O linfoma de Burkitt é um tipo de Linfoma
não-Hodgkin, presente principalmente no continente africano, onde possui altos
índices de mortalidade. É gerado a partir de células B de centro germinativo
que acidentalmente sofrem translocações do cromossomo 15 para o 12, fazendo com
que o proto-oncogene c-Myc seja
expresso no locus IgH, frequentemente
mutado pela enzima “deaminase induzida por ativação” (AID) durante o processo
de hipermutação somática, que ocorre nos centros germinativos (GCs). Assim como
todos os outros Linfomas, os fatores que influenciam no surgimento do tumor
são, principalmente, predisposição genética e doenças infecciosas. Infecções virais
(Epstein-bar vírus, HCV e HIV) e
bacterianas (H. pylori) já foram
associadas com o surgimento de Linfomas. No caso dos vírus, diversos trabalhos já
demonstraram mecanisticamente o papel do EBV na indução de linfomas. Além
disso, estudos epidemiológicos sugerem uma forte correlação entre a malária, endêmica
no continente africano, para o desenvolvimento do linfoma de Burkitt, visto que grande parte dos
pacientes que desenvolvem malária na forma crônica e foram previamente expostos
ao EBV acabam desenvolvendo este tipo de Linfoma. Entretanto, ainda faltavam
dados experimentais para validar estes dados epidemiológicos que
correlacionavam infecções por Plasmodium
e o Linfoma de Burkitt. Até este
estudo ser publicado...
Robbiani et al., (2015) utilizaram um modelo de infecção crônica com Plasmodium chabaudi (Pc) para verificar se a malária seria capaz de induzir linfoma. Inicialmente,
um estudo detalhado sobre a ativação de células B em GCs frente à infecção foi
realizado. Pc induziu uma robusta e
duradoura expansão de células B de GCs, as quais expressam AID. Esta expressão foi
sustentada em altos níveis por um período de até 10 semanas após a infecção,
resultando em translocações cromossômicas generalizadas nas células B de GC,
mas preferencialmente no cromossomo 15, onde está localizado o gene c-Myc. Este último achado foi obtido
através de uma sofisticada técnica de captura e sequenciamento de translocação
(Tc-Seq) desenvolvida por Klein (2011) para estudar rearranjos cromossômicos e
translocações do DNA.
Através de um camundongo KO
condicional para o gene p53 em linfócitos B (CD19-Cre / p53loxP/loxP),
foi avaliado o papel da AID no desenvolvimento de linfomas frente à malária. Os
seguintes grupos experimentais foram utilizados: 1) grupo de animais wild type (WT), 2) grupo de animais com
deleção de p53 (mas que expressa AID) e 3) grupo de animais com deleção de p53
e AID. O primeiro grupo não desenvolveu tumores, o segundo grupo desenvolveu linfomas
de maneira uniforme, que são em sua maioria linfomas de células B maduros, com
origem em GC (um sinal de tumorigênese induzida por AID), e o último grupo
desenvolveu principalmente esplenomegalia benigna (67%), com apenas um pequeno
número de animais que desenvolveram linfomas. Estes resultados demonstram que a
transformação maligna de células B frente à infecção por Pc requer a atividade de AID e também alguma predisposição genética
(atribuída, neste modelo, à ausência de p53), fazendo com que esta deaminase seja
a principal responsável pela instabilidade genômica nas células B de GC frente
à malária.
Entretanto, foi também demonstrado que regiões de sítios frágeis de
replicação precoce (ERFSs) também estão propensas à ruptura do DNA, sugerindo
que mecanismos da imunidade inata podem estar associados com os fenômenos de
translocação. Durante a infecção por Plasmodium,
a ativação de Toll like receptors
(TLRs) ocorre por meio da hemozoína, resultando em aumento da expressão de AID
(Magrat, 2012). Tomadas em conjunto, este trabalho aponta para inúmeras abordagens
em estudos futuros que visam esclarecer melhor a relação entre as translocações
cromossômicas induzidas pelo Plasmodium
e o desenvolvimento de linfomas (Figura 1). No entanto, os camundongos deste
estudo não recapitulam inteiramente as características da doença em humanos,
uma vez que a localização do tumor e a histopatologia são diferentes, bem como
a espécie de Plasmodium utilizada.
Os achados deste trabalho podem ser
considerados um exemplo típico do que é a resposta imunológica: uma faca de
dois gumes. Se por um lado a expressão de AID é importante para a geração de
anticorpos de alta afinidade contra a malária, que ajudam na eliminação do
patógeno, sua atividade pode resultar em danos ao DNA que podem originar um
tumor maligno e fatal, caso associado à alguma predisposição genética. Está aí
mais uma evidência de que a resposta imune deve ser bem controlada,
principalmente nos GCs, onde ocorre proliferação massiva de células B que podem
resultar no surgimento de linfomas. Os pacientes que contraem malária grave em
regiões endêmicas podem se curar, mas as chances do linfoma de Burkitt ser diagnosticado alguns anos
depois é grande. Infelizes casos de azar...
Figura
1
– Do mosquito ao linfoma. Representação esquemática extrapolando para humanos o
mecanismo proposto por Robbiani et. al.,
(2015), no qual a infecção por Plasmodium
induz instabilidade genômica em células B mediada por AID levando a
translocações c-Myc-IgH. A fêmea do mosquito Anopheles sp. infecta o hospedeiro humano, liberando o esporozoíto
da malária infecciosa, que viaja através do sangue para o fígado, onde se
reproduz assexuadamente nos hepatócitos, formando os merozoítos que, ao serem
liberados na corrente sanguínea, infectam as hemácias, onde os trofozoítos se
reproduzem, lisando-as. A hemozoína, um produto da alimentação no trofozoito (que
leva à lise) das hemácias, ativa receptores do tipo Toll na superfície de linfócitos encontrados dentro da zona escura
do centro germinativo. A ativação do receptor de tipo Toll causa hiperplasia
das células B e ativação exacerbada de AID, causando a quebra do DNA e sua
junção em locais previamente identificados como alvos desta enzima. Os alvos da
AID no linfoma de Burkitt envolvem a
união do loci gênico da cadeia pesada e leve de imunoglobulina com o
proto-oncogene c-myc.
Referências Bibliográficas
Klein,
I.A., Resch, W., Jankovic, M., Oliveira, T., Yamane, A., Nakahashi, H., Di
Virgilio, M., Bothmer, A., Nussenzweig, A., Robbiani, D.F., et al. Translocation-Capture Sequencing Reveals the Extent
and Nature of Chromosomal Rearrangements in B Lymphocytes (2011). Cell 147, 95–106.
Magrath, I. Epidemiology: clues to the pathogenesis of
Burkitt lymphoma (2012). Br. J. Haematol.156,
744–756.
Robbiani, D.F., Deroubaix, S., Feldhahn, N., Oliveira,
T.Y., Callen, E., Wang, Q., Jankovic, M., Silva, I.T., Rommel, P.C., Bosque,
D., et al. Plasmodium Infection
Promotes Genomic Instability and AID-Dependent B Cell Lymphoma (2015). Cell 162, this issue, 727–737.
É a brincadeira de preencher a palavra faltante?
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