quinta-feira, 31 de maio de 2012

Estresse? No Brasil?


Ontem terminou aqui o IX Workshop on the Biology of Stress Responses – 150 pessoas, 12 países diferentes, um mix cultural e cientifico que foi da estrutura das chaperonas até a imunologia.

Escrevi no último e mais recente SBI na rede sobre a historia controversa deste campo. Desde que encontraram os tais pufes da Drosophila, até tratar o câncer, esta área sempre foi um desafio pra publicar. Tudo parecia muito estranho. O calor ativa genes? As proteínas protegem da morte? Dá pra tratar câncer com isso? Ah não, agora dá pra tratar autoimunidade com isso também? Por que foi mesmo que eu me meti nisso?

Vendo os lideres da área falarem aqui n PUC, lembrei. Lembrei do meu fascínio por estas proteínas que a gente podia induzir com calor e que protegiam de vários estresses. De ler pela primeira vez a palavra chaperona e achar muito engraçado, de ver como várias áreas da biologia eram necessárias para entender o que estava acontecendo. A conservação evolutiva do sistema, dava pra fazer filogienia. Ali foi minha escola, pra entender a importância de uma alfa hélice, de fosforilações em diferentes lugares, de fatores de transcrição sendo regulados por diferentes proteínas, em diferentes tempos. Quando cheguei na imunologia, já não achei tão diferente. A Hsp70 estava dentro do MHC classe III, e a Hsp60 parecia um proteassomo. No problem. Foxos são complicados? Tenta os HSFs, os fatores de transcrição das Hsps. Aging? Hsp. Morte? Hsp. Metabolismo? Hsp.

Para os do Brasil que vieram, acho que foi uma oportunidade única de ver as pessoas que realizaram os breakthrough discoveries neste campo falar. Harm Kampinga, Lea Sistonen, Ivor Benjamin, Larry Hightower, Pramod Srivastava, Willem van Eden, Elizabeth Repasky, Gabriela Santoro, Claudina Pousada Para os brasileiros que vieram de outros estados, meu superobrigada, por excelente palestras. Aos latinoamericanos que vieram, vamos então fazer nosso Latin American Chapter of the Cell Stress Society.

E aos estudantes, gente, que arraso. Os estudantes deram um banho com suas talks de 10 minutos, cheias de entusiasmo e alta qualidade. Posters maravilhosos. Que orgulho! Todo mundo só falava nisso – querem brasileiros nos seus labs.


Enfim, não só de estresse viveu o meeting, pois o pessoal caiu no samba nos botecos. Fica ai essa imagem. Valeu!


quarta-feira, 30 de maio de 2012

Médicos e cientistas


No começo de maio saiu um blog na Science de autoria da Beryl Benderly (http://sciencecareers.sciencemag.org/career_magazine/previous_issues/articles/2012_05_04/caredit.a1200049) sobre a diferença entre as carreiras de médicos e cientistas, especificamente em relação à situação do mercado de trabalho e remuneração aqui nos EUA. Acho que é uma pergunta que muita gente se faz: porque um cientista e um médico, que em termos de treinamento e requisitos, não são tão diferentes, tem uma perspectiva tão diferente de carreiras? Me concentro aqui nos EUA – um médico aqui tem muito mais chance de encontrar um emprego fixo, com um salário alto, do que um cientista, especialmente na área biológica.

No blog da Science a Beryl cita na origem desta discrepância 2 estudos que se tornaram a base da política aqui nos EUA, e que fui dar uma olhada de curiosidade: o primeiro, sobre as escolas de medicina, publicado em 1910, é chamado Flexner Report (http://www.carnegiefoundation.org/sites/default/files/elibrary/Carnegie_Flexner_Report.pdf). Entre as conclusões (isto em 1910): 1. Existe uma enorme superprodução de médicos mal qualificados, resultando em uma proporção maior de médicos por habitantes nos EUA do que em paises “antigos” como a Alemanha. 2. Este aumento provém de um grande número de escolas médicas com intuito exclusivamente monetário, atraindo candidatos pouco qualificados.

E por aí vai. A conclusão deste relatório foi de que o número de escolas de medicina nos EUA deveria ser drasticamente reduzido, o que realmente aconteceu (mulheres e negros, que tinham escolas separadas,  saíram perdendo de cara), e também estipulou critérios de admissão e de currículo para as escolas de medicina.

O outro relatório, sobre ciência e cientistas, foi publicado logo após a Segunda Guerra (http://www.nsf.gov/about/history/vbush1945.htm). Este relatório recomendou que o governo estabelecesse uma fundação para distribuir fundos para a pesquisa. Esta Fundação (que tornou-se o NIH e outras agências) originalmente não empregaria nenhum cientista, mas distribuiria o dinheiro para outras entidades como Universidades, que seriam responsáveis pela contratação dos cientistas. Interessante que entre as recomendações estava a de que os fundos fossem estáveis, e esta foi a única recomendação não seguida… Outra coisa interessante é uma advertência de que, enquanto o relatório nota o déficit de cientistas (lembrem-se, isto em 1945), o relatório tambem nota 1) que o estudo científico não deve ser favorecido em prejuízo das chamadas humanidades e 2) que as bolsas não deveriam atrair um número maior de estudantes do que o projeto científico do país poderia absorver…

Enfim, os dois relatórios tornaram-se base das políticas do governo americano, com resultados distintos. Nos EUA, o numero de médicos é controlado, resultando em uma oferta de médicos restrita. Pode não ser a única razão dos altos salários médicos, mas li que os médicos que estudam em escolas americanas tem vaga praticamente garantida na residência, e que praticamente todos os médicos encontram emprego após a residência (sendo que o número de residentes também inclui um número grande de estrangeiros).  Assim, o número de médicos formados é controlado em relação ao número de vagas oferecidas.

Para os cientistas, o número de formandos não corresponde a um número de vagas disponíveis, uma vez que os fundos de pesquisa (nas mãos do governo) não estão diretamente ligados à vagas permanentes (nas mãos das universidades). Mas o número de cientistas passou a ser dependente de uma maneira perversa do dinheiro disponível para a pesquisa. Após uma expansão do número de professores por várias décadas, este número se estagnou. Mas estes professores formaram um certo número de alunos que por sua vez estão formando um número ainda maior de alunos, necessários para a condução da pesquisa. Assim, verbas de pesquisa são usadas para gerar vagas temporárias e mal-pagas (afinal, é “treinamento”), e estes estudantes formam-se sem qualquer relação à vagas permanentes após a graduação. Mas esta mão-de-obra é essential para a execução da pesquisa e obtenção de mais dinheiro pelo chefe do grupo, que torna a contratar mais ‘trainees”. Este ciclo vicioso forma então um vasto número de cientistas sem conexão com o mercado de trabalho. E se as universidades aumentam as vagas de professores, o aumento de verbas para pesquisa tem um efeito paradoxal de resultar em uma maior dificuldade para se obter verbas, com o aumento de pessoas competindo.

Note-se também outra diferença em relação à imigração: médicos estrangeiros tem que passar por exames e mais exames para poderem trabalhar nos EUA, mas é muito mais fácil conseguir ‘trabalho’ como PhD nos EUA, na maioria das vezes, pós-doc mal pagos, mas que são a verdadeira força dos labs aqui. Inclusive muitos médicos estrangeiros estão aqui trabalhando como pós-docs.

A razão da discrepância entre a carreira de um médico e um cientista seria simples: oferta e procura. O numero de médicos é controlado, com a valorização dos médicos formados. O de cientistas é abundante, com a desvalorização destes profissionais.

Num outro blog da Beryl ela vai além e discute que este imbalanço estaria relacionado à dificuldade de retenção de mulheres nas universidade daqui: como a oferta de pessoas querendo seguir a carreira acadêmica é muito grande, as universidades não tem muito incentivo em promover um ambiente mais “family-friendly”, facilitando a vida das mulheres com filhos pequenos. Afinal, se a profa. Maria da Silva não está feliz, tem outros 100 candidatos lá fora, altamente qualificados, prontos para tomar o lugar dela. Em contraste, se a Dra. Maria da Silva não está feliz na sua clínica, não tem 100 candidatos lá fora, e é bom a clínica arrumar um jeito de mantê-la porque senão vai ser difícil atender todos os pacientes…  E ela cita como a medicina tem se adaptado com muito mais eficiência à entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho, mas as universidades não lidam bem com as mulheres que talvez interrompem ou reduzem o trabalho por um tempo. As universidades ainda trabalham com a noção de que todo mundo tem uma esposa em casa, incluindo as mulheres…

Na minha opinão, esta desconexão entre treinamento de cientistas e o número de vagas está também relacionada aos problemas em relação à reprodução dos estudos e até mesmo de falsificação de resultados – o número de pessoas trabalhando e competindo por um número pequeno de postos permanentes, e a pressão por resultados, é simplesmente muito grande.

Estes cenários se aplicam aos EUA, e confesso que estou defasada em relação ao que se passa no Brasil atualmente… mas acho que seria interessante se analisar o que aconteceu aqui, para não acabar se repetindo os mesmos erros.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Doutorado Sanduiche

Minha estudante, Natalia Machado passou 3 meses na França em um doutorado sanduiche. Neste post ela relata algumas de suas experiências.


O fim dos meus 3 meses de doutorado sanduíche estão se aproximando e tive uma excelente oportunidade de descobrir que tipo de ciência é feita aqui no IPMC (Institut de Pharmacologie Moléculaire et Cellulaire – Valbonne, Sophia-Antipolis) com o “Retraite Scientifique” antes de retornar ao Brasil. Basicamente, todo o instituto se reúne num congresso onde seus estudos são apresentados de forma oral ou em pôster. Tudo se assemelha muito a um “meeting” oficial, com avaliação dos trabalhos e premiação. 


A primeira coisa que me chamou atenção foi a quantidade de laboratórios envolvidos em estudos neurológicos. Desde evolução do cérebro humano até neuropatias, como autismo, epilepsia, depressão e Alzheimer, passando por interações entre sistema nervoso e imune. Nesta última área, está inserido meu orientador daqui, Nicolas Glaichenhaus:
Acredito que os cânceres eram o segundo tema mais comum, porém alguns poucos se aventuravam na biologia da divisão celular, reciclagem de receptor e doenças renais. Sim, é um instituto com temas diversos, mas praticamente nenhum com estudos em humanos. Em quase todas as apresentações apareciam os “knockouts”, quimeras e linhagens possíveis.
Uma das primeiras apresentações que se aproximam de uma das áreas de estudos do LIMI-LIP, leishmaniose, envolvia cicatrização. Roger Rezzonico, pesquisador do grupo de Pascal Barbry, estuda o perfil e função de microRNAs na cicatrização da pele. Eles observaram um acúmulo de miR-483-3p em culturas de queratinócitos humanos danificados por arranhão e também em camundongos com feridas excisionais, na fase final de fechamento da lesão. A expressão de miR-483-3p impede a proliferação de queratinócitos danificados e  seu bloqueio mantém a progressão do ciclo celular, com atraso na expressão de marcadores de diferenciação. Em modelo murino de câncer de pele, o grupo detectou 47 miRNAs com expressão alterada durante a carcinogênese. Focando em clusters significativamente reduzidos, eles mostraram que apenas 3 (miR-193b, miR-365a e miR-708) inibiam crescimento celular, migração e sobrevivência de células tumorais, reforçando sua função potencial como supressor tumoral.
No segundo dia, a primeira palestra sobre como o cérebro e o sistema imune se regulam foi ministrada por Nicolas Glaichenhaus. Sua introdução relembra que as respostas imunes são reguladas por microorganismos, morte celular, mas também por sinais dos sistemas nervoso e endócrino. Por outro lado, o sistema imune produz citocinas que regulam a função do sistema nervoso central (SNC), que tem efeitos no comportamento. Estes sinais compõem um circuito regulador que une fisiologia com condições sociais e ambientais, percebidos pelo SNC e com papel na “tomada de decisão” pelos leucócitos. Esta regulação do sistema imune mediada pelo CNS otimiza o “fitness” total do organismo e aponta novas oportunidades terapêuticas no controle de doenças infecciosas, inflamatórias e neuropsiquiátricas. Ele cita, então, um estudo muito interessante de Cao e colaboradores (DOI 10.1016/j.cell.2010.05.029), onde os camundongos são mantidos em 2 tipos diferentes de gaiolas (Fig. 1):
·      Ambiente padrão: composto por maravalha, água e ração (SE).
·      Ambiente enriquecido: com estímulos sensoriais, cognitivos, motores e sociais (EE – Fig. 1 A).
Após 3 ou 6 semanas, células de linhagem de melanoma (B16F10) foram implantadas por via subcutânea no flanco dos camundongos. 2 semanas depois, foi observada redução significativa no volume do tumor em camundongos provenientes do EE (Fig. 1 B). Além disso, a taxa de crescimento do tumor ao longo do tempo e a presença de tumor sólido visível foram reduzidas nos animais do EE.
Esta resistência ao tumor nos animais EE estava associada com alterações no eixo endócrino e resposta imune aumentada. As vias envolvidas servem como componentes de uma rede reguladora maior que influencia a resposta do hospedeiro. Não é provável que apenas uma única variável seja responsável por todos os efeitos do EE, mas é plausível que alterações no cérebro tenham um papel central em vias periféricas como efetores secundários.
Mas, como relacionar isso com o ambiente em que nós, humanos, vivemos e qual sua influência no sistema imune? E como estas vias podem ser alvos terapêuticos eficientes contra doenças infecciosas em circunstâncias tão complexas? É importante ressaltar que são descritos tipos diferentes de estresse: o “eustrese,” ou o que seria estresse positivo e o “distresse”, ou estresse negativo, associado a ambientes adversos/hostis. Este último já relacionado à disfunção de órgãos e supressão do sistema imune (McEwen et al., 2007).

Referências:
Cao, Liu, Lin, Wang, Choi, Riban, Lin and During; 2010. Environmental and genetic activation of a brain-adipocyte BDNF/Leptin axis causes câncer remission and inhibition. Cell 142, 52-64.
McEwen; 2007. Physiology and neurobiology of stress and adaptation: central role of the brain. Physiol. Rev. 87, 873-904.


segunda-feira, 28 de maio de 2012

Tem como melhorar?


A plataforma Lattes disponibilizada pelo CNPq é certamente o maior banco de currículos utilizado não só na área científica, mas em quase todas as áreas do conhecimento. Absolutamente todas as pessoas envolvidas em atividades científicas, desde a graduação até o diretor de um instituto de pesquisa ou reitor de universidade, utilizam o currículo lattes. E quem não tem ainda, deveria ter. O modelo do CV Lattes é hoje adotado não só pelo CNPq, mas também pela maioria das instituições de fomento, universidades e institutos de pesquisa do país.

De fato, a plataforma lattes é hoje modelo também para instituições internacionais de grande prestígio, sendo utilizada como referencia em vários países. Já foi inclusive tema de um artigo na Nature (http://www.nature.com/nature/journal/v464/n7288/full/464488a.html). Conforme relatado no artigo, é de extrema importância para o desenvolvimento de um país criar um sistema aberto, apropriado e consistente que possa medir todas as atividades que compõem a produtividade acadêmica. No texto, fica claro ser necessário construir uma ciência de medição cada vez mais moderna, confiável e melhor.

E é exatamente sobre esse tema que este post é dirigido. O objetivo deste post não é criticar a plataforma Lattes, uma vez que eu sou mais um entre os tantos que fazem uso desta ferramenta, mas dividir com vocês algumas das dúvidas que tenho e que, na minha opinião, dão margem a entradas incorretas e muitas vezes falsas por diversos profissionais.

Por ser algo tão amplamente utilizado e padronizado, o preenchimento do Lattes deveria ser simples, direto e não deveria dar margem para dados incorretos ou inverdades. No entanto, acho que é correto dizer que todos nós temos pelo menos alguma dúvida sobre como preencher corretamente algum item do currículo na plataforma Lattes. Como inserir aquele curso que você ministrou a convite de uma instituição, o que é considerado vínculo com uma instituição, quando você pode se considerar um revisor de periódico, entre outros.

A falta de orientação no momento de preencher o Lattes, ou em alguns casos a malandragem mesmo, acabam gerando o registro incorreto ou falso de atividades realizadas. Uma importante ferramenta que garantiu a confiabilidade dos dados inseridos pelos usuários foi o uso do DOI, aquele identificador do artigo. Com o DOI o sistema Lattes é capaz de reconhecer e validar a veracidade da aceitação de um artigo científico pela revista científica, mesmo que este ainda não tenha sido oficialmente publicado (contendo um volume e número de página definidos). Essa ferramenta ajudou a impedir que artigos que ainda nem foram submetidos ou que ainda estão sobre processo de revisão sejam marcados como aceitos ou publicados.

Mesmo assim, as regras de como algumas sessões do Lattes devem ser preenchidas ainda são obscuras para muitos usuários e levam a muitas discussões. Não sei quanto a vocês, mas estas são algumas das minhas dúvidas:

1) O vínculo institucional

O curriculum lattes tem uma sessão destinada aos vínculos do pesquisador. Na maioria das vezes os usuários preenchem incorretamente essa sessão, inserindo vínculos inexistentes com instituições de ensino ou de pesquisa.

Por exemplo: aluno de graduação, mestrado ou doutorado não configura um vínculo. Pelo menos foi essa a informação passada a mim por aqueles que me orientaram (e não foi apenas um). Da mesma forma, se você foi convidado a dar uma aula ou participar da organização de uma disciplina ou curso em uma instituição de pesquisa ou ensino, você não deve considerar que tem ou teve um vínculo com aquela instituição. Pior, aquela monitoria de imuno ou bioquímica ou zoologia dos invertebrados que você deu durante a graduação de maneira alguma configura um vínculo. Parece óbvio, mas há muitos currículos em que a sessão de vínculos é preenchida com monitorias de disciplinas, entre outras atividades voluntárias e corriqueiras (veja um exemplo real abaixo).


Pelo meu entendimento, um vínculo é um contrato formal que um profissional tem com a instituição em que ele fez, ou faz parte do quadro de funcionários.

Uma outra coisa que aprendi com meus orientadores é que a categoria bolsista não é considerada como vínculo. Eles sempre me orientaram a não preencher esta sessão do currículo para não gerar confusão. Inclusive, esta parecia ser uma orientação do próprio CNPq, pois quando fui bolsista de Pesquisador Visitante pelo convênio CNPq-FIOCRUZ eu não pude submeter um projeto para financiamento do CNPq uma vez que um dos primeiros pré-requisitos especificados no edital era o de que o pesquisador deveria ter vínculo formal com a instituição de pesquisa. Para mim isso estava claro e fazia todo sentido, pois como o profissional pode pedir um financiamento para realizar um projeto de 2 a 5 anos sendo que muitas vezes o período de sua bolsa é incompatível com o solicitado para o projeto?

Entretanto, se olharmos na sessão de vínculos do lattes, há uma opção chamada “bolsista recém-doutor” criada como alternativa de vínculo. Mas como isso é possível, se na hora de aplicar para um projeto, o próprio CNPq não considera um bolsista como vinculado à uma instituição?

2) Participação e coordenação de projetos:

Outro exemplo muito comum é a questão do coordenador de projeto. Não é exagero, mas se fizer uma busca você irá encontrar alunos de doutorado que são coordenadores de projetos. Isso é possível? Eu sinceramente não sei. Mas no meu entendimento, o coordenador de um projeto seria aquele para quem o financiamento foi oficialmente concedido por uma agência de fomento. E para isso, tenho certeza de que deve haver documentos comprobatórios.

O problema é que, como as regras não são claras e o CNPq não disponibilizou um tutorial sobre como preencher corretamente certas sessões do Lattes, mesmo uma banca de concurso poderia não saber avaliar estas coisas. E assim, um candidato que preencheu corretamente a sessão de vínculos (pois entende que enquanto estudante, ou bolsista, ou monitor de disciplina ele não criou um vínculo com a instituição) deixa de ganhar pontos frente a um candidato que possui 3 páginas de vínculos com projetos inscritos, etc.

3) O tal do fator H.

O ultimo exemplo que eu gostaria de comentar é a questão do fator H. Ele é utilizado? Se sim, como? É avaliado em concursos públicos, prêmios e competições?

Tenho visto de tudo com relação ao fator H. Principalmente porque dependendo da forma em que se faz a busca pelo nome do profissional, o usuário pode se deparar com diferentes valores para o fator H.

Outro dia estava vendo o currículo de um jovem pesquisador cujo o fator H no Lattes era de 9. Achei bem impressionante. Ele informou que fez a busca pelo sobrenome e a inicial do primeiro nome. Até aí, tudo bem. Entretanto, quando refiz a pesquisa, imediatamente percebi na lista de artigos que resultou da busca na forma indicada pelo dono do CV, que havia outro pesquisador com o mesmo sobrenome e a mesma inicial. Assim, somados, os trabalhos dos dois pesquisadores resultavam num fator H de 9. Quando filtrei a busca excluindo os trabalhos do outro pesquisador (que eram de antes de 2001 e alguns muito citados), o fator H real para o jovem pesquisador brasileiro em questão era de 4.

Aí fica a pergunta: os profissionais estão agindo de má fé na hora de preencher o currículo ou apenas não sabem como preencher estas sessões? Pode ser que na ânsia de querer relatar tudo que fazem ou fizeram os profissionais podem cometer pequenos deslizes, mas é difícil avaliar se foi um erro ou malandragem.

E olha que nem chegamos na sessão dos idiomas... Lá sim, o povo faz a festa. Será que vale mesmo a pena preencher a sessão de idiomas com um espanhol que você afirma ler bem, entender razoavelmente, mas falar e escrever pouco?

Gente, a coisa é séria: Até a nossa digníssima presidenta já se “confundiu” ao preencher o Lattes (http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/depois-de-post-casa-civil-muda-curriculo-de-dilma-mas-cade-a-dissertacao/). Veja também o que aconteceu com um dos CEOs da empresa Yahoo: http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,yahoo!-confirma-afastamento-de-ceo-acusado-de-mentir-em-curriculo,112207,0.htm

Tem como melhorar?

Na minha opinião, da mesma forma que o DOI de um artigo pode ser verificado pelo sistema, os vínculos, os cursos, as premiações e outras entradas do lattes poderiam ser também melhor avaliadas.

Por exemplo: para validar uma entrada (seja ela um prêmio recebido, um curso ministrado, uma nova titulação, ou mesmo a proficiência em um idioma), o sistema poderia exigir que o usuário anexasse imediatamente um certificado, uma carta oficial ou algum documento que comprove aquela atividade. Esse documento poderia ser avaliado por uma equipe e somente se aprovado a entrada poderia ser validada e publicada junto ao currículo. Mesmo que isso leve alguns dias, acho que seria um processo relevante para evitar a entrada incorreta ou fraudulenta de dados.

Isso também evitaria termos que enviar toda essa documentação (certificados, diplomas, etc.) junto ao currículo quando formos aplicar para uma vaga em um concurso público, prêmio ou edital de financiamento. Pois se a entrada foi aceita pelo sistema significa que a sua veracidade já foi avaliada e aprovada. Assim como funciona para os artigos publicados.

Enfim, o importante é ter em mente que o currículo é o seu business card, a sua carta de apresentação. E o que se pode esperar de um profissional que mente já na carta de apresentação?



domingo, 27 de maio de 2012

Journal Club IBA: Guiando a montagem e ativação do Inflamassoma de NLRP3

       Quando a gente compra um aparelho novo, daqueles que sempre sonhou em comprar, dá até preguiça de ler o manual para saber como é que se monta. Queremos logo é ver funcionando. Mas, via de regra, precisamos nos comportar e ler atentamente o manual, que contém informações de como o aparelho deverá ser montado, como as peças se encaixam (inclusive a ordem delas) e principalmente a voltagem, para assim garantirmos seu correto funcionamento. Por incrível que pareça, essa "ordem de montagem" também acontece com complexos multiproteicos intracelulares, como é o caso dos inflamassomas.


       Os inflamassomas são um grupo de complexos proteicos que reconhecem diversos estímulos indutores de inflamação (como sinais microbianos, de estresse e de dano celular) que são classificados com PAMPs (pathogen-associated molecular patterns) e DAMPs (damage-associated molecular patterns) e que controlam a produção de importantes citocinas pro-inflamatórias, como IL-1β e IL-18. Um dos inflamassomas mais bem estudados é o de NLRP3, que possui capacidade de reconhecer diversos estímulos derivados de patógenos, agentes cristalinos e de estresse celular (Schroder & Tschopp, 2010; Tschopp & Schroder, 2010). Mas, como podem todos esses estímulos ativar uma mesma via? Será que todos culminam numa molécula em comum para ativar NLRP3?
            Em trabalhos publicados no ano passado, fenômenos associados ao estresse celular (lise lisossomal, efluxo de K+ e consequente produção de espécies reativas de oxigênio (ROS)), decorrentes do estímulo com os diferentes ativadores de NRLP3, deixaram claras evidências de que a mitocôndria desempenha um papel central na ativação do inflamassoma de NRLP3. Com isso, Shimada e colaboradores evidenciaram que os sinais que iniciam a apoptose são necessários para que a ativação do NRLP3 ocorra adequadamente. Um primeiro sinal (ativador de NF-κB) seguido de um segundo sinal (ativador de NLRP3) provoca uma disfunção mitocondrial que leva a vias apoptóticas celulares culminando na produção de ROS. Essas moléculas, produzidas pela mitocôndria, promovem oxidação do DNA mitocondrial (mtDNA), e este interage diretamente com o receptor NRLP3, constituindo o passo inicial para montagem e ativação do inflamassoma. Este modelo unifica os modelos prévios de ativação de NRLP3 e direciona as investigações futuras para os mecanismos envolvidos no controle da produção de ROS e da liberação de DNA mitocondrial oxidado. Mas uma dúvida ainda resta: como essa montagem do inflamassoma pode ser controlada, já que todos esses estímulos podem ser unificados e assim, provocar uma inflamação crônica?

             A descoberta de que algumas proteínas ligadoras de guanilato (GBPs) eram fusionadas a um domínio CARD em zebrafish, fundamentou a pesquisa de Shenoy e colaboradores (2012) que demonstrou que GBPs humanas poderiam interagir com outras proteínas que apresentem um ou mais domínios CARDs. Assim, utilizando RNAs de interferência para todos os membros da família de GBPs humana e de camundongo, Shenoy e colaboradores identificaram que uma proteína humana não-NLR/ALR (GBP5) e sua ortóloga em camundongos, podia estimular a montagem do inflamassoma. Estudos em macrófagos deficientes para GBP5 identificaram esta molécula como sendo uma mediadora essencial para a secreção de IL-1β dependente de caspase-1. No entanto, o resultado mais surpreendente foi que a GBP5 seletivamente promove a ativação do inflamassoma NLRP3 via agonistas solúveis bacterianos como o LPS, mas é dispensável para agentes cristalinos como alúmen. Tais observações foram confirmadas in vivo em camundongos nocautes para GBP5 submetidos a modelos inflamatórios e de infecção. Nenhum dos ativadores do inflamassoma NLRP3 conhecidos se ligam ou atuam como agonistas direto do NLRP3. Mas isto pode estar mudando, pois assim como o mtDNA oxidado que interage diretamente com o NLRP3 para iniciar a montagem e ativação do inflamassoma, a GBP5 também é capaz de interagir com esta molécula via domínio pirina e desta maneira promover a oligomerização do NLRP3. Desta forma, estudos futuros poderiam determinar SE e COMO a GBP5, ou até mesmo outras GBPs se encaixariam no modelo de interação direta do mtDNA oxidado com o NLRP3 e também se membros desta família poderiam estar envolvidas com a ativação de outros inflamassomas. Assim, estes dois trabalhos ampliam nossa compreensão sobre esta complexa maquinaria que é a montagem do inflamassoma.
Ler o manual de instruções é ou não é importante? Tem peça que não pode faltar nesse quebra-cabeça chamado INFLAMASSOMA!

Post por Giuliano Bonfá, Mariana Benício e Thaís Herrero

 
Referências:

1) NLRP3 inflammasome activation: The convergence of multiple signalling pathways on ROS production? Tschopp J, Schroder K. Nat Rev Immunol. 10 (3):210-5 (2010).

2) The inflammasomes. Schroder K, Tschopp J. Cell.19;140(6):821-32 (2010).

3) Oxidized mitocondrial DNA activates the NLRP3 inflammasome during apoptosis. Shimada K, et al, Immunity, 36 (3): 401-14 (2012).

4) Dangerous liaisons: mitochondrial DNA meets the NLRP3 inflammasome. Martinon F. Immunity,36 (3):313-5 (2012).
5) GBP5 promotes NLRP3 inflammasome assembly and immunity in mammals. Shenoy AR, et al.. Science, 336 (6080):481-5 (2012).
6) Select inflammasome assembly. Caffrey DR, Fitzgerald KA. Science, 336 (6080):420-1 (2012).