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terça-feira, 27 de maio de 2014

Saber é melhor que acreditar


Saber, ou procurar saber, é muito menos estressante do que acreditar cegamente no que outros dizem. Parece mentira, mas é verdade. Na Idade Média, cometas eram vistos como anunciadores de desastres e doenças, gerando pânico, saques e mortes nos vilarejos. Quando a epidemia de AIDS começou nos anos 80, ela foi vista por muitos como uma punição cósmica a homossexuais e usuários de drogas, resultando em um clima de pessimismo que marcou uma geração. Hoje sabemos que cometas são corpos celestes atraídos pela gravidade da Terra,  prevemos (e gostamos) quando eles aparecem. Sabemos também que a AIDS é causada por um vírus que surgiu mais recentemente, desenvolvemos medicamentos para tratar a infecção, e em breve teremos vacinas disponíveis. O conhecimento tranqüiliza, e se torna parte do nosso dia a dia, imperceptivelmente. Isso é o que a ciência faz de melhor pela humanidade. 

A vacinação é um conceito já bem estabelecido. Contudo, em 1998 um artigo foi publicado na revista The Lancet sugerindo que havia uma ligação entre a vacina tríplice viral – MMR (sarampo, caxumba e rubéola) e autismo. Apesar de ter sido rejeitado pela comunidade cientifica, esse estudo recebeu uma grande publicidade, gerou medo, e por causa disso milhares de crianças deixaram de ser vacinadas contra essas doenças, que podem resultar em problemas neurológicos, surdez ou morte. O que poucos sabem é que este estudo foi retratado - retirado do Lancet -  e os autores foram inclusive condenados por fraude. Infelizmente, ainda hoje  esses resultados (inventados) são evocados para gerar dúvidas sobre vacinação.

A comunidade cientifica pressionou para a retirada do artigo não por ideologia, mas porque foi testar a idéia do artigo e esta não foi reproduzível. Uma característica importante da nossa profissão é a dúvida. A certeza absoluta não deixa espaço para fazer mais perguntas e portanto não permite que a gente aprenda mais. E sempre existe mais para aprender. Sempre se pode fazer progresso. Duvidar é bom. Portanto, quando surge um movimento ou afirmativa como essa da vacina e autismo, a resposta do cientista é : 1) seria possível? e 2) qual a evidencia existente que apóia essa hipótese? Invariavelmente, se houver evidencia esmagadora contra uma afirmativa, ela vai ser rejeitada. Se não houver evidencia, a hipótese vai ser testada, rigorosamente. A evidencia é soberana, e a reprodutibilidade entre estudos, sejam na Inglaterra, Brasil ou Japão, fundamental.

Atualmente na Nigéria, nos Camarões, no Paquistão e na Síria existe um alerta de poliomielite, uma doença que estava prestes a ser erradicada graças à vacinação. Esses países deixaram de vacinar por causas políticas, corrupção, guerra. A não vacinação é hoje particularmente mais perigosa porque viagens internacionais são tão mais comuns, ampliando o risco de disseminação do vírus. Vacinas funcionam sob um conceito que chamamos de rebanho: quanto mais pessoas imunizadas em uma população, menos chance há de propagação de um patógeno. Um governo que deixa de vacinar é irresponsável e criminoso. E se você recusa uma vacina, não é, como você pode pensar, uma escolha pessoal, com efeitos restritos. Você está matematicamente ampliando a chance de outros indivíduos se infectarem.

As vacinas disponíveis não tem efeitos colaterais graves,  e é biologicamente impossível ficar gripado com a vacina da gripe, ao contrário do que muitas pessoas falam. A sensação gripal que alguns experimentam após a vacinação se deve à ativação do sistema imune, nada mais. Procure o site da Organização Mundial da Saúde (WHO ou OMS), ou do Centro de Controle de Doenças infecciosas, o CDC. Se você não lê inglês, você pode ir ao site do Ministério da Saúde, da Sociedade Brasileira de Imunização, da Sociedade Brasileira de Imunologia.

Duvide, mas procure saber.


Cristina Bonorino é Professora Titular de Imunologia da PUCRS e Pesquisadora 1C do CNPq.


Texto publicado no Caderno PROA, Jornal Zero Hora, em 18 de maio de 2014

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7 comentários:

  1. Ótimo texto Cris!
    Juliano Bordignon
    ICC/Fiocruz

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  2. Extremamente pertinente, principalmente durante este tempo onde os boatos que circulam na internet e a pseudo-informação parecem ter mais força do que a vontade de saber a verdade. Parabéns!

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  3. Valeu gente. O caderno Proa abriu este espaço pra gente falar de ciencia com a comunidade. Mandem sugestoes de pauta!

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  4. ótimo Cristina. É sempre bom falar sobre vacinas,

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  5. Bom texto Cris
    Sabemos que vacinar é preciso. INFELIZMENTE não temos tantas vacinas como gostaríamos.

    SERGIO

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  6. Excelente post!

    É sempre bom ler a imunologia que abrange não só nossa linha de pesquisa, mas a sociedade como um todo!

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