor: Dinler Amaral Antunes, Bacharel em Biomedicina pela UFRGS, Mestrado e Doutorado pelo PPGBM/UFRGS e pós-doutorado pela Rice University (Texas/EUA).
O ancoramento molecular (ou docking) tem sido amplamente utilizado para predizer a estrutura de complexos proteína-ligante, tanto na academia quanto na indústria [1]. Existe uma grande diversidade de programas, oferecendo recursos para abordar diferentes problemas e diferentes níveis de flexibilidade do sistema [2]. Na imunologia, uma das mais interessantes aplicações do docking diz respeito a predição de complexos peptideo-MHC de classe I (pMHC-I) [3,4], um componente central para a resposta imunológica celular. Esta aplicação, no entanto, não é trivial.
O ancoramento molecular (ou docking) tem sido amplamente utilizado para predizer a estrutura de complexos proteína-ligante, tanto na academia quanto na indústria [1]. Existe uma grande diversidade de programas, oferecendo recursos para abordar diferentes problemas e diferentes níveis de flexibilidade do sistema [2]. Na imunologia, uma das mais interessantes aplicações do docking diz respeito a predição de complexos peptideo-MHC de classe I (pMHC-I) [3,4], um componente central para a resposta imunológica celular. Esta aplicação, no entanto, não é trivial.
Para predizer a conformação mais provável de um ligante na fenda do receptor o programa de docking deve explorar todas as ligações flexíveis do ligante, bem como movimentos de rotação e translação. Na maioria dos casos o docking é aplicado para ligantes pequenos (até 10 ligações flexíveis), sendo que a acurácia e a performance das predições decai com o aumento da flexibilidade do ligante [5,6]. Ligantes peptídicos representam um desafio particular para o docking, uma vez que apresentam uma cadeia principal bastante flexível e cadeias laterais que podem também adotar uma diversidade de conformações. Um estudo recente salientou a limitação dos protocolos convencionais na predição estrutural de ligantes peptídicos com até 5 resíduos [7]. Estes dados salientam o enorme desafio referente a aplicação de ferramentas de docking à moléculas de MHC de classe I, uma vez que os ligantes envolvidos são peptídeos contendo entre 8 e 11 resíduos e mais de 35 ligações flexíveis.
Tendo em vista a importância da análise estrutural de complexos pMHC-I e as limitações dos métodos experimentais para a resolução destas estruturas (sobretudo considerando-se a grande variabilidade deste sistema), diversas abordagens foram propostas para tentar viabilizar a predição estrutural in silico de complexos pMHC-I. Dentre os exemplos mais notáveis, eu saliento o trabalho pioneiro de Andrew Bordner [3,9], bem como as ferramentas DynaPred, MHCsim e pDOCK. Apesar de apresentarem sucesso em casos particulares, estas ferramentas possuem limitações importantes e na maioria dos casos envolvem o uso de diferentes softwares e até mesmo pacotes pagos. O único desta lista que foi disponibilizado na forma de um servidor online foi o MHCsim, que na verdade não realiza a predição por docking, mas apenas converte uma estrutura conhecida (cristal) no complexo de interesse ("mutando" as posições discordantes).
Em 2010, um grupo da UFRGS publicou um protocolo para a predição estrutural de complexos pMHC-I combinando etapas de docking e minimização de energia [10]. O protocolo foi explicado em um post anterior aqui do blog. Assim como os métodos descritos anteriormente, este protocolo envolve uso de diferentes programas e uma série de etapas de preparação e conversão de arquivos, dificultando seu uso por outros pesquisadores. No entanto, um esforço foi feito para automatizar todas as etapas e implementar o protocolo em um servidor que pudesse ser acessado livremente, sem exigir do usuário qualquer conhecimento de bioinformática. Assim surgiu o DockTope, a nova alternativa para a predição estrutural de complexos pMHC-I. Basta escolher o alelo de MHC de interesse, fornecer a sequência do peptídeo e aguardar o resultado. A técnica depende da utilização de padrões estruturais compartilhados entre peptídeos apresentados por um mesmo alelo de MHC, os quais foram determinados para 4 alelos de MHC até o momento [10]. Apesar de existirem exceções a estes padrões, um artigo publicado recentemente na Scientific Reports demonstrou a robustez do método [4]. A técnica foi empregada na reprodução de 135 estruturas cristalográficas de complexos pMHC-I (não redundantes), apresentando um valor médio de RMSD para todos os átomos do ligante inferior a 2 Å (abaixo da resolução média dos cristais utilizados, Figura 1).
11,12,13]. Com base na similaridade estrutural dos modelos de complexos pMHC-I foi possível predizer eventos de reatividade cruzada de linfócitos T, envolvendo peptídeos de diferentes vírus e com baixa similaridade de sequencia [13]. Estes dados reforçam a validade biológica dos modelos gerados, salientando a aplicabilidade deste método para o desenvolvimento de vacinas.
O DockTope já está sendo aplicado em larga escala para modelar uma série de alvos (principalmente peptídeos virais) os quais estão sendo depositados em um banco de dados desenvolvido pela mesma equipe, o CrossTope [14]. Neste site o usuário pode pesquisar os complexos que já foram modelados e obter informações sobre o receptor e o ligante, bem como links para outros bancos de dados. Também é possível comparar complexos de interesse e observar o potencial eletrostático da superfície de interação com o TCR. Apesar de possibilitar a modelagem de um número restrito de alelos de MHC, o DockTope inclui justamente alelos de elevado interesse para os imunologistas. O HLA-A*02:01 é um dos mais frequentes alelos em humanos [15] e o alelo HLA-B*27:05 foi associado ao controle da infecção por HIV e HCV [16,17,18], bem como a eventos de autoimunidade (ex.: espondilite anquilosante) [19].
Limitações: Conforme mencionado anteriormente, já foram identificados alguns exemplos de exceções aos padrões utilizados para modelar a cadeia principal dos peptídeos [10]. Até o momento não é possível identificar com base na sequência se o alvo de interesse será uma destas exceções, então existe um erro associado a técnica. Este tipo de incerteza é comum a qualquer método de predição e os dados de reprodução de cristais mencionados anteriormente reforçam a ideia de que a técnica é bem sucedida na maioria dos casos, pelo menos para estes alelos (HLA-A*02:01, HLA-B*27:05, H2-Db, H2-Kb). É possível observar na Figura 1 que a média de RMSD das reproduções para HLA-B*27:05 foi mais alta que para os demais alelos, o que salienta a complexidade associada a flexibilidade do ligante. Peptídeos restritos a este alelo apresentam um conteúdo maior de argininas, as quais possuem longas cadeias laterais, sendo particularmente difíceis de predizer com acurácia. Nesta primeira fase, o DockTope não permite que o usuário modele múltiplos alvos ao mesmo tempo, o que dificulta a modelagem de um conjunto grande de complexos. Estas restrições devem ser flexibilizadas em um segundo momento, a medida que for confirmada a demanda pelo serviço.
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