Por Helder Nakaya, professor da FCF/USP
No final dos anos 90, os grupos do Dr. Folkman
e Dr. O’Reilly
descreveram como endostatinas poderiam inibir a angiogênese em camundongos e,
desta forma, serem usadas para o tratamento de câncer. Ainda era aluno de graduação e, assim como a
mídia da época, estava eufórico com a possibilidade de uma droga revolucionária
para tratar esse mal. Foi quando vi uma entrevista do Dr. Folkman dizendo: “Se
você tem câncer... e é um camundongo, nós podemos te ajudar”. Como ótimos
cientistas, os próprios autores do artigo não se atreveram a dizer que as
drogas funcionariam de imediato no tratamento do câncer em humanos. Desde
então, vários ensaios clínicos foram realizados com as endostatinas porém este post não é sobre elas.
Um artigo publicado na revista PNAS
mostrou, em 2013, que modelos murinos mimetizavam pobremente as respostas
genômicas de humanos em doenças inflamatórias. Renomados cientistas de grandes
universidades assinavam esse artigo e os resultados foram amplamente divulgados
pela mídia e em dois excelentes posts
(aqui
e aqui)
do nosso blog. Baseado na análise do transcritoma de camundongos e humanos
frente à diferentes processos inflamatórios, os autores concluíram que havia
pouca correlação entre os dois organismos, indicando que as respostas de
camundongos não eram comparáveis às dos humanos. Apesar de não assinar este
estudo, o professor de Stanford, Mark M Davis,
como vi em vários eventos nos EUA e em seus textos (aqui e aqui),
é um dos que mais defende a idéia de que a imunologia deve ser estudada (sempre
que possível) em humanos.
Dois anos após a publicação do PNAS, saiu na mesma revista,
outro artigo com o título praticamente idêntico porém com resultados opostos:
(2013) Genomic
responses in mouse models poorly mimic human
inflammatory diseases
(2015) Genomic
responses in mouse models greatly mimic human inflammatory
diseases
Os autores deste segundo artigo
re-analisaram (usando métodos estatísticos mais convencionais e adequados) os
mesmos dados usados no primeiro artigo de 2013 e mostraram que, na verdade, os
padrões de expressão em camundongos recapitulavam os padrões de humanos em
condições inflamatórias. Uma das diferenças principais entre os dois estudos
foi como a análise de correlação foi feita entre humanos e camundongos. No
artigo de 2013, eles calcularam a correlação entre a expressão de TODOS os
genes humanos que alteravam em uma condição com a expressão dos mesmos genes em
camundongos. No entanto, a comparação entre dois transcritomas não é
convencionalmente feita assim. No artigo de 2015 eles focaram as correlações
apenas nos genes que alteravam (mesmo que em direções opostas) suas expressões
tanto em humanos quanto em camundongos. Esta realmente é a análise correta a
ser feita já que, por ser uma tecnologia de larga-escala, genes não responsivos
em uma espécie só iria introduzir ruído nas correlações. Outro ponto importante
foi o uso da corelação de Spearman (que lida com rankings de expressão) ao invés da correlação de Pearson (que
assume linearidade e distribuição normal das razões de expressão) originalmente
usada.
Com isso, ficou claro que o artigo de 2013 não provou de
forma adequada que camundongos sejam “indicadores imprecisos das condições inflamatórias humanas”.
O fato é que (salvo algumas exceções) humanos não são roedores! Porém, uma
análise mal feita não confirma o que já era óbvio a todos os cientistas. Aprendemos
muito e continuaremos a aprender com o uso de modelos animais.
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