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domingo, 5 de janeiro de 2014

Pacientes com câncer devem ir para o Caribe?


A ideia deste post surgiu de uma discussão aqui no blog sobre o porquê “não se consegue publicar (de um modo geral) em revistas de alto impacto no Brasil.” A primeira razão/desculpa que veio à minha cabeça foram os animais: “Se conseguíssemos construir aquele tanto de camundongos Cre/lox e knockouts que tem por aí, era um science por mês com brasileiro como primeiro autor!” Quando observamos a seção de material e métodos, a maioria das técnicas descritas já conseguimos realizar aqui no nosso país, no entanto, quando lemos a parte dos mice utilizados… Bom, não chegamos nem perto. Mas enfim, dando uma lida na PNAS que saiu no dia 10 de Dezembro, me deparei com um artigo que foi um verdadeiro banho de água fria e um alívio para quem está dando os primeiros passos na “carreira científica” (leia-se acadêmica) aqui no Brasil: um artigo (aqui) em uma revista de alto impacto cuja hipótese foi simplesmente avaliar a influência da temperatura na qual os camundongos são mantidos na progressão de diversos tipos de tumores. E o mais interessante é que não teve nada de camundongo Foxp3Thy1.1/DTR ou Foxp3CreBaxfl/flBak1-/- (aqui, excelente artigo), nem nada de fate mapping com camundongos Rosa26YFP. Não, não, foi BALB/c e C57BL/6. Bom, partindo para o paper então. Sempre achei que a temperatura na qual nossos camundongos são mantidos no biotério fosse a ideal para eles, mas de acordo o National Research Council Guide for the Care and Use of Laboratory Animals, a temperatura entre 20-26oC (ST = standard temperature) é utilizada para facilitar alguns aspectos do acasalamento, reduzir a frequência da limpeza das gaiolas e garantir um “conforto térmico” para os bioteristas. Diversos estudos indicam que camundongos saudáveis na verdade preferem um ambiente com a temperatura entre 30-31oC (denominado temperatura termoneutra, TT). Sob condições subtermoneutras, camundongos sofrem de um estresse térmico mediado pelo frio, o que induz uma resposta metabólica adaptativa denominada “termogênese adaptativa”, a fim de se manter uma temperatura corporal normal. E a hipótese do trabalho é que esta termogênese adaptativa (com indução de catecolaminas, como a noradrenalina) poderia imunossuprimir camundongos, contribuindo para a disseminação de tumores.
As evidências: 
- A temperatura do ambiente é extremamente importante na febre observada em roedores tratados com LPS (aqui)


- A obesidade de camundongos knockouts para a proteína UCP1 só foi observada quando animais foram mantidos a uma temperatura termoneutra, TT (30oC). (aqui)
- Camundongos mantidos a uma standard temperature, ST (~22oC) têm um aumento na polarização de macrófagos para o perfil alternativo (M2) (aqui)
A (simples) hipótese:
- Avaliar se o crescimento de tumores está associado com a temperatura na qual os camundongos são mantidos nos biotérios.
Os principais achados:
          Camundongos C57BL/6 ou BALB/c mantidos a 22oC (ST) ou 30oC (TT) foram inoculados com diversas células de linhagens de tumor: B16.F10 (melanoma), CT26 (tumor de cólon), Pan02 (tumor pancreático) e 4T1 (tumor de mama). Foi observado que animais mantidos a 30oC tiveram uma redução do volume do tumor quando comparados com animais mantidos a 22oC, o que não aconteceu em camundongos SCID e Nude, dando indícios de que essa diminuição do volume tumoral era dependente da resposta imune local. De fato, animais mantidos a 30oC tiveram um aumento no número de leucócitos, especialmente linfócitos e monócitos. Além disso, foi demonstrado que células T CD8+, mas não T CD4+, parecem ser as responsáveis por esse fenômeno, uma vez que apenas linfócitos T CD8+ estavam aumentados in situ em camundongos mantidos a 30oC e apenas anticorpos anti-CD8 foram capazes de reverter a progressão do tumor em animais mantidos a 22oC. Além disso, foi observado uma diminuição na frequência de células T reguladoras e MDSCs (GR1+CD11b+) em animais inoculados com células 4T1 e mantidos a 30oC. De forma geral, o artigo demonstra que camundongos com tumor mantidos a temperaturas subtermoneutras (~22oC) alteram o balanço das células do sistema imune fazendo com que haja um maior potencial para a imunossupressão sistêmica, o que coincide com o rápido crescimento do tumor quando comparado com animais mantidos a uma temperatura termoneutra (30oC).
Bom, então respondendo à pergunta que intitula este post, será que pacientes com câncer deveriam ir para regiões mais quentes, a fim de inibir essa imunossupressão sistêmica observada em condições subtermoneutras? De acordo com os autores, não é esta a intenção do trabalho. O que é discutido é que atualmente, as imunoterapias testadas em camundongos com tumor infelizmente não conseguem ser transferidas de forma eficaz para a clínica (aqui e aqui). Dessa forma, o estudo demonstra a importância de se estabelecer uma resposta imune endógena, um “baseline”, mais preciso a fim de se obter resultados mais confiáveis. Em outras palavras, talvez a resposta imune observada em camundongos mantidos a temperaturas subtermoneutras não represente de forma fidedigna uma resposta imune basal. Além disso, vale destacar que este tipo de estudo é importante não só para os estudos com imunoterapia, mas também para os tratamentos com radiações e quimioterapia, que tem sido cada vez mais associadas com uma resposta anti-tumor eficaz (aqui).

Post por Frederico Ribeiro – Mestrando FMRP-USP (IBA)

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3 comentários:

  1. Nossa Fred, excelente post. Sempre me preocupei com as temperaturas de nossos animais. Não só a temperatura, a umidade tambem, pois nós sabemos que , de tão grande que é o Brasil, biotérios espalhados em regiões de diferentes temperaturas e diferentes índices de umidades podem causar alterações relevantes nos resultados de nossos camundongos. Outra coisa, será que essa diferença de temperatura não influencia na microbiota também? Da pele com certeza deve influenciar. E pensando nisso também, cada vez mais nossos trabalhos, para que possam ser reproduzidos e obter o mesmo resultado, precisam conter esse tipo de detalhes, como a temperatura em que os animais foram mantidos. Sugira um desses artigos para o Journal Club do IBA. Parabéns pelo post. Abraço

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  2. Opa Giu, muito obrigado! De fato, se considerarmos que temperaturas menores levam a uma imunossupressão sistêmica, a resposta imune na lâmina própria pode estar alterada também, levando a uma disbiose e talvez até translocação (endotoxemia). Confesso que não encontrei nenhum artigo sobre esse assunto! Vou sugerir sim pro pessoal aqui do Jornal Club! Abração

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  3. Mônica Sopelete - UFU6 de janeiro de 2014 às 22:02

    Parabéns Fred! Você deveria pensar mais em trabalhar com divulgação científica, pois escreve muito bem: um excelente título, um tema e linguagem cativantes. Obrigada pelo post!

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