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sábado, 14 de setembro de 2013

Cas9 e a fantástica fábrica de editar genomas





Que nós imunologistas temos uma certa admiração por animais transgênicos não é novidade. Estes são essenciais para nosso campo de estudo. Contudo, as ferramentas para gerar esses animais nem sempre são fáceis ou econômicas de usar. Em geral, o desenvolvimento de um animal simples knockout, por exemplo, requer o desenho complexo de nucleases para o target e edição do genoma, demanda muito tempo e envolve alto custo.
A edição de genomas tem sido feita tradicionalmente usando metodologias de ZFN (zinc-finger nucleases) e TALENs (transcription activatorlike effector nucleases), técnicas que utilizam nucleases quiméricas e customizadas para atuar em genes específicos. Recentemente, uma terceira ferramenta muito elegante tem sido estabelecida: A tecnologia da Cas9. Promissora e revolucionária a Cas9 já foi eficientemente usada para alterar múltiplos genomas, de bactérias a mamíferos. Além disso, a Cas9 é a proteína central de um dos sistemas CRISPR-Cas, que tem sido descrito como o primeiro sistema imune adaptativo e herdável descoberto em procariotos. Interessante não? Vamos por partes.
Em 1987 pesquisadores descobriram uma estrutura curiosa no genoma de bactérias E. coli. Um locus constituído por sequências repetidas de 29 pares de bases “interespaçadas” por sequências variáveis de 32 nucleotídeos conhecidas como ”espaços”. O locus foi chamado de CRISPR (clustered regulary interspaced palindromic repeats). Ninguém deu muita importância para o CRISPR nos próximos quinze anos até que o advento do sequenciamento dos genomas de bactérias e vírus mostrou que os “espaços” eram sequências compatíveis com fagos e plasmídeos, velhos vilões das bactérias. O fato intrigou os cientistas. Pouco tempo depois foram descobertas as primeiras evidências de que o CRISPR estava envolvido em sistema de proteção altamente conservado em procariotos (45% das bactérias e 90% das arqueas contem o CRISPR loci). Como o CRISPR está colocalizado com genes Cas, este sistema ficou conhecido como CRISPR-Cas.


Fig. 1 Elementos básicos do sistema CRISPR-Cas.


O sistema CRISPR-Cas é dividido em três tipos principais (tipos I,II e III) e pode conferir imunidade em três fases. A primeira fase é a de adaptação, onde novas sequências obtidas de fagos ou plasmideos invasores são integradas aos espaços do CRISPR. A segunda fase, expressão, os genes Cas são transcritos e traduzidos em diferentes proteínas da família das Cas. Nessa fase também é transcrito o CRISPR, gerando um RNA precursor, o pré-crRNA, que é posteriormente processado gerando crRNA maduros. Por fim, na fase de interferência, o complexo ribonucleoproteico formado por pelas proteínas Cas e pelo crRNA:tracRNA de interferência  é guiado ao DNA invasor promovendo a clivagem de sequências específicas complementares ao crRNA. Além do mais, como todo bom sistema imune o CRISPR-cas consegue diferenciar o próprio do não-próprio. Tal propriedade se deve ao requerimento do PAM (polindromic adjacent motif), uma sequência específica de nucleotídeos que é reconhecida pelo complexo de nuclease na fase de interferência.

  
 Fig. 2 Fases da imunidade conferida pelo sistema CRISPR-Cas.


Mas por que o sistema CRISPR-Cas, responsável por defender bactérias doentes, virou o epicentro de uma revolução em marcha na tecnologia de “engenheirar” genomas?
A resposta está na Cas9. A Cas9 é a proteína de assinatura do sistema CRISPR-Cas do tipo II. Ela é necessária para maturação do pré-crRNA em crRNA e também é a proteína responsável pela clivagem do genoma alvo na fase de interferência. Em 2011 dois grupos independentes mostraram que a Cas9 é uma nuclease, uma enzima especializada em clivar DNA, que atua em seus alvos usando dois diferentes domíneos. Cada domíneo de nuclease cliva uma das fitas do DNA dupla hélice. Assim, a Cas9 sozinha é capaz de clivar sítios específicos do DNA guiada por uma combinação dupla de RNA de interferência (tracrRNA:crRNA).
Em 2012 Jinek e colaboradores (Science, ago/2012) descobriram como sintetizar um RNA quimérico (sgRNA), combinando propriedades do tracrRNA e do crRNA, capaz de reprogramar a Cas9 purificada de Streptococcus pyogenes. O grupo teve sucesso em clivar sequências específicas in vitro usando os complexos sintéticos. Este estudo levantou a incrível possiblidade de um ferramenta eficiente para edição gênica, versátil e programável constituída por uma única proteína e um RNA sintético. A previsão se confirmou. Em janeiro de 2013 quatro grupos de pesquisa reportaram a utilização da Cas9 para deletar genes específicos em células humanas, iniciando uma verdadeira  “mania CRIPR” (Science, Ago/2013). A partir de então, diferentes grupos tem usado o CRISPR-cas tipo II purificado de bactérias para para deletar, inserir, ativar ou reprimir genes específicos em bactérias (Nature. Mar/2013), células humanas (Science. Fev/2013), zebrafish (Nature. Mar/2013), em camundongos (Science. Fev/2013 ) e mais recentemente, em plantas ( Nature Ago/2013 ). Apenas no mês de agosto/2013,  a tecnologia da Cas9 foi foco de quatro artigos originais da Nature, um Science, além de uma série revisões e comentários nas principais revistas de divulgação cientifica.


Fig. 3 A Cas9 é uma endonuclease guiada RNAi contendo uma sequencia alvo.


O que torna a Cas9 elegante e um dos tópicos mais quentes da biotecnologia no momento é o fato dela ser uma endonuclease guiada por um RNAi que pode, a princípio, editar qualquer tipo de genoma - desde que atendidos os requerimentos básicos. Além disso, comparativamento a Cas9 parece ser tão ou mais eficiente para editar genomas do que metodologias de ZFN e TALENs (Science, Fev/2013). A tecnologia da Cas9 dispensa o desenho customizado de novas nucleases para cada novo gene de interesse. Por outro lado Já existem software livres que permitem o desenho de novos sgRNA (single-guide RNA) para qualquer sequencia gênica. Com a Cas9, cientistas agora podem criar modelos animais de doenças humanas mais rápido do que antes, estudar genes individuais com maior agilidade e facilmente alterar múltiplos genes com o objetivo de estudar suas interações e funções. A Cas9 é uma ferrramenta e, portanto, tem suas limitações. Mais estudos são necessários para resolver algumas questões importante em torno da atividade da proteína, por exemplo, o quão específico o sgRNA é para seus alvos evitando a ocorrência de off-target?
Por fim, um dos exemplos mais relevantes do uso dessa tecnologia para nós imunologistas é a construção de animais knockout em tempo e a um custo sem precedentes. Diversos grupos neste momento estão usando a Cas9 para gerar esses animais. O tempo para gerar um novo knockout total antes da Cas9 era em média de seis a 12 meses. Agora é possivel gerá-los entre quatro a cinco semanas, em condições otimizadas. Durante meu estágio no laboratório do professor Dr. Richard Flavell (Yale University) nos útimos dois meses (como participante do programa “2013 summer research fellowship program ” em parceira da Yale University com a clínica médica da FMRP/USP) eu mesmo pude acompanhar como essa metodologia trouxe perspectivas para um série de novas construções. Até mesmo arrisquei criar meu próprio camundongo mutante - que deve estar para nascer. A Cas9, devido seu custo e simplicidade, trás boas opotunidades para países/institutos de pesquisa que ainda não dominam a tecnologia para criar seus próprios knockouts.
É de se pensar: Por que não usarmos a Cas9 para gerarmos nossos próprios transgênicos ? E assim diminuir ,em partes, a dependência do exterior para o fornecimento de certos animais. Isso certamente geraria maior autonomia em nossas pesquisas e agilizaria a publicação de novidades made in Brazil. Por que não?

 Referências:



Post de Rodrigo Pereira de Almeida Rodrigues (Mestrando, IBA – FMRP-USP)

                                                         


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