Por Eduardo Silveira, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade
de São Paulo
A poliomielite é uma doença
causada por um enterovirus, pertencente à família
Picornaviridae, chamado Poliovírus.
Ele invade células do sistema nervoso, causando
rapidamente paralisia em um ou mais membros.
Até o
fim da década de 80, esta infecção
viral ainda afligia a
população da maior parte dos países
do mundo.
Entre os vários cientistas que trabalharam para gerar
uma vacina protetora contra este vírus,
destacou-se Albert Sabin. Ele desenvolveu uma
formulação composta de partículas
virais atenuadas dos tipos 1, 2 e 3 daquele poliovírus
que apresentava alta grau de proteção
quando administrada na forma oral. Devido à alta eficácia
e baixo custo, essa vacina foi incluída
em programas de imunização, com o
apoio da Organização Mundial de Saúde,
culminando na erradicação
da doença
em quase todo o mundo. No entanto, foi descoberto que estes
vírus atenuados derivados da vacina podem
readquirir virulência e, até mesmo, patogenicidade.
Este fato abriu um precedente tanto para a manutenção
quanto para a transmissão destas
formas, as quais têm sido
associadas aos recorrentes surtos de poliomielite
que ainda acontecem em países como Índia, Afeganistão, Paquistão e
Nigéria. Uma forma de se evitar este problema é através
da imunização com vacina composta de partículas
virais inativadas, como as desenvolvidas
por Jonas Salk, que são
administradas por via intramuscular. Esta última
vacina ainda não é amplamente usada no mundo, já que ela ainda é bem mais cara que a oral atenuada.
Um
artigo muito interessante e recém
publicado na revista Plos Pathogens por Dunn e colegas mostra o caso de um indivíduo
imunodeficiente do Reino Unido que, mesmo após
28 anos da vacinação com
a forma oral e atenuada da vacina da polio, continuou
a excretar poliovírus do tipo 2 nas fezes. Isso
representa o maior período de excreção
destes poliovírus derivados de vacinação até então.
Amostras de fezes deste paciente foram coletadas e analisadas continuamente nos
últimos 20 anos e dados de sequenciamento
comprovaram que ele é derivado
do tipo 2 do vírus, porém
vêm adquirindo
mutações com o passar do tempo. Alguns
destes poliovírus foram isolados de diferentes
amostras e, após testes em camundongos, mostraram que eles
readquiriram a capacidade de não
só infectar
novas células, mas também
apresentavam virulência
similar a de vírus circulantes (derivados de vacinação
ou selvagens). Como conseqüência
das mutações,
vários anticorpos neutralizantes a poliovírus
selvagens, por exemplo, não
reconheceram as formas isoladas deste paciente.
Somente soros humanos de indivíduos
vacinados foram capazes de reconhecer um dos
vírus isolados. Ainda, camundongos transgênicos
vacinados com Poliovírus
inativados, oriundos daqueles utilizados na vacina oral e atenuada,
e desafiados com um isolado deste paciente mostraram que a proteção
era variável. Ainda, a concentração
de soro destes animais vacinados necessária
para neutralizar o mesmo isolado do desafio foi 7
vezes maior que o observado para um vírus
selvagem.
Desta forma,
fica claro que, mesmo com o advento das vacinas inativadas para a Polio, é possível
que elas não tenham a eficácia
esperada caso elas sejam produzidas a partir das seqüências
dos vírus usados nas vacinas orais e atenuadas.
Além do desenvolvimento
de novas vacinas, seria interessante o desenvolvimento de novos anticorpos
neutralizantes a estas novas formas circulantes do vírus.
Referência bibliográfica:
Dunn G, Klapsa D, Wilton T, Stone L, Minor PD, Martin J. Twenty-Eight
Years of Poliovirus Replication in an Immunodeficient Individual: Impact on the
Global Polio Eradication Initiative. PLoS Pathog. 2015 Aug
27;11(8):e1005114.
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