Sabe-se que a progressão do HIV
para a AIDS (acquired immunodeficiency
syndrome) está associada à depleção dos linfócitos T CD4+ e ativação
crônica do sistema imune, entretanto esses processos não são completamente compreendidos.
A partir de 1995, Muro-Cacho
e colaboradores, dentre outros grupos, verificaram que os linfócitos T CD4+
infectados pelo HIV apresentavam fragmentação do DNA e elevada taxa de
apoptose. Após alguns anos, o mesmo grupo que publicou o artigo que originou
este post. Foi verificado que os linfócitos T CD4+ que sofriam
apoptose eram aqueles que estavam infectados produtivamente com o vírus do HIV,
ou seja, onde o vírus era capaz de se replicar e produzir novas cópias virais
maduras capazes de infectar outras células (Doitsh et
al., 2010). Nesse mesmo trabalho, foi observado que a morte de linfócitos era
decorrente da ativação de caspase-3. Porém o que intrigava o grupo era o fato
de que a maioria das células T CD4+ depletadas dos tecidos linfoides
secundários, aparentemente, não estavam infectadas com o vírus do HIV. Esses
linfócitos apresentavam uma infecção abortiva, onde o vírus é capaz de ser
internalizado, porém devido à presença de moléculas inibidoras do hospedeiro, a
replicação viral não acontecia, devido à ação comprometida da transcriptase
reversa. Até o momento não era sabido como acontecia a morte desses linfócitos
abortivamente infectados, porém era conhecido que havia ativação de caspase-1 e
produção de IL-1b. Esses dados permitiram o grupo
investigar qual o mecanismo pelo qual os linfócitos T CD4+ estariam
morrendo.
Em
janeiro desse ano (Doitsh et al., 2014), o grupo
mostrou que o mecanismo de morte das células T CD4+ infectadas pelo
HIV vai além da ativação de capase-3 e apoptose. Utilizando-se culturas ex vivo de células oriundas da
tonsila/baço de pacientes saudáveis e infectadas experimentalmente pelo HIV, os
autores mostraram que a apoptose de células T CD4+ nesses órgãos
linfóides ocorre em apenas uma pequena fração das células, justamente naquelas produtivamente
infectadas pelo vírus. A maioria absoluta (95%) das células T CD4+
nesses tecidos morrem mediante a infecção abortiva, que leva à ativação de
caspase-1 e piroptose. O artigo elucida que a ativação de caspase-1/piroptose e
liberação de IL-1b se dão de forma dependente de
ASC, porém independentemente de NLRP3. Como os tecidos linfóides são os
principais reservatórios de células T CD4+, esse mecanismo de morte
pode ser a principal causa da diminuição da contagem dessas células e progressão
para AIDS.
Como
a ativação de caspase-1 e piroptose é uma forma de morte celular que resulta em
extravasamento de material intracelular e liberação de IL-1b, ocorre
inflamação nesses tecidos, atraindo novas células T CD4+ e levando à
manutenção de uma inflamação crônica e maior depleção dessas células (figura 1).
Porém,
faltava uma peça no quebra-cabeça: se a ativação de caspase-1 não depende do NLRP3para
o reconhecimento do material genético viral, qual receptor é o responsável por
esse reconhecimento? O mesmo grupo (Monroe
et al., 2014)
identificou que a proteína interferon-γ–inducible protein 16
(IFI16), um sensor de DNA, é essencial para a morte das células T CD4+
infectadas abortivamente, deixando claro que a infecção abortiva pelo HIV leva
à ativação de caspase-1, que resulta em piroptose mediante o reconhecimento genético
viral pela IFI16 (Figura 2).
Figura 2. Adaptada de Monroe et al., 2014.
As
terapias atuais disponíveis no tratamento da infecção pelo HIV são baseadas na
inativação da função de diversas proteínas/enzimas virais. Sendo a caspase-1
uma vilã na depleção de células T CD4+, será que teremos a inclusão
de novos medicamentos no coquetel anti-HIV? O artigo elucida que o fármaco
experimental VX-765, um inibidor de caspase-1 em estudo clínico no tratamento
de epilepsia, foi capaz de impedir a piroptose dos linfócitos T CD4+
nos órgãos linfóides, mas essas já são cenas dos próximos capítulos ...
Post de Aline Sardinha e Lucas Coelho Marliére Arruda
(FMRP/USP-IBA).
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