A síndrome metabólica é definida como um conjunto de fatores de risco de
origem metabólica que contribuem para o desenvolvimento da doenças
cardiovasculares, diabetes e infarto, com consequente desenvolvimento da
resistência à insulina. A microbiota, dieta e fatores genéticos estão
associados ao desenvolvimento dessa síndrome, sendo a obesidade um dos
principais fatores contribuintes. Vários trabalhos demonstraram que camundongos
cuja obesidade é induzida por meio da ingestão de uma dieta rica em gorduras apresentam
alteração na composição da microbiota, sendo observado o aumento do filo
Firmicutes e diminuição de Bacteroidetes, e que esta microbiota apresenta uma
capacidade aumentada de absorver e armazenar a energia obtida dos nutrientes.
O aumento da permeabilidade do epitélio intestinal e consequente
desenvolvimento de uma inflamação crônica de baixo grau, sobretudo de tecidos
como o pâncreas, fígado e músculos, são características importantes da síndrome
metabólica, ocorrendo em pacientes obesos e com diabetes do tipo 2. O sistema
imunológico tem participação no desenvolvimento destas condições, através da
ação da citocina IL-22, secretada principalmente pelas ILC3 intestinais. A
IL-22 atua sobre o epitélio intestinal, estimulando a produção de peptídeos
antimicrobianos e muco, além da expressão de genes anti-apoptóticos e
mitogênicos, sendo responsável pela manutenção da integridade desse epitélio e
do equilíbrio entre o organismo do hospedeiro e a microbiota. A ausência de
IL-22 permite um aumento na passagem de microrganismos a partir do intestino, o
que auxilia no desenvolvimento do estado de inflamação crônica de baixo grau
observada nos pacientes obesos.
Nesse sentido, Wang e colaboradores (2014) investigaram se a atividade
de IL-22 apresenta alguma relação com o desenvolvimento da síndrome metabólica.
Nesse trabalho foi observado que, em comparação com animais magros, camundongos
obesos submetidos a uma infecção intestinal por C. rodentium apresentaram menor produção de IL-22 no cólon e sinais
mais graves da doença, caracterizados por lesão intestinal intensa,
disseminação do patógeno para órgãos como baço e fígado e menor taxa de
sobrevida. Esses animais também apresentaram menor expressão de IL-23 pelas
células dendríticas no cólon, sendo essa a provável causa pela menor expressão
da Il-22. Quando os animais obesos foram tratados com a IL-22-Fc, eles
desenvolveram a forma da doença mais branda, semelhante àquela que ocorreu nos
animais não obesos.
Os animais obesos desenvolvem manifestações clínicas de síndrome
metabólica, com aumento do peso corporal, acúmulo de gordura abdominal,
hiperglicemia em jejum e pós-alimentar e resistência insulínica, porém após o tratamento
com a IL-22-Fc, esses animais apresentaram redução da severidade desses sinais.
Interessante, embora a IL-22 seja capaz de modular a microbiota intestinal nos
animais tratados, aumentando o número de Bacterioidetes e diminuindo o número
de Firmicutes, a transferência da microbiota dos animais obesos tratados para
os animais não tratados, por meio de co-habitação, não foi capaz de proteger os
animais do grupo controle do desenvolvimento da síndrome metabólica, indicando
que a modulação da microbiota não é um dos mecanismos pelos quais a IL-22 atua.
No entanto, o tratamento com a IL-22 reduziu a concentração de LPS detectada no
sangue dos animais, bem como a expressão de citocinas pró-inflamatórias no
tecido adiposo, indicando que a IL-22 pode atuar restaurando a integridade do
tecido epitelial intestinal e impedindo a translocação bacteriana do lúmen intestinal
para o interior do organismo.
O tratamento com IL-22 também foi capaz de promover a proliferação de
células beta nas ilhotas pancreáticas, bem como a produção de insulina pelas
mesmas. Embora o mecanismo pelo qual esse processo ocorre não esteja bem
elucidado, o trabalho de Hasnain et al.,
publicado na Nature Medicine em
novembro de 2014, demonstrou que o tratamento de animais obesos com a IL-22 foi
capaz de reduzir o estresse celular a qual estão submetidas as células beta do
pâncreas durante a síndrome metabólica, o que permite a adequada expressão da insulina
pelas células beta.
Ainda, a sinalização mediada pela ativação do receptor da Il-22 no
fígado, verificada através da maior fosforilação de STAT3, promoveu uma redução
na concentração das enzimas indicadoras de dano hepático ALT e AST, bem como a
redução da concentração de colesterol e triglicerídeos no tecido hepático, de
triglicerídeos no tecido adiposo e de glicerol, triglicerídeos e ácidos graxos
no sangue dos animais tratados. A sinalização mediada por STAT3 no fígado
promove a formação de proteínas de fase aguda, proteínas anti-apoptóticas e
anti-oxidantes, bem como proteínas mitóticas, promovendo a proteção e
regeneração do tecido hepático.
Por fim, este trabalho sugere que, devido às suas ações protetoras, a
IL-22-Fc é uma molécula com alto potencial terapêutico para o tratamento dos
sintomas associados à síndrome metabólica.
Figura 1: A ação da IL-22 sobre os
tecidos.
Referências Bibliográficas
Dalmas,
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Hasnain,
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Wang, X. et al. Interleukin-22 alleviates metabolic disorders and restores
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237-41 (2014).
Post de: Júlia Teixeira e Andressa Fisher (doutorandas IBA-FMRP-USP)
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