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domingo, 29 de novembro de 2015

Journal Club IBA: "Uma inflamação "salgada"..."


A resposta imunológica é essencial para a eliminação de microorganismos invasores no organismo, mas precisa ser rigidamente controlada para que não ocorram danos decorrentes da inflamação nos tecidos e órgãos, os quais muitas vezes podem resultar em perda de função.
Após a montagem de uma resposta efetora, as células reguladoras precisam agir imediatamente para que haja o retorno do estado homeostático no tecido. Dentre estes diferentes tipos celulares reguladores, podemos destacar dois: os macrófagos do perfil M2, que desempenham importante função antiinflamatória, ajudando no reparo tecidual e fagocitose de células apoptóticas, e também as células T reguladoras (Tregs), as quais são responsáveis por cessar os mecanismos efetores de células T auxiliares e apresentadoras de antígenos (APCs), tanto por contato célula-célula, ou através de mediadores solúveis, como a citocina IL-10.
Trabalhos na literatura demonstram que vários fatores podem influenciar a resposta reguladora do organismo. Dentre estes, podemos destacar os fatores genéticos, microbiota intestinal, estímulos ambientais e, também, os hábitos alimentares. De acordo com um estudo publicado pelo CDC em 2012, aproximadamente 67 milhões de americanos em idade adulta são hipertensos, sendo o sal de cozinha (NaCl), presente em grandes quantidades na dieta, o grande responsável por esta alta incidência. Se ingerido em excesso, o sódio é capaz de causar danos hepáticos, cerebrais, e vasculares. Além destes, alguns trabalhos recentes têm demonstrado que o sódio também é capaz de afetar diretamente a imunidade!
Em 2009, um estudo publicado na Nature Medicine (1) demonstrou que o sódio, quando em excesso na dieta, aumenta a produção de VEGF-C em macrófagos da pele, sendo este um evento essencial para o aumento da pressão arterial sistêmica. Em outros dois trabalhos, publicados na mesma edição da Nature em 2013 (2,3), é mostrado que altas concentrações de sódio induzem a expressão da enzima Sgk1 em células T, polarizando-as para um perfil Th17 patogênico, o qual acelera o desenvolvimento de autoimunidade. Por fim, no início de 2015, um estudo da Cell Metabolism (4) demonstrou que o excesso de sal exacerba a função efetora de macrófagos do perfil M1.
Na edição deste mês do Journal of Clinical Investigation (Novembro 2015), foram publicados dois artigos, demonstrando o papel do sódio sobre células reguladoras do sistema imunológico, complementando a literatura acerca deste tema.
No primeiro trabalho, publicado por Hernandez e colaboradores (1), foi demonstrado que altas concentrações de cloreto de sódio (NaCl) prejudicam o funcionamento das células Treg in vitro e in vivo, induzindo a expressão de genes do perfil Th1 (como TBX21 e IFN-γ) e Th17 (IL-17a), sem afetar a expressão de FoxP3 na célula reguladora. A ocorrência desses eventos também é demonstrada in vivo em um modelo de x-GvHD utilizando camundongos NSG. Estes animais foram alimentados durante 14 dias com dietas ricas em sal ou controle e após esse período receberam adotivamente PBMCs e Tregs humanas. Os animais que receberam a dieta controle não apresentaram redução no peso mesmo quarenta dias após a transferência adotiva de células, enquanto os animais que foram alimentados com dietas ricas em NaCl apresentaram redução significativa do peso a partir do vigésimo quinto dia após a transferência adotiva, evidenciando que, o acúmulo de sal nos tecidos prejudica o funcionamento das Tregs e possibilita o desenvolvimento da doença. Curiosamente, após cultivado em meio rico em NaCl, as Treg também passam a expressar Sgk1, uma proteína kinase associada com o perfil Th17. Após a inibição dessa proteína, ou diretamente de IFN-γ, a célula Treg consegue restaurar a sua capacidade inibitória mesmo em condições ricas em NaCl, reduzindo a liberação de citocinas proinflamatórias.
Em paralelo, o trabalho publicado por Binger e colaboradores na mesma edição da revista (2) demonstrou que a ingestão de altas concentrações de sal reduz a expressão de genes-chave para atividade funcional de macrófagos M2, e potencializa a ativação de macrófagos M1 previamente polarizados. Esses efeitos são dependentes apenas do sódio, o qual reduz a ativação da via dependente de AKT/mTOR sem interferir na fosforilação de STAT6. Estes eventos prejudicam a capacidade de reparo tecidual e de inibição da proliferação de linfócitos T dependente da ação de macrófagos M2, mas não são capazes de polarizar estas células para M1. Em conjunto, os dois trabalhos evidenciam que dietas ricas em sódio, além de induzir a polarização para Th17 e M1, também reduzem a ativação de linfócitos Tregs e de macrófagos M2, prejudicando os mecanismos de regulação da resposta imunológica (Figura 1). Está aí, um exemplo de inflamação “salgada”...



Figura 1. Altas concentrações de sal prejudicam os mecanismos de regulação da resposta imunológica. (A) Em condições fisiológicas, as respostas inflamatórias são equilibradas pela ação de Tregs e macrófagos M2. (B) No entanto, dietas ricas em sal reduzem a atividade dos mecanismos reguladores dependente dessas células e potencializam a resposta proinflamatória (dependente de Th1, Th17 e macrófagos M1, por exemplo). Figura adaptada de (3).

Referências

1.Machnik A, Neuhofer W, Jantsch J et al. Macrophages regulate salt-dependent volume and blood pressure by a vascular endothelial growth factor-C-dependent buffering mechanism. Nat Med. 2009 May;15(5):545-52.

2.Kleinewietfeld M, Manzel A, Titze J et al. Sodium chloride drives autoimmune disease by the induction of pathogenic TH17 cells. Nature. 2013 Apr 25;496(7446):518-22.

3.Wu C, Yosef N, Thalhamer T et al. Induction of pathogenic TH17 cells by inducible salt-sensing kinase SGK1. Nature. 2013 Apr 25;496(7446):513-7.

4.Jantsch J, Schatz V, Friedrich D et al. Cutaneous Na+ storage strengthens the antimicrobial barrier function of the skin and boosts macrophage-drivenhost defense. Cell Metab. 2015 Mar 3;21(3):493-501.



Post de Renan V. H. de Carvalho e Leonardo Lima (Doutorandos IBA –FMRP/USP)

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Bloqueio de Tregs no tecido adiposo previne o desenvolvimento de diabetes do tipo II

A resistência à insulina (RI), causa do diabetes do tipo II, está relacionada tanto à obesidade quanto ao envelhecimento. No primeiro caso, sabe-se que uma dieta rica em açúcares acaba sobrecarregando o sistema isulina-glucagon e que também leva à redução no número de macrófagos anti-inflamatórios (M2) e eosinófilos residentes no tecido adiposo, resultando na RI. No entanto, no caso do envelhecimento, até o momento, não se sabia ao certo qual o fenômeno que levava a tal resistência, mesmo em indivíduos magros e com dietas balanceadas.

Este mês foi publicado um trabalho na revista Nature, onde os autores mostram que camundongos velhos (44 semanas) apresentam um aumento no número de células T regulatórias residentes nos tecidos adiposos vicerais (fTreg). Foi observado, que o aumento da idade correlaciona com o aumento do número destas fTregs, mas esse número não é alterado em animais jovens obesos. As fTregs residentes no tecido adiposo visceral se diferem das Tregs esplênicas e dos tecido adiposos subcutâneos, principalmente devido à alta expressão de Pparg.

Funcionalmente, demonstrou-se, que animais knock-out para fTreg não desenvolviam RI em consequência do envelhecimento, porém, quando submetidos a uma dieta indutora de obesidade, estes mesmos animais desenvolviam RI ou síndromes metabólicas em decorrência da diminuição de M2 residentes. Adicionalmente, a depleção de fTregs em animais selvagens levou ao aumento da captação de insulina pelas células do tecido adiposo visceral, ratificando a função das fTregs em induzir RI em animais mais velhos.



Bapat SP, Myoung Suh J, Fang S, Liu S, Zhang Y, Cheng A, Zhou C, Liang Y, LeBlanc M, Liddle C, Atkins AR, Yu RT, Downes M, Evans RM, Zheng Y. Depletion of fat-resident T(reg) cells prevents age-associated insulin resistance. Nature. 2015 Nov 18. doi: 10.1038/nature16151.


Maillard I, Saltiel AR. Metabolism: Inflammation keeps old mice healthy. Nature. 2015 Nov 18. doi: 10.1038/nature15648.
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