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terça-feira, 9 de junho de 2015

Eliminando CD4+T ativada contra o não “self” – o intestino sempre dando aulas de imunologia



Autor: Rafael Polidoro - doutor em Bioquímica e Imunologia pela UFMG
Indicação de: Luara Isabela dos Santos - pós-doutoranda na Universidade de Oxford, no Reino Unido

Introdução geral

Células linfóides inatas são derivadas da linhagem linfóide, porém não expressam receptores antígeno-específicos. Estas células apresentam funções importantes em resposta imune inata a microorganismos infecciosos, na regulação de homeostase e inflamação. Também trabalham pela reparação tecidual natural. As ILCs apareceram em um post anterior da Denise Morais no mesmo blog, de 2011, com uma descrição muito boa destas células, e já aparecem junto com a ideia de homeostase intestinal (aqui).

Em indivíduos saudáveis, a quantidade de linfócitos circulantes que possuem um fenótipo CD127+ ILC varia entre 0.01 e 0.1% dentre todos os linfócitos. Em quase sua totalidade são ILC2s (Hazenberg e Spits, Blood, 2014). Artis e Spits começam sua revisão na Nature (2015) afirmando que o sistema imune inato e adaptativo evoluíram para simultaneamente facilitar a co-existênica com os trilhões de micro-organismos dos quais nos beneficiamos, para nos defender de agentes infecciosos e para iniciar processos de reparo e remodelação tecidual. As ILCs estão na fronteira direta de comunicação tecidos-inflamação-homeostase. São consideradas centrais no processo de imunologia fisiológica. É uma revisão altamente recomendada para entender as origens, marcações e funções biológicas da ILCs.

A figura 1 (http://www.rndsystems.com/Pathway.aspx?p=20655&r=15436) apresenta as linhagens das quais derivam as NKs e ILCs, separando as NK das ILCs. Se precisarem de uma definição maior, Hazenberg e Spits (Blood, 2014) mostram os painéis de diferenciação no sangue e na amígdala para as principais linhagens ILCs humanas.


Na figura 2 (Eberl et al Nat Immunol, 2015), vemos as principais funções de cada uma delas, ressaltando-se que as ILC1 são tão escassas em processos não patológicos que sua descrição não é bem definida. Foi demonstrado que após estimulação com IL-12 as NCR+ ILC3s podem se diferenciar in vitro em ILC1s diminuindo a expressão de RORγt e aumentando a expressão de Tbet (Bernink et al. Nat. Immunol, 2013). Algo parecido já foi visto também in vivo em camundongos (Klose et al. Nature, 2013). Ainda, vale ressaltar que em humanos estas definições são menos claras e dependem muitas vezes da localização.









Na pele, alterações do número de ILC2s e do milieu das citocinas produzidas por estas células estão presentes na dermatite atópica (Salimi e Ogg, BMC Dermatology, 2014). Apesar das células ILC2s estarem envolvidas na hiper-reatividade à asma induzida por influenza, elas promovem a recuperação do epitélio pulmonar. Células ILC3s na pele interagem com fibroblastos via produção de IL-22 para promover reparo tecidual. Redução na produção de IL-22, na presença de IL-17A e IL-17F estão envolvidas em psoríasis, e essa produção devida a ativação de TLR7 está sendo usada como modelo para psoríase, sendo as principais produtoras as células Tγδ e RORγt ILC3s (Villanova F et al, J. Invest. Dermatol, 2014). Há correlação do aumento de IL-22 em tecidos tumorais em se comparando com não tumorais. O efeito da IL-17 produzido pelas ILC3s mesmo bloqueados não impedem o desenvolvimento de carcinoma coloretal, reforçando o papel da IL-22 neste quadro (Kirchberger S et al, J Exp Med, 2013). Absolutamente relevante é o papel das ILC3s na proteção/recuperação de células-tronco intestinais em mais de um trabalho, visto que em sua ausência causou inflamações mais severas e uma perda maior destas células. Também foi demonstrado que ILC3s produtoras de IL-22 são essenciais para recuperação tímica após dano causado radiação em camundongos. Estes dados reforçam o papel das ILCs na recuperação após transplantes de células-tronco hematopoiéticas (Hazenberg e Spits, Blood, 2014).

As ILCs também estão envolvidas em leucemias. Ao menos 4% das leucemias agudas são de linhagens ambíguas que não derivam de linhagem antígeno-específicas ou apresentam fenótipo misto. Hoje já se sabe do envolvimento de leucemias derivadas de progenitores NK, e isto indica que em alguma parcela destas leucemias não diferenciadas são causadas por ILCs (Hazenberg e Spits, Blood, 2014).

ILC3s regulam a microbiota intestinal selecionando linfócitos CD4-específicos contra  bactéria comensal (Hepworth et al, Science, 2015)

Classicamente, as patologias envolvendo células T CD4+ contra o “self” são limitadas a apresentação de antígenos “self” no timo por DCs e células do epitélio tímico (TEC), além da deleção clonal. Em contraste, as células T CD4+ específicas contra bactérias comensais do trato gastro-intestinal que estão implicadas na patogênesis da doença inflamatória intestinal (Inflammatory bowel disease-IBD) não encontraram antígenos cognatos no timo e, portanto, não sofrem seleção negativa antes de irem para a periferia. As células Tregs possuem um papel chave para explicar a manutenção de função de um órgão que absorve grandes quantidades de antígenos não-próprios. Entretanto estes mecanismos ainda não estão definidos. Recentemente, Sonnenberg e seu laboratório demonstraram que as células ILC3s expressam MHC-II e a remoção destas células resultaram em inflamação intestinal espontânea CD4-dependente (Hepworth et al, Nature, 2013). 

As células ILC3s CCR6+ são o tipo mais abundante no linfonodo mesentérico (mLN) e lâmina própria do cólon (cLPL). Dos fatores envolvidos na expressão de MHC-II, CD80 e CD86 pelas ILC3s, não possuem papel a IL-23p19, Ahr, estímulos microbioanos ou inflamatórios, ou mesmo MyD88 ou caspase 1/11 in vivo.  Por outro lado, a expressão de MHCII pelas APCs e ILC3s é dependente do regulador mestre CIITA (classe II transativador), porém com promotores diferentes. Neste trabalho, Hepworth e colaboradores demonstraram que a expressão de MHCII por ILC3s no mLN foi dependente do promotor IV de Ciita. Este promotor em geral responde ao sinal das células epiteliais na presença de IFN-γ, porém as ILC3s mantiveram a sua expressão de MHCII na ausência de STAT-1, IFN-γ ou IFN-γR1. As TEC possuem as mesmas características de expressão de MHCII pIV Ciita dependente e IFN-γ independente, sugerindo um link entre estas células.

A hipótese principal do trabalho é de que as MHCII+ILC3s possuem um papel na seleção de células T CD4+ no mLN e cLPL. Para testá-la, os pesquisadores usaram camundongos MHCIIΔILC3. Células T CD4+ derivadas destes animais possuem um repertório maior de especificidades, e respondem a antígenos fecais, mas não a antígenos “self”. Isto sugere que a maioria das células T CD4 presentes no intestino são específicas para bactérias comensais, e seus antígenos são apresentados pelas ILC3s. No mLN, as células MHCII+ILC3s se localizam em grupos na interface entre as zonas de células B e T, na marginal e sinus capsular, usualmente um local de tráfego de APCs.

De forma elegante, o grupo cruzou camundongos com TCR específicos para Clorstridia (Cbir1) com o animal deficiente em MHCII+ILC3s e verificou um aumento na frequência de células CD4 efetoras no cLPL e mLN. Estas células produziram IFN-γ e TNF-α de forma antígeno específica. Além disso, apresentaram intensa inflamação do cólon e infiltrado de neutrófilos reversíveis em tratamento com antibióticos. As frequências e números de células Treg permanceram inalteradas.

Usando o sistema Cre-Lox os pesquisadores geraram camundongos nos quais apenas as suas células ILC3s possuem MHCII. Transferência adotiva de células Cbir1 T CD4+ ativadas ex vivo (naïve não plorifera) para animais MHCIIILC3+ apresentam redução na frequência e número destas células no mLN após a administração do peptídeo Cbir1. Esta redução é devido a uma diminuição seletiva das efetoras, mas não das células CBir1 Treg, em se comparando com os animais MHCIIneg. Ademais, a função seletiva pelas ILC3s é antígeno dependente, e pode se dar pela presença da microbiota, por si só.

A diminuição das células T Cbir1 ativadas no mLN e cLPL pode se dar por alterações no padrão de migração, defeitos de proliferação ou através de morte induzida. A migração não estava alterada em outros órgãos linfóides, e estas células não apresentaram taxas de proliferação alteradas.

Assim, para testar a morte induzida, o grupo demonstrou in vitro que o co-cultivo de células T Cbir1 ativadas com as MHCII+ILC3s resultaram em uma redução significativa do número de células T após a administração do antígeno. Esta redução foi revertida na presença de anticorpos que bloqueiam MHCII. Os autores viram aumento de ativação de Caspase 3 dependente de MHCII e da marcação por Anexina V, indicando morte celular programada. As células ILC3s também foram capazes de influenciar células T CD4+ ativadas de outras especificidades, quando na presença do antígeno exógeno.

A apresentação de antígeno pelas células MHCII+ILC3s resultaram em uma maior expressão de Bim e Nur77 nas células Cbir1 Tefetoras CD4+, sendo o Bim responsável por iniciar a morte celular. Este efeito é FasL independente. Além disso, não foi observada redução da frequência de Tregs em experimento de co-cultivo similares ao das Tefetoras. Uma vez que as ILC3s expressam receptores de IL-2 (CD25), a competição por citocina essencial para a sobreviência de células ativadas é um dos mecanismos de eliminação das células ativadas. Em concordância, a adição de IL-2 recombinante, mas não de IL7, in vitro, é capaz de reverter a redução do número de células ativadas. As células ILC3s possuem o dobro da capacidade de se ligarem a rIL-2 em comparação com as células ativadas. Por fim, a expressão constitutiva de STAT-5 torna as células T CD4+ ativadas resistentes ao efeito das ILC3s.

Quando eles olharam as populações presentes em biópsias de crianças, foi confirmado que as ILC3s apresentam HLA-DR (MHCII) em crianças sem inflamação intestinal, porém esta expressão é muito reduzida nas crianças com doença de Crohn, mesmo ambos os grupos apresentando uma frequência total de ILC3s similar. Além disso, foi observada uma relação inversa entre a expressão de HLA-DR e a presença de células Th17 no cólon, concomitante com a detecção de IgG circulante anti-bactérias comensais.

Em resumo, o trabalho mostra que as células MHCII+ILC3s são capazes de selecionar negativamente células T CD4+ ativadas através da apresentação de antígenos e competição por IL-2.


Referências citadas:

C.S.N. Klose, M. Flach, L. Möhle, et al. Differentiation of type 1 ILCs from a common progenitor to all helper-like innate lymhpoid lineages. Cell. 2014;157(2):340-356.

D. Artis, H. Spits. The biology of innate lymphoid cells. Nature. 517, 239-301 (2015). Medline doi:10.1038/nature14189

F. Villanova, B. Flutter, I Tosi, et al. Characterization of innate lymphoid cells in human skin and blood demonstrates increase of NKp441 ILC3 in psoriasis. J Invest Dermatol. 2014;134(4):984-991. Medline doi: 10.1038/jid.2013.477

G. Eberl, J. P. Di Santo, E. Vivier. The brave new world of innate lymphoid cells. Nat. Immunol. 16, 1-5 (2015). Medline doi:10.1038/ni.3059

J. H. Bernink, C. P. Peters, M. Munneke, A. A. te Velde, S. L. Meijer, K. Weijer, H. S. Hreggvidsdottir, S. E. Heinsbroek, N. Legrand, C. J. Buskens, W. A. Bemelman, J. M. Mjösberg, H. Spits, Human type 1 innate lymphoid cells accumulate in inflamed mucosal tissues. Nat. Immunol. 14, 221–229 (2013). Medline doi:10.1038/ni.2534

M. D. Hazenberg, H. Spits. Human innate lymphoid cells. Blood. 124. 700-709 (2014). Medline doi:10.1182/blood-2013-11-427781

M. Salimi, G. Ogg. Innate lymphoid cells and the skin. MBC dermatol. 2014 14:18 Medline doi: 10.1186/1471-5945-14-18

R. Hepworth, L. A. Monticelli, T. C. Fung, C. G. Ziegler, S. Grunberg, R. Sinha, A. R. Mantegazza, H. L. Ma, A. Crawford, J. M. Angelosanto, E. J. Wherry, P. A. Koni, F. D. Bushman, C. O. Elson, G. Eberl, D. Artis, G. F. Sonnenberg, Innate lymphoid cells regulate CD4+ T-cell responses to intestinal commensal bacteria. Nature 498, 113–117 (2013). Medline doi:10.1038/nature12240

R. Hepworth, T. Fung, S. Masur et al. Group 3 innate lymphoid cells mediate intestinal selection of commensal bacteria-specific CD4+ T cells. Sciencexpress 1-11 (April 2015) Medline doi:10.1126/science.aaa4812




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