Por Jacy
Andrade - Médica infectologista e
professora Titular da Universidade Federal da Bahia, Membro do Comitê de
Imunização da SBI
Na assistência à saúde deve ser rotina a abordagem
do indivíduo, qualquer que seja a idade, em relação ao seu calendário vacinal.
Crianças e adultos com calendário de vacinação atualizado têm mais chances de
se proteger contra um grupo de doenças chamadas de imunopreveníveis.
Quando o indivíduo usa uma vacina, está diretamente
se protegendo contra aquela doença para a qual se vacinou e, ao mesmo tempo,
está protegendo outras pessoas que estão no seu entorno e que não estão
protegidas para a doença contra a qual ele utilizou a vacina. Desta maneira,
quanto mais pessoas estão imunizadas, mais chance se tem de uma proteção
coletiva contra a doença. Nossas coberturas vacinais ainda são muito
heterogêneas, refletindo muitos fatores, entre eles a grande extensão do nosso
país e dificuldade de acesso em algumas áreas geográficas. No contexto desta
heterogeneidade, muitos outros fatores estão envolvidos e a consequência
prática que tivemos este ano foi traduzida pela ocorrência de casos de sarampo
registrados no Nordeste, sobretudo em Pernambuco e Ceará.
Bebê recebendo vacina contra sarampo na Etiópia. Fonte: WikiMedia Commons
Os dados de monitoramento rápido de coberturas
vacinais (MRC) contra sarampo do Programa Nacional de Imunizações (PNI),
divulgados na web (acesso em 12 de agosto de 2015),
disponíveis para a região Nordeste, evidenciam que em 2014 foram registrados
832 motivos para não vacinar crianças abaixo de 5 anos de idade. Dentre eles,
chama atenção: 17,3% por falta de tempo; 9,7% perda ou sem comprovante de
vacinação; 5,5% não estava agendado; 3,9% falta de vacina; 3,7% dificuldade de
acesso ao posto de vacinação; 3,1% várias injeções ao mesmo tempo; 2% recusa de
vacina; 0,6% contraindicação médica; 0,6% posto fechado. Estes dados mostram que
questões culturais, operacionais, logísticas e de formação profissional
interferem em nossas coberturas, sendo multifatorial a responsabilidade da heterogeneidade
de nossas coberturas vacinais. Levando em conta que o adulto, gerenciador da saúde
da criança, neste caso, menores de 5 anos de idade, não encontra tempo para
vacinar suas crianças, fica fácil entender que ele próprio não tem tempo e nem
valoriza a vacinação em adultos. Além disso, mesmo entre os profissionais de
saúde, quando se fala em vacinação, habitualmente se pensa na população
infantil, porque culturalmente “vacinação é coisa de criança”. Portanto,
orientar vacinação para adultos em geral não faz parte da abordagem rotineira
da assistência à saúde nessa faixa etária. A maioria dos adultos não tem
registro de vacinas em caderneta de vacinação. Isso acontece com as mulheres e
também com os homens. E são os adultos que são responsáveis pela adesão ou não
aos esquemas de vacinação das crianças.
Barack Obama sendo vacinado contra H1N1, em 2009. Fonte: WikiMedia Commons
Algumas situações envolvendo recusa de vacinas têm
motivado a mídia divulgar notícias a respeito de diferentes legislações em
diversos países sobre o assunto. Recentemente, em função da epidemia de sarampo
que envolveu mais de cem casos nos Estados Unidos, o estado da Califórnia é
palco de grande discussão sobre vacinação e direitos pessoais à recusa deste
procedimento. No Brasil, apesar da legislação federal, decreto no
78.231, de 12 de agosto de 1976, falar em vacinação obrigatória e o Estatuto da
Criança e do Adolescente, Lei federal no 8069 de 13 de julho de 1990
também se referir à obrigatoriedade de vacinação das crianças quando
recomendado pelas autoridades sanitárias, na prática estas determinações não
funcionam. Além disso, não temos nenhuma punição para os indivíduos que não
seguem estas determinações. No livro “Recusa de vacinas: causas e consequências”,
o Dr. Guido Levi faz uma abordagem bastante ampla do problema com revisão
bibliográfica extensa e atualizada sobre o tema.
O profissional de saúde tem papel importante nas
chamadas ‘falsas contraindicações’ às vacinas. Conceitos errôneos sobre o
assunto, desconhecimento e crenças pessoais, na maioria das vezes, justificam
esta postura. A imunização precisa ser mais divulgada no meio acadêmico para
que os estudantes da área de saúde possam se familiarizar com a diversidade de
indicações das vacinas e dessa forma beneficiar a população com medidas
preventivas que sabidamente trazem resultados positivos. Vacinação não deve ser
privilégio da criança: ela vai do recém-nascido ao idoso.
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