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sábado, 26 de abril de 2014

— Garçom me vê um tônico de microbiota fecal! — Com gelo e açúcar?

         A situação acima pode parecer surreal. Mas a terapia conhecida como Transplante da Microbiota Fecal (TMF) ou infusão fecal, tem ganhado espaço, e não é para menos. Em um estudo publicado em 2013 na prestigiosa revista New England Journal of Medicine, o grupo holandês liderado pelo Dr. Els van Nood relatou que a infusão de fezes de doadores saudáveis em pacientes com infecções recorrente por Clostridium difficile foi significativamente mais eficiente no tratamento da infecção do que o uso do antibiótico Vancomicina. Dos 16 pacientes que receberam a infusão, 13 (81%), já após a primeira aplicação apresentaram resolução das diarréias associadas à infecção. Enquanto que no grupo tratado com a terapia padrão - antibióticos - apenas 4 (31%) pacientes, de um total de 13, tiveram sucesso. A resolução de infecções por C. difficile é um desafio constante na clínica. O tratamento com antibióticos é eficaz em apenas 60% dos casos novos; e ainda menos eficaz nos casos recorrentes (1). Nos EUA esta é a principal causa das diarréias nosocomiais e vem apresentando índices crescentes de mortalidade (2). Neste contexto, o sucesso, rapidez no tratamento, custos e benefícios dos TMF no combate a este tipo de infecção impressionam.


Microscopia eletrônica de varredura mostrando o C. difficile, bacilos anaeróbios gram-positivos, responsáveis por doenças gastrointestinais associadas a antibióticos. Imagem retirada da web.

           Curiosamente, o uso terapêutico de fezes não é uma idéia nova. O famoso Taoísta e alquimista Chinês Ge Hong já advogava seus benefícios a mais de 1500 anos. Também há relatos de que fezes de camelos eram consumidas por povos beduínos e por soldados alemães na segunda guerra mundial para o alivio de Disenterias. Nos dias atuais, a infusão fecal ganhou atenção da medicina em 1958 quando um cirurgião do Colorado- EUA, Dr. Eiseman, tratou com sucesso quatro pacientes com Colite pseudomembranosa usando enemas fecais oriundos de doadores saudáveis (3).

Ge Hong, viveu durante a dinastia Jin (263 – 420), na china. Estudioso da alquimia e com profundo interesse nas técnicas de longevidade, Hong prescrevia suspensões fecais para tratamento de Diarréias e envenenamento alimentar. Imagem retirada da web.

           Apesar de ser uma terapia comprovadamente eficaz e com amplo potencial, o TMF precisa ser mais bem estudado e divulgado. E como “medicina” precisa conquistar adeptos no seguimento da clínica mais avesso à prática. Claro, a desconfiança e os questionamentos a infusão fecal têm os seus porquês. Primeiro, para muitos, a idéia de se tratar usando os excrementos de outra pessoa pode soar um tanto nauseante. Outras questões são de ordem mais prática. Em larga escala, Como se daria a coleta e o processamento de todo esse produto fecal? Quais seriam os critérios de inclusão e exclusão dos doadores? Para quais pacientes esse tipo de terapia não seria recomendado? Quais as melhores vias de administração? Seria viável o encapsulamento desses produtos e sua venda nas farmácias? Quais outras doenças poderiam ser combatidas pelo uso do TMF?
        Por outro lado, em uma perspectiva mais ampla, o papel da microbiota na saúde e na doença é importante demais para ser ignorado. As nossas bactérias ultrapassam em 10 vezes o número de células circulantes no corpo. Juntas, essas bactérias correspondem de 1-2% da massa corporal (4). É como se a nossa microbiota pudesse ser considerada um novo órgão - tardiamente descoberto – com características peculiares, porém com funções biológicas cada vez melhor compreendidas. Uma quantidade crescente de estudos vem mostrando que esse “órgão bactéria” estabelece uma complexa relação com diversos aspectos da nossa fisiologia e saúde, interagindo com a nossa dieta e sistema imunológico, e influenciando direta e indiretamente na etiologia de doenças como Diabetes, IBD, Obesidade, Autismo, Alergia, Asma e Doenças do coração (5,6).
       Com base nisso, é razoável supor que métodos pouco ortodoxos como o TMF são mais promissores do que se possa imaginar. Por fim, não sei o quão popular se tornarão os TMF, como terapia ou potencial probiótico, mas é possível que chegue o dia em que será difícil recusar a prescrição de um bom drink suplementado com a microbiota alheia.

Post de: Rodrigo Pereira de Almeida Rodrigues (Mestrando do IBA/FMRP)

Referências

1 - van nood et al. Duodenal Infusion of Donor Feces for Recurrent Clostridium difficile. N Engl J Med 2013;368:407-15. DOI 10.1056/NEJMoa1205037                   
2- Redelings et al. Increase in Clostridium diffi cile–related Mortality Rates,United States. Emerging Infectious Diseases • www.cdc.gov/eid • Vol. 13, No. 9, 2007 September.
3 - Cammarota et al. Gut microbiota modulation: probiotics, antibiotics or fecal microbiota transplantation. Intern Emerg Med DOI 10.1007/s11739-014-1069-4
5 – Sekirov et al. Gut Microbiota in Health and Disease. Physiol Rev 90: 859–904, 2010; DOI:10.1152/physrev.00045.2009
6- Goldsmith and Sartor. The role of diet on intestinal microbiota metabolism. J Gastroenterol DOI 10.1007/s00535-014-0953-z




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