Outro dia,
uma amiga me reclamou, confusa, de que os cientistas parecem mudar de idéia
continuamente. Uma hora manteiga faz mal pro coração, mas outra hora é mais
saudável que margarina; leite sempre foi bom, mas agora faz mal pro adulto.
Então, afinal? Qual é? Adorei a chance de tentar explicar um pouco como
funciona a nossa profissão. Acho que é isso que tento fazer aqui nesta coluna,
já que pouca gente tem familiaridade com o que fazemos – e como fazemos.
Um cientista
estuda e trabalha em média mais 10 anos depois de finalizar sua graduação até
completar a formação exigida para ter o seu próprio laboratório. Isso, no
Brasil, em geral será em uma universidade pública, mas pode ser também em um
Instituto, como a Fiocruz, mais raramente uma universidade privada, ou ainda
uma indústria. O que determina o tema de uma pesquisa para um cientista? É
preciso que a instituição dê liberdade a esse profissional para escolher o que ele
quer pesquisar. Ele pode escolher trabalhar com a cor dos olhos das moscas, com
o efeito do consumo de leite, ou com o desenvolvimento de uma droga
antitumoral. Não importa o que escolher, fará isso com muita paixão. Pois
esperar até depois dos 30 ou 35 anos para ter seu primeiro emprego não é
uma escolha comum – só fica nesta profissão quem tiver paixão e resistência.
A partir
daí, é preciso captar o dinheiro para fazer a pesquisa. Tem que formular
hipóteses, fazer perguntas a serem respondidas e convencer os financiadores –
normalmente o governo – de que o dinheiro será bem empregado, vai gerar uma
informação nova e relevante. Quem julga isso são outros cientistas. Nos Estados
Unidos, onde existem muitos grupos de pesquisa, menos de 1% de todos os projetos
submetidos são financiados.
Nunca se
sabe o que vai resultar de uma pesquisa. Um bom cientista desenha experimentos
cuidadosamente para que a resposta seja clara. Por mais que tenhamos a
preferência por uma resposta, se os dados indicarem outra coisa, precisamos
reconhecer isso. A evidência é soberana.
Se o
cientista achava que o leite era bom para os adultos, e depois de muitos
experimentos a resposta for sempre que o leite não é bom, é isso o que se deve
reportar. Por treinamento, cientistas aprendem algo contra-intuitivo: mudar de
opinião, se as evidências não suportam o que se acreditava. Eu acho que ciência
é a única área em que isso acontece rotineiramente. Não acontece em política,
não acontece em religião, não acontece em arte, nem em futebol.
Isso pode
ser um problema se quem paga a pesquisa é uma fábrica de leite, por exemplo.
Quando for esse o caso, o cientista pode ou não publicar o achado, mas sempre
precisa informar que tem conflito de interesses. Por isso é necessário que
existam fontes de financiamento independentes. Principalmente, é importante que
existam outros laboratórios que mostrem os mesmos resultados – a chamada
confirmação independente. Quanto mais relevante para o momento for o assunto em
que se está trabalhando, maior é a chance de que haja vários outros grupos no
mundo fazendo a mesma coisa. Portanto, vai haver controvérsia por algum tempo.
Em geral, mesmo que saia um estudo bombástico em uma revista famosa, apenas o
tempo e outros trabalhos, às vezes com métodos mais sofisticados, poderão
confirmar o quão corretas eram as conclusões anteriores.
Então, o que
eu posso dizer pra minha amiga querida? Se você gosta de leite, procure seguir
as pesquisas em leite. A consistência dos achados deve ser aquilo que
influencia sua opinião. Se ouvir ou ler algo muito diferente do que você vem
acompanhando, mesmo que seja na famosa revista Science, não entre em pânico:
fique atenta pra ver se outras pesquisas irão reproduzir isso.
Sempre falo
para meus alunos que cientista não fala “UAU!!!!” ao ver um resultado, fala
“hmm.... interessante.....”, como diria o Sr. Spock. Só porque foi publicado,
não quer dizer que é verdade absoluta. As pesquisas que revolucionam o mundo
são reproduzíveis em qualquer lugar. Mas o que eu faço com o leite? Não sei,
porque eu não gosto muito de leite. Já o café é diferente: leio tudo o que se
publica!
Coluna Publicada no Caderno PROA, Jornal Zero Hora 07/09/2014
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