A Imunologia
nasceu como o estudo da defesa do organismo com o desenvolvimento de vacinação
pelo médico Inglês Edward Jenner em 1796. Ela inaugurou uma nova forma de olhar
para fenômenos médicos e biológicos, e culminou no fim do século 19 com a
revolução microbiológica de Pasteur. Ela introduziu ao mundo científico-médico
a idéia de que agentes infecciosos específicos são as causas de doenças
específicas, e mais tarde, com o conceito das "balas mágicas" de Paul
Ehrlich, prometeu que certas substâncias seriam capaz de inibir os agentes de
doenças específicas. Isto levou ao desenvolvimento tecnológico extremamente
benéfico de substâncias e técnicas imunobiológicas, como vacinas, antibióticos,
soroterapia, diagnósticos imunológicos, anticorpos monoclonais, e, nos anos
mais recentes, moléculas terapêuticas sintéticas [1]. No entanto, a aplicação
destes avanços científicos no campo da saúde pública continua sendo um desafio.
Nossas novas
ferramentas diagnósticas e terapêuticas imunológicas são complexas, caras e
inacessíveis para muitos pacientes, que no caso do Rio de Janeiro ainda sofrem
de extrema pobreza, desemprego, água impura (30% da população do Rio não possui
saneamento básico saneamento, como a maioria da população do mundo), violência
extrema e aumento da prevalência de doenças degenerativas infecciosas e
crônicas. Todos estes são reconhecidos como os determinantes sociais da saúde
[2]. Essa situação reflete um profundo dilema científico e exige uma mudança de
perspectiva. Nós trabalhamos como se o sistema imune fosse separado do
organismo como um todo, e o organismo separado de sua família, comunidade e
sociedade. Esta visão limitada e não- contextual representa a visão
convencional da imunidade. Ela afirma que a função do sistema imune é a defesa
do organismo contra a invasão de agentes infecciosos e, quando os mecanismos de
defesa se voltam contra o próprio organismo, ocorrem doenças auto-imunes e
alérgicas. Porém, ela não consegue ver outras importantes funções do sistema
imune como um sistema de integração de desenvolvimento mental e informações ambientais.
No entanto, no
campo da imunologia, muitos cientistas, incluindo o vencedor do Prêmio Nobel
Niels Jerne, mostraram que o sistema imune realmente executa essas outras
funções, integrando a fisiologia do organismo [3] através de uma rede de
anticorpos que se ligam a anticorpos, que se ligam a anticorpos [4]. O sistema
imunitário desempenha um papel importante na regeneração dos tecidos, na
diferenciação celular, no fluxo de sangue, na assimilação da dieta no intestino
e interacções simbióticas com a microbiota nativa. Esses estudos mostram que o
sistema imune é profundamente afetado pelo estado fisiológico e psicológico
geral do organismo e seu microbioma, e este, por sua vez, está intimamente
ligado ao modo de vida, convivência familiar e comunitária. Essas relações são
mediadas através de mecanismos epigenéticos que podem ter efeitos a longo prazo,
até mesmo ao longo das gerações.
Sabemos agora
que os defeitos imunes estão relacionados com expansões oligoclonais de
linfócitos que aparecem em doenças infecciosas, alérgicas e auto-imunes.
Expansões oligoclonais de linfócitos têm sido consistentemente associadas com mecanismos
epigenéticos, que por sua vez, são afetadoss pelo contexto ambiental - social
no qual os organismos [5] vivem. Esses links permitem o necessário diálogo
entre a ciência e a medicina pública.
Através do
encontro entre Imunologia, Biologia Celular e Molecular, de um lado e determinantes
socioeconômicos da saúde através da medicina comunitária e familiar, de outro,
podemos restaurar o elo perdido entre imunologia e sociedade. Defendo que uma
extensão radical e uma reformulação em princípios básicos de imunologia são
necessárias. Precisamos desta mudança de perspectiva para aumentar a eficiência
das estratégias médicas e imunológicas na população através de novas
estratégias de saúde pública que melhorem a qualidade das práticas médicas e
fazer bom uso dos recursos públicos.
Texto publicado originalmente em inglês no Israel Medical Journal, Outubro, 2013.
Post de Vítor
Pordeus
Vítor Pordeus,
MD, é Assessor da Secretaria de Saúde, Coordenador de Saúde Pública do Centro
para Cultura, Ciência e Saúde, do município do Rio de Janeiro; criador do Hotel
e Spa da Loucura, Universidade Popular de Arte e Ciência; e membro do Instituto
de Saúde Mental Nise da Silveira, Rio de Janeiro, Brasil, e Fundação Federico,
Zurique, Suíça. É também associado ao Centro de Doenças Autoimunes, Sheba
Medical Center, Tel Aviv University, Israel.
Para saber
mais:
1. Silverstein AM. A History of Immunology. San Diego: Academic Press,
1989.
2. Marmot M. Economic and social determinants of disease. Bull WHO 2001;
79: 988-96.
3. Vaz NM, Ramos GC, Pordeus V, Carvalho CR. The conservative physiology
of the immune system. A non-metaphoric approach to immunological activity. Clin
Dev Immunol 2006; 13 (2-4): 133-42
4. Shoenfeld Y. The idiotypic network in auto- immunity: antibodies that
bind antibodies that bind antibodies. Nature Med 2004; 10 (1): 17-18.
5. Pordeus V, Ramos GC, Carvalho CR, Castro Jr AB,
Cunha AP, Vaz NM. Immunopathology and oligoclonal T cell expansions.
Observations in immunodeficiency, infections, allergy and autoimmune diseases.
Curr Trends Immunol 2009; 10: 21-9.
6. Immunology, Science and Public Health: The Lost Link. IMAJ, Vol 15:656, October 2013.
cara é uma boa proposta, eu concordo com você, mais...como vai acontecer isso se ate mesmo as pessoas que fazen "ciencia basica" não tem nenhuma preocupação por que em algum momento no futuro sua pesquisa tenha aplicação na industria o na clinica porque a única coisa importante é que o paper está em seu currículo. falar pra eles de saude publica??? as parcerias são assustadoras.
ResponderExcluir