BLOG DA SOCIEDADE
BRASILEIRA DE IMUNOLOGIA
Acompanhe-nos:

Translate

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

A microbiota intestinal ativando auto-imunidade no olho


Autora: Liliane Martins, pós-doutora na UFMG


A uveíte auto-imune é uma doença responsável por até 15% de toda a cegueira e deficiência visual grave em países desenvolvidos, constituindo um grande problema de saúde pública. A etiologia da doença está relacionada com a adquirida capacidade de células T ativadas específicas para proteínas da retina de atravessarem a barreira hemato-retiniana e induzirem patologia no olho. Entretanto, como essas células se tornam ativadas ainda não se sabe, já que o olho é um órgão imuno-privilegiado, ou seja, os antígenos cognatos ficam retidos no interior do olho e o acesso do sistema imune a ele é extremamente restrito. Um artigo publicado na revista Immunity (aqui) pelo grupo da dra. Rachel Caspi do National Eye Institute no NIH mostra que um dos mecanismos de ativação das células T patogênicas na uveíte auto-imune pode ser dependente de sinais provenientes da microbiota intestinal.

Os autores utilizaram de um modelo animal de uveíte previamente desenvolvido pelo grupo de pesquisa, o camundongo transgênico R161H. Esses animais expressam um TCR específico para um epitopo de um antígeno endógeno previamente associado com a uveíte, a proteína interfotoreceptora ligada ao retinóide (IRBP), e desenvolvem espontaneamente a doença.


Uveíte espontânea em camundongos transgênicos R161H

Os pesquisadores observaram um aumento de células T ativadas produtoras da citocina IL-17 no intestino dos camundongos transgênicos, mesmo antes dos primeiros sinais da uveíte aparecerem. O tratamento dos animais com antibióticos por via oral para a depleção da microbiota levou à diminuição da ativação dessas células no intestino e atenuou os sinais clínicos da uveíte. Os mesmos resultados foram observados na completa ausência da microbiota utilizando camundongos R161H isentos de germes.

As células T intestinais específicas para IRBP respondem tão bem ao antígeno quanto os linfócitos T específicos para IRBP presentes no olho, onde o antigeno cognato é encontrado. Além disso, a resposta dessas células acontece através da sinalização pelo TCR transgênico. Os pesquisadores então cruzaram o camundongo transgênico R161H com outro camundongo que não é capaz de expressar IRBP e observaram que mesmo na ausência do antigeno, os animais ainda apresentavam maior número de LTh17 ativados na intestino, indicando que IRBP não é necessária para a ativação dessas células.

Para avaliar se as células T IRBP-específicas no intestino podem ser ativadas pela microbiota os pesquisadores isolaram essas células que foram estimuladas in vitro com extratos de bactérias provenientes dos animais R161H. Após o estímulo, as células aumentaram a expressão de marcadores de ativação como CD69 e a produção de IL-2. A transferência de células ativadas pelo extrato bacteriano para animais WT levou à indução de uveíte nesses animais indicando que produtos microbianos são capazes de prover o estímulo necessário para a ativação das células T IRBP-específicas que conseguem chegar no olho e induzir inflamação.

Os autores acreditam que moléculas produzidas por componentes da microbiota sejam capazes de mimetizar a IRBP ativando assim as células T causadoras da patogênese. Identificar microrganismos associados a doenças auto-imunes como a uveíte poderia contribuir para a criação de terapias baseadas no microbioma que eliminariam especificamente os micróbios causadores. Esse estudo contribui para a melhor compreensão dos mecanismos de indução de doenças auto-imunes já que é possível que assim como com IRBP, moléculas da microbiota poderiam mimetizar outros auto-antígenos relacionados com outras doenças auto-imunes. É provável que a ativação de células do sistema imune por bactérias comensais seja um gatilho mais comum de doenças auto-imunes do que se acredita.




Horai et al. Microbiota-Dependent Activation of an Autoreactive T Cell Receptor Provokes Autoimmunity in an Immunologically Privileged Site, Immunity, 434-353, 2015.





Comente com o Facebook :

Nenhum comentário:

Postar um comentário

©SBI Sociedade Brasileira de Imunologia. Desenvolvido por: